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Capítulo 4 SUJEIÇÃO OBRIGATÓRIA AO DUPLO GRAU: PERFILANDO O

1. Pré noções e origens remotas

reexame necessário – 3. O papel do reexame mandatório no sistema jurídico: 3.1. O reexame necessário não é um recurso, mas condição de eficácia da decisão originária; 3.2. Aparentes justificativa e finalidade do reexame necessário: 3.2.1. Preponderância ou supremacia do interesse público; 3.2.2. Mecanismos de proteção fazendária em postulação judicial: 3.2.2.1. Impenhorabilidade dos bens públicos e precatórios judiciais; 3.2.2.2. Prazo prescricional da cobrança de créditos em face da Fazenda Pública; 3.2.2.3. Extensão dos prazos processuais em benefício da Fazenda Pública; 3.2.2.4. Proibição de concessão de provimentos judiciais de urgência; 3.2.2.5. Prorrogação do preparo de custas judiciais, concessão de liminar de arresto e demais benesses asseguradas ao aparato logístico da Fazenda; 3.2.3. Reexame necessário em sucumbência fazendária: preservação do interesse público? 4. Breve aporte no caráter procedimental do instituto: 4.1. Efeitos da remessa necessária; 4.2. Limites da reapreciação e proibição de agravamento da condenação imposta à Fazenda Pública; 4.3. Aplicabilidade do reexame necessário em relação aos órgãos da Administração Pública indireta.

1. Pré-noções e origens remotas

A subida dos autos para a segunda instância judiciária para um novo exame da causa – que é a essência do duplo grau de jurisdição – pode transcorrer de maneira compulsória em hipóteses taxativamente estipuladas na legislação brasileira. O reexame necessário é assim, de maneira geral, condição de validade de determinadas decisões judiciais originárias, expressamente prevista na legislação processual, e que permite, de modo automático e sem a provocação da parte vencida, que a jurisdição superior seja exercida, em virtude de relevante interesse público373.

Desencadeado pelo espectro genérico do princípio do duplo grau de jurisdição, o comando do reexame necessário diz respeito à sujeição mandatória de algumas causas ao reexame por parte do órgão judicante superior, em um movimento similar à interposição voluntária de um recurso de reapreciação meritória, ou seja, de uma sentença lato sensu, convencionando assim, a remessa da causa ao tribunal para uma

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CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel.

segunda manifestação. Trata-se, pois, de um sucedâneo do princípio do duplo grau de jurisdição tout court , como já contextualizado no capítulo anterior.

Também denominado duplo grau de jurisdição obrigatório ou remessa necessária, o reexame necessário ainda recebe as impróprias denominações de recurso de ofício ou remessa ex officio374, por conta de sua origem histórica centrada na antiga apelação ex officio, como se depreenderá do breve bosquejo histórico que segue.

Destaca Francisco Barros Dias, parafraseando Nelson Nery Júnior, que o duplo grau obrigatório é medida oriunda do processo inquisitório no sistema medieval, quando os magistrados eram dotados de ilimitados poderes375. Como forma de impedir abusos, o direito lusitano criou, a partir da Lei de 12.03.1355, a “appellação” ex officio , posteriormente incorporada às Ordenações Afonsinas (Liv. V, Título 58, § 11º), aplicada às sentenças que julgavam crimes cuja apuração iniciara por devassa ou, a despeito da querela do ofendido, se tratasse de delito público376, e foi mantida nas codificações que se seguiram377. Em sua modelagem original, o instituto dirigia-se a coibir arbitrariedades por parte dos magistrados, através de um novo exame dos representantes judiciais do Rei, os Ouvidores378.

Castro Nunes situa que o recurso ex officio, comum às causas da Fazenda, data de 29.11.1841, por força da Lei nº 242, que estabelece o privilégio do foro para as causas da Fazenda Nacional, e cria um Juízo Privativo dos feitos da Fazenda, em primeira instância, impondo “ao juiz dos Feitos a obrigação de apelar da sentença contrária à Fazenda, sem o que não seria exeqüível nem passaria em julgado a decisão”.379¯380

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Cumpre ressaltar a possibilidade do termo “ex officio” ter sido traduzido literalmente do francês

“d’office” , que quer dizer obrigatório, necessário. Cf. MENEZES, Patrícia Rodrigues. Reexame necessário: aspectos processuais . Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. Monografia

(Graduação), Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999, p. 25, notas.

375

DIAS, Francisco Barros. A busca da efetividade do processo. In: DINIZ, José Janguiê Bezerra (Coord.). Direito Processual: Civil, Penal, Trabalhista e Administrativo. v. 1. Recife: Litoral, 2000, p. 329.

376

ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 336.

377 DIAS, Francisco Barros. Op. cit, p. 329. 378

NETTO, J. Cabral. Recurso ex officio. Revista Jurídica. Porto Alegre, v. 192, 1993, p. 45.

379

NUNES, Castro. Da fazenda pública em juízo. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 192.

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Certos autores informam que, no direito brasileiro, a primeira notícia que se tem da “apelação ex

Ainda nesse primeiro período, J. Cabral Netto lembra da Lei de 03.12.1841, que previa o recurso ex officio das decisões concessivas de habeas corpus381.

No dizer de Joaquim José Caetano Pereira e Souza, a “appellação ex officio”, que também recebia plúrima adjetivação “necessaria ”, “officiósa” e, ainda, “officiál”, era interposta “simples declaração dos Juízes no finál de suas Sentenças”.382

Em 17.04.1863, é instituído o Decreto nº 3.069, que prevê a apelação “ex officio” para os casos de anulação de casamento, ao passo em que a Lei nº 2.040, de 28.09.1871, passa a disciplinar os casos de duplo grau obrigatório em matéria criminal383.

Salienta Castro Nunes que o Decreto nº 3.084, de 05.11.1898, que aprova a Consolidação das leis referentes à Justiça Federal, veio consolidar a obrigatoriedade do recurso oficial dos feitos da Fazenda Nacional, na forma instituída pela Lei nº 242, de 1841384.

Com a instituição dos códigos estaduais de procedimentos judiciários, deu-se o aparecimento em alguns deles de dispositivos atinentes ao recurso “ex officio”. À guisa de exemplo, o Código do Estado da Paraíba, de 1910, estabelecia, em seu art. 177, a obrigatoriedade de reexame das decisões de absolvição in limine, com amparo em uma “dirimente de responsabilidade”, regra seguida pelos Códigos do Distrito Federal, de

proferida em desfavor da Fazenda Pública, dentre outros: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios

fundamentais : Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 58, notas; OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Duplo grau de jurisdição obrigatório e as entidades de direito público. Revista de Processo. São Paulo, n. 27, jul-set. 1982, p. 156; e MENEZES, Patrícia Rodrigues.

Reexame necessário: aspectos processuais . Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.

Monografia (Graduação), Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999, p. 6. No entanto, tem-se como imprecisa a referência desse texto legal como sendo o marco inicial da apelação “ex officio” na tradição brasileira, pois inexiste no ementário legal oficial, o aludido texto legal, consoante se depreendeu na presente dissertação a pesquisa de todas as formas legislativas relacionadas ao tema. SENADO FEDERAL, 500 Anos de Legislação Brasileira. Subsecretaria de Informações e Subsecretaria de Biblioteca do Senado Federal. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 2000. CD 2 Brasil Reino Unido e Império.

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NETTO, J. Cabral. Recurso ex officio. Revista Jurídica. Porto Alegre, v. 192, 1993, p. 45.

382 SOUZA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras linhas sobre o processo civil. Rio de Janeiro -

Paris: H.Garnier, 1906, p. 240, n. 634.

383

MENEZES, Patrícia Rodrigues. Reexame necessário: aspectos processuais . Florianópolis:

Universidade Federal de Santa Catarina. Monografia (Gr aduação), Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999, p. 6.

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Sergipe, da Bahia e, também, do Rio de Janeiro, formulados nos anos seguintes ao de criação do texto inspirador385.

Compreendem os textos legais citados a origem distante do instituto e seu aparecimento no direito brasileiro, sem prejuízo de outras disposições não referidas recorrentemente, que também mencionam a aplicação da antiga apelação ex officio.386