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4 DCN PARA O CURSO DE PEDAGOGIA E A POLÍTICA DE SENTIDO

4.2 Os sentidos das políticas de currículo e formação de professores

Compreendo que uma lei, por princípio, não neutra traz para pensar qual sua finalidade, qual o valor que ela quer difundir e quais os que a embasam. De minha perspectiva, penso no que querem as DCN e, no que elas são. No primeiro caso, coube-lhes a definição dos saberes básicos entendidos como necessários à formação do pedagogo e, no segundo, aqui vou assumi-las como a materialização

de uma política pública de currículo para a formação do pedagogo. Assim sendo, sua formulação aconteceu, como toda política pública, no bojo do enfrentamento entre interesses de partes que sabiam e reconheciam a necessidade de sua criação, em função das mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas de um

espaçotempo histórico.

Do mesmo modo, não podemos pensar em políticas de currículo fora do contexto das políticas públicas, bem como não podemos, também, pensá-las sem contemplar as políticas sociais, as políticas educacionais e as tensões entre esses âmbitos. Nesse sentido, políticas de currículo como políticas oficiais são construídas no campo macro da gestão e do planejamento e a perspectiva de sua constituição segue em direção à relação com o contexto da organização político social e econômica, que se tem e o que se deseja. Entretanto, não é no nível macro que elas efetivamente se constituirão, tampouco se materializarão sem a interferência, interpretação, traição e reconstrução das/nas instâncias micro.

Propostas curriculares nacionais ou centralizadas [...] só conseguem se institucionalizar porque negociam com outras demandas entendidas como locais e que não necessariamente têm sintonia com interesses político-econômicos dos projetos em pauta (LOPES, CUNHA, COSTA, 2013, p. 394).

Freire (1967) nos chama a atenção de que políticas, de uma maneira geral e, para a educação, especificamente, são marcadas especialmente por negociações encharcadas por interesses que ultrapassam os especificamente educacionais e pedagógicos, até porque estes são imersos em pautas políticas, culturais e econômicas que vão desenhando sentidos, propostas e práticas no contexto da escola e fora dela. Políticas só são criadas no contexto humano, em movimentos de interação de sujeitos desejantes, logo não são vazias de sentido e de significado. Por isso, sujeitos interessados, com interesses que se excluem, incompatíveis entre si. Assim, questões políticas implicam um conflito possível.

Pensar em políticas de currículo é pensar políticas de constituição do conhecimento escolar e, necessariamente, pensar em políticas de formação, de um determinado tipo de sujeito (manipulável ou autônomo) e de um determinado tipo de sociedade. Isto significa dizer que “[...] é um campo conflituoso de uma seleção de cultura e é um campo de embate de sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender

e construir o mundo” (LOPES, 2004, p. 111), um campo de forças antagônicas presentes e atuantes desde o contexto da sua formulação. Para Pacheco (2003),

[...] a política curricular representa a racionalização do processo de desenvolvimento do currículo, nomeadamente com a regulação do conhecimento, que é a face visível da realidade escolar, e com o papel desempenhado por cada ator educativo dentro de uma dada estrutura de decisões relativas à construção do projeto formativo (p. 14).

Pensar em políticas de currículo, também é pensar nas dinâmicas das ações das instâncias externas e internas à instituição formadora e em suas inter-relações, sempre, tensionadas pelos movimentos institucionais cotidianos. Ball, em entrevista com Mainardes e Marcondes, diz que políticas não são implementadas, “[...] pois isso sugere um processo linear pelo qual elas se movimentam em direção à prática de maneira direta” (2009, p. 305) e isto não acontece. Ele defende que as políticas são traduzidas para as práticas, não sem uma ressignificação e uma reconstrução o que para Alves (2010, p. 1.195) significa “[...] a compreensão de políticas como práticas coletivas, em contextos cotidianos, nas múltiplas relações de ‘praticantes’ nas redes cotidianas de conhecimentos e significações”.

Pensar em políticas de currículo como, necessariamente, políticas de formação, exige a compreensão da formação como experiência única, intransferível, inexplicável de sujeitos singulares nas suas relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo, por isso atravessada por suas emoções e afetos, situada histórica, cultural e temporalmente. É pensar os sujeitos que são referenciados e se posicionam (NÓVOA, no prelo) política, ética e esteticamente em relação ao seu processo formativo, portanto assumem uma “[...] centralidade reflexiva e práxica” (MACEDO, 2011, p. 15).

Políticas de formação de professores também são políticas que têm alcance e desdobramentos a médio e longo prazos, que podem ultrapassar gerações. No primeiro caso, porque atingem diretamente o público-alvo – os professores – no segundo, porque denotam uma intenção de formação de certo tipo de profissional que terá sua ação no campo da formação de outros sujeitos cujas políticas de formação estão sendo pensadas concomitantemente.

Nessa perspectiva, o contexto da formação de professores não se esgota em si mesmo, primeiro porque está imerso em uma cultura local e individual, construída ao longo de uma existência, com saberes e valores referenciais, experiências formativas outras que levaram o sujeito até ali e, como diz o saber popular, “cultura não se muda por decreto”, no caso, por leis. Segundo porque – uma vez que aquela cultura sofra influências das construções oriundas dos saberes socializados, ressignificados e construídos – esses serão bases para ação profissional dos professores que é fincada nos espaços formais da escola.

Nesse sentido, o curso de Pedagogia, abarcando a formação de professores para atuar nos primeiros anos da escolarização, configura-se em posição estratégica por ser essa uma fase considerada crucial na vida da criança, por vários teóricos e estudiosos (PIAGET 1967; VYGOTSKY, 1998a, 1998b; KRAMER, 2005; BRUNER, 1999). Nesse período, a criança vai sendo inserida no mundo das relações formais, conhecendo novas figuras de autoridade, diferentes da sua família e também consideradas legítimas, aprendendo a interpretar os códigos sociais formais, dentre eles a leitura e a escrita.

Compreendo que, apesar de todo potencial transformador da escola, ela foi criada e ainda é mantida para a difusão de “[...] padrões de saberes básicos entendidos como necessários à formação” (OLIVEIRA e LOPES, 2008, p. 35) de sujeitos necessários à construção e manutenção de uma sociedade que garanta a manutenção e a estabilidade daqueles padrões. O currículo, como dispositivo de organização dos saberes legitimados em conteúdo e forma, nunca deixou de ser objeto de controle social em função do seu potencial de tornar naturais e previsíveis ações que, por princípio, no universo do humano, são construções sociais.

Destarte, justifica-se a compreensão de currículo como construção cultural, social e ideológica (PACHECO, 1996), como um “campo de luta” entre grupos que têm interesse que o papel da escola seja o de “[...] transmissão de conhecimento econômico e ideológico e de tendências que apresentam resultados bastante conservadores” (APPLE, 1982, p. 40) e, por outro, de grupos que se interessam pela escola como espaço de emancipação e libertação (FREIRE, 1967). Assim, as políticas de formação de professores, vão se cruzando com as políticas para a Educação Básica, uma vez que é nesse nível que os professores irão atuar

profissionalmente, no contexto da práxis curricular, nos atos de currículo (MACEDO 2011), na “[...] quotidianeidade curricular [que] é o que de mais concreto acontece e o que mais é suscetível de ser personalizado e que, ao mesmo tempo, resulta de algo que é muito mais complexo e invisível.” (gripo do autor) (PACHECO, 2014, p.60).

O curso de Pedagogia foi criado em 1939 acoplado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, também criada na USP em 1934 (SAVIANI, 2008). O pedagogo, inicialmente, não tinha sua ação diretamente com crianças, mas na função de formação de professoras e professores nos cursos de magistério, em nível médio, para atuarem nos primeiros momentos da escolarização. Somente em 2006, sua ação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental foi regulamentada junto com quatro outros campos de atuação, todos tendo a docência como função básica, a saber, na gestão de sistemas e instituições de ensino, nos cursos de Ensino Médio na modalidade Normal, na Educação Profissional e em espaços não-escolares (BRASIL, 2006).