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Os rendimentos e o modus vivendi da comunidade ribeirinha

Povoação e territorialidade da aldeia de alto mira (Santo Antão – Cabo Verde)

6. Os rendimentos e o modus vivendi da comunidade ribeirinha

Figura 8 – foto de Armindo Duarte

Nos primeiros anos de vida dessa comunidade, a agricultura era a única fonte de renda. Os homens aprendiam muito cedo a arte de lavrar a terra. Os caminhos vicinais foram construídos com trabalho escravo ou assalariados com mantimentos da primeira necessidade (milho, sal e banha de porco), por ordem do governador da Província, Anicete António Ferreira, no seu Despacho de 1813, como vimos, inicialmente.

Na agricultura, a rega através de levadas de terra consumia grande parte da água e irrigava poucos terrenos. Por isso, a modernização desse setor trouxe a construção de tanques e levadas de cimento e, consequentemente as frentes de alta intensidade da

mão de obra (FAIMO) para a ribeira de Alto Mira. Antes essas frentes ocupavam-se da construção de estradas e abertura de caminhos nos campos, ligando Porto Novo - Ribeira Grande – Paul – Ponta do Sol. Hoje as FAIMO já não existem. Os trabalhos de construção de barragens, tanques e diques continuam, mas, são desenvolvidos por empresas. A agricultura passou, também, a utilizar o tubo PVC e o sistema gota-a-gota para poupar a água e rentabilizar os investimentos nesse setor.

O cultivo do milho e da mandioca, inicialmente ordenado pelo governador da Província em pouco tempo deu lugar ao cultivo da cana-de-açúcar, batata inglesa e batata-doce, inhame, banana, cenoura, alho, cebola e tomate. Desses, eram destinados ao comércio grande parte do alho, quase toda a bata inglesa, a cebola, a cenoura e o tomate. O resto era a base da alimentação diária.

Convém notar que o gado era inexistente. O que se praticava era a criação de algumas cabeças de cabra, burro, galinhas e porcos, mais com a intensão de se conseguir algum fertilizante, ou estrumo para a agricultura do que para a venda. Hoje, a existência de fertilizantes químicos enfraqueceu essa prática. Os ovos, e a carne são comprados nos centros urbanos.

Outra fonte de rendimento era a carga. Uma vez que não havia estrados tudo era transportado na cabeça das mulheres e algumas poucas limarias (burros ou mulas). Essas mulheres, como vimos no inicio desta comunicação, eram conhecidas como matreiras ou negociantes. Uma espécie de estafetas que faziam esse trabalho pesado, carregando dezenas de quilos na cabeça por salários de batata doce, mandioca, inhame ou feijão. Esses produtos tinham como destino à vila do Porto Novo ou a cidade do Mindelo. As mulheres saíam de Alto Mira 3H00 ou 4H00 de madrugada, com lampiões, e chegavam à vila por volta dos 10H00 11H00 da manha. Portanto, várias horas de percurso a pé. Conforme a nossa informante, essas mulheres destacavam-se pela sua agilidade, força e boa disposição para tocar a vida adiante. Essa força feminina, essa tenacidade foi, com certeza, uma grande alavanca de mobilidade

social. Pois os filhos criados debaixo desse sacrifício viram suas vidas melhoradas por causa dos esforços da mãe. Muitos emigraram contribuindo, de seguida, em definitivo para melhorar as condições de vida da mãe, quase sempre sozinha, dos irmãos mais novos e até dos filhos que nasciam das primeiras relações sexuais e ficavam sob a responsabilidade das suas avós, visto que a ignorância em matéria de educação sexual era total. Pois, os serviços de planeamento familiar chegaram ao vale em 1980. Antes disso, muitos dos primeiros relacionamentos sexuais resultavam nos primeiros filhos, não planeados, não desejados.

Na gestão dos parcos recursos, todo o conforto é procurado nos elementos da natureza, a saber os amimais e as plantas. Por isso no interior cas casas no início do povoamento, segundo a nossa informante, tudo lembra a mãe natureza. Os bancos, banquetas, a mesa, a cama de madeira de laranjeira ou figueira; a esteira de tronco de bananeira, o esteirado, os balaios e as bandejas de cariço; os pratos, gamelas e talheres de figueira, o pilão e os paus de pilão de figueira mangueira ou laranjeira, a pedra de rala de basalto, o pote de barro eram os poucos utensílios.

As pedras de rala eram muitas vezes comunitárias. Lá onde havia uma pedra em cada casa era sinal da presença de homens fortes e diligentes, porque esculpir e lizar a pedra era um trabalho árduo que exigia muito esforço e muito trabalho, afim de se formatar o duro basalto. Às vezes eram trazidas de longe empurradas com ferro de alavanca e por muitos homens. Também a grande bola de basalto que se usava em cima da superfície plana era uma dura pedra basáltica de formato redondo ou cilíndrico. O pilão era um utensilio imprescindível e cada casa tem um com dois ou três paus usados para cochir, pilar ou quebrar o milho. Pois, a cachupa, às vezes com feijão, às vezes sem feijão é o alimento diária. Duas vezes ao dia se come cachupa: à noite e de manha. O almoço com verdura ou papa, o lanche com batata doce assada, banana ou pão, manga, goiaba ou papaia, tomate com açúcar, um chá ou um suco de frutas fresco, o café nas casas mais abastadas com leite de cabra acabada de ordenhar, marcam toda a diferença. Formam o regime alimentar de homens e mulheres que se esforçam muito para levar o pão à mesa todos os dias.

Figura 9 ; foto de Ivone Fortes

Os fogões de lenha, com três pedras sobre as quais se colocava uma caldeira de três pernas de puro ferro, funcionam também como forno para assar espigas de milha, batata-doce e fongo de milho, batata-doce e banana madura.

Do ciclo do milho, ainda, se aproveita a palha da espiga para encher os colchoes. Esses, no processo de mobilidade social, são substituindo pela florzinha (flor de um arbusto, macia como o algodão que de tanto ser colhida estingue-se da ribeira e dos campos circundantes), mais tarde pela espuma ou esponja. Hoje muitas famílias têm colchões ortopédicos.

As roupas que inicialmente eram de um tecido áspera, chamado xita (uma espécie de saco); evoluiu para caqui, bombaza, bombazine, casca de ovo, algodão, linho, cetim, lycra etc. Na sua maioria, o vestuário vinha da Europa. Nos últimos anos, os chineses têm ajudado as famílias pobres. Mas, para quem estava

acostumado à qualidade das roupas europeias, o negócio dos chineses não acrescentou muito.

7. A educação no processo de desenvolvimento comunitário