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III. Análise do suporte textual da interpretação da identificação

1. Os textos publicados

O princípio da identificação nos Principles

O principal texto apontado pelos defensores da interpretação da identificação consiste no já citado parágrafo 5 dos Principles63:

“Luz e cores, calor e frio, extensão e figuras, numa palavra, as coisas que vemos e sentimos, o que são além de várias sensações, noções, idéias ou impressões dos sentidos; e é possível separar, mesmo em pensamento, alguma dessas da percepção? A mim parece mais fácil dividir uma coisa de si mesma.” (P 5)64

A grande evidência a favor da interpretação da identificação consistiria, então, na formulação de duas perguntas e de uma única resposta a elas. Na primeira pergunta de Berkeley já está implícita sua resposta, ou seja, a afirmação de que “as coisas que vemos e sentimos”, isto é, as coisas sensíveis, nada mais são do que “sensações, noções, idéias ou impressões dos sentidos”. Na segunda, Berkeley se pergunta se é possível separar em pensamento essas sensações, noções, etc. da percepção que temos delas. A esta o filósofo responde que mais fácil seria “dividir uma coisa de si mesma”. Autores como Pitcher e Grave entendem que nessa passagem Berkeley está negando a distinção entre ato e objeto, entre perceber e percebido. Mais especificamente, entendem que Berkeley está afirmando que perceber e percebido são idênticos entre si. A verdade, porém, é que Berkeley não está dizendo nada disso. No primeiro momento, Berkeley diz apenas que as coisas sensíveis são idéias. A redução das coisas sensíveis a um conjunto de idéias é, conforme vimos, uma tese fundamental de sua filosofia, aquela que confere ao esse est percipi sua verdadeira originalidade. Nessa passagem ele retoma essa tese, mas seu objetivo não é argumentar a seu favor, mas sim chamar a atenção para o fato de que não é possível dissociar ou separar

63 Pitcher cita exatamente essa passagem na p. 191 de seu Berkeley; Grave o faz na p. 237 de seu artigo. 64 “Light and colours, heat and cold, extension and figures - in a word the things we see and feel - what are

they but so many sensations, notions, ideas, or impressions on the sense? And is it possible to separate, even in thought, any of these from perception? For my part, I might as easily divide a thing from itself.”

esse conjunto de idéias da operação de percebê-las. Porém, dizer que A não é separável de

B não é dizer que A é idêntico a B. Duas coisas podem perfeitamente ser distintas entre si e,

ainda assim, ser inseparáveis. Essa possibilidade de distinção entre coisas inseparáveis é, inclusive, reconhecida explicitamente pelo próprio Berkeley, conforme o mostra sua teoria da abstração – ou melhor, o aspecto positivo de sua crítica à teoria da abstração. Mas antes, consideraremos um pouco mais detidamente a porção negativa dessa crítica, haja vista sua importância para a análise do fragmento de texto que está sendo examinado, bem como do parágrafo 5 dos Principles em geral. Após essa digressão, retomaremos nosso olhar sobre esse parágrafo e prosseguiremos examinando as demais ocorrências habitualmente utilizadas como evidência textual para a atribuição do princípio da identificação a Berkeley.

A crítica de Berkeley à teoria da abstração é um conhecido capítulo da história da filosofia. A maior parte da introdução dos Principles é dedicada a um vigoroso ataque à tese de que a mente humana é capaz de formar idéias abstratas. A crença nessa tese, diz o filósofo,

“(...) parece ter sido origem principal da dúvida e complexidade da especulação, bem como de erros e dificuldades inúmeras em quase todos os domínios do conhecimento.” (Intr. P 6)65

Assim, por diversas vezes ao longo do texto dos Principles, Berkeley relaciona a teoria da abstração a posições que pretende refutar na metafísica (conceito de substância material)66,

na física (conceitos de movimento, tempo e espaço absolutos)67, na matemática

(infinitesimais)68, e também na moral69.

A principal objeção que Berkeley dirige à “doutrina das idéias abstratas” – como ele geralmente a chama70 – consiste na afirmação de que tais idéias são impossíveis, conforme atesta uma das seções finais da referida introdução:

“Mostramos, creio, a impossibilidade das idéias abstratas.” (Intr. P 21)71

65 “(…) seems to have had a chief part in rendering speculation intricate and perplexed, and to have

occasioned innumerable errors and difficulties in almost all parts of knowledge.”

66 Cf. P 5. 67 Cf. P 97-99. 68 Cf. P 125. 69 Cf. P 100.

70 Cf. Intr. P 11, 17, 19; P 5, 11, 97, 118, 125, 143.

Mas que tipo de impossibilidade é essa que o autor vincula às idéias abstratas? Em que sentido Berkeley afirma que as idéias abstratas são impossíveis?

Muitos comentadores têm defendido ou pressuposto que a argumentação de Berkeley contra a teoria da abstração se propõe a mostrar que as idéias abstratas são

psicologicamente impossíveis. Dizer que uma idéia é psicologicamente impossível equivale

a afirmar que ela não pode ser encontrada mediante um exame introspectivo, isto é, que ela não pode ser dada à sensibilidade, nem formada pela imaginação, nem relembrada pela memória. Para Peter S. Wenz, por exemplo:

“(…) uma cuidadosa leitura das passagens em que Berkeley argumenta pela impossibilidade das idéias abstratas mostra que ele considera impossível apenas que os seres humanos as possuam, e não que as considera logicamente impossíveis.”72

Parecer similar é apresentado por E. J. Craig:

“O ponto é que Berkeley está criticando uma teoria imagista; isso emerge tanto de sua terminologia como do conteúdo de seus argumentos (...) Também deve ser observado que suas objeções são colocadas em termos empíricos e psicológicos, algumas vezes permeados de ironia.”73

Mais recentemente, Robert J. Fogelin também endossou essa perspectiva:

“Uma desafortunada característica da crítica de Berkeley às idéias abstratas é sua tendência de repousar sobre a ingênua noção de que uma idéia abstrata deve ser uma imagem mental indeterminada ou um quadro mental indeterminado.”74

72 “(…) a careful reading of those passages in which Berkeley argues for the impossibility of abstract ideas

show that he maintains it only as impossible for human beings to have such ideas, rather that abstract ideas are logically impossible.” WENZ, Peter S. Berkeley’s Christian Neo-Platonism. Journal of the history of ideas, 37, 3, 1976, p. 538.

73 “The point is that it is an imagist theory which Berkeley is criticizing; this emerges both from his

terminology and from the content of his arguments (...) It should also be noted that his objections are put in empirical psychological terms, sometimes tinged with irony.” CRAIG, E. J. “Berkeley’s attack on abstract ideas” in CREERY, Walter E. (ed.) Berkeley: critical assessments (vol. II). London: Routledge & Kegan Paul, p. 140.

74 “One unfortunate feature of Berkeley’s critique of abstract ideas is its tendency to rely on the naive notion

that an abstract Idea must be an indeterminate mental image or indeterminate mental picture.” FOGELIN, Robert J. Berkeley and the Principles of Human Knowledge. London: Routledge & Kegan Paul, 2001, p. 110. Poderíamos também mencionar PITCHER, op. cit.: “Berkeley’s actual attack (…) has force only against a very special view of abstract ideas – i. e., the imagist one”, p. 68; URMSON, J. O. Berkeley. Trad. Jesus M.

Dessa interpretação decorre o pesar de muitos comentadores de Berkeley – marcantemente presente nas palavras de Fogelin citadas acima – quanto à força de sua investida, uma vez que, no caso da correção dessa leitura, o argumento fundamental da crítica de Berkeley às idéias abstratas apresentaria uma deficiência que comprometeria fatalmente seu alcance: todo ele só teria força contra um único tipo de teoria da abstração, a saber, o que sustentasse que a mente poderia formar imagens gerais, isto é, imagens

destituídas de determinações sensíveis75. Nesse caso, o ataque não incomodaria

minimamente uma teoria da abstração que admitisse a possibilidade da mente formar ou ter acesso a entidades desprovidas de conteúdo sensorial (conceitos, por exemplo)76. Além disso, ao tomar como ponto de partida uma perspectiva introspectiva, o argumento psicológico de Berkeley só poderia produzir uma evidência indutiva, jamais se alçando à condição de universalidade e necessidade – ou seja, o mero fato de um indivíduo ser incapaz de formar certa idéia não implicaria que todos os demais também não pudessem formá-la.

Mas, conforme veremos nas páginas subseqüentes, essa interpretação da impossibilidade que Berkeley imputa às idéias abstratas é equivocada. Uma das razões que talvez tenha levado comentadores como Craig, Wenz, Fogelin, e outros, a interpretar a crítica de Berkeley às idéias abstratas em termos estritamente psicológicos, tenha sido a atenção excessiva que esses estudiosos deram às referências que o autor faz a Locke na introdução dos Principles77, particularmente à citação da famosa descrição do triângulo

abstrato78. A estratégia que seguiremos consistirá em mostrar que o argumento

Cordero. Madrid: Alianza Editorial, 1984: “Berkeley piensa que la doctrina de las ideas abstractas requiere una imagen mental de naturaleza esencialmente indeterminada, y esto lo considera un absurdo.”, p. 43.

75 Fraser chegou a dizer, em seu prefácio aos Principles, que o alvo das críticas de Berkeley só poderia ser um

“homem de palha” (man of straw), referindo-se à inexistência de autores que tivessem chegado a sustentar uma teoria da abstração de cunho imagista. Cf. op. cit., v. I, p. 218.

76 Não incomodaria, por exemplo, autores que distinguiram claramente entre imaginar e conceber, como

Descartes (no início da sexta de suas Meditações) e Arnauld e Nicole (no cap. 1, parte I, de sua Lógica).

77 FRASER, A. Campbell, op. cit: “Certamente Locke é mal interpretado. Ele não diz, como parece supor

Berkeley, que ao formar idéias abstratas estamos formando imagens mentais abstratas – quadros mentais que não são quadros individuais”, p. 245, nota 1; COPLESTON, Frederick, S. J. A history of philosophy – vol. V:

The british philosophers from Hobbes to Hume. New York: Doubleday, 1963: “[Berkeley] entende que Locke

afirma que podemos formar imagens gerais abstratas, e certamente não encontra dificuldade em refutar a posição de Locke quando compreendida dessa forma”, p. 216.

78 A passagem do triângulo abstrato é citada por Berkeley no §13 da Introdução dos Principles. No texto de

introspectivo não esgota a argumentação que o filósofo dirige contra a teoria da abstração. A afirmação de que é com outro argumento que Berkeley pretender provar a impossibilidade das idéias abstratas poderá ser corroborada logo adiante, quando reconstruirmos seu argumento central contra a doutrina das idéias abstratas. A fim de evitar caminhos já tão percorridos – e que confundiram inúmeros leitores –, essa reconstrução não será feita a partir do diálogo com Locke, mas sim levando em conta as afirmações de um grupo de filósofos ao qual Berkeley também se referiu diretamente no texto da introdução dos Principles:

“Seria interminável e inútil seguir os escolásticos, esses grandes mestres da abstração, pelos inextricáveis labirintos de erros e disputas em que sua doutrina de noções e naturezas abstratas parece tê-los metido.” (Intr., P 17)79

Desse modo, explicitaremos qual o sentido da impossibilidade que o filósofo vê entranhada

na afirmação de que a mente é capaz de formar idéias abstratas80. Antes de todo esse

percurso, contudo, convém esclarecer em que consiste a teoria que Berkeley tão avidamente se propõe a solapar, ou, mais precisamente, que tipos de idéias são essas entidades chamadas de “idéias abstratas”.

O que são as idéias abstratas? Em nenhuma de suas obras Berkeley oferece uma definição do que seja uma idéia abstrata, limitando-se apenas a expor e caracterizar quais os tipos de abstração que considera ilegítimos. Basicamente, são dois os tipos de idéias abstratas (ou processos de abstração) que o filósofo pretende taxar como impossíveis. Chamarei esses dois grupos de (1) idéias particulares abstratas e (2) idéias gerais

abstratas. Uma idéia particular abstrata é supostamente obtida a partir da separação de uma

qualidade de um complexo de qualidades que constitui um objeto qualquer. Exemplo:

79 “It were an endless as well as an useless thing to trace the Schoolmen, those great masters of abstraction,

through all the manifold inextricable labyrinths of error and dispute which their doctrine of abstract natures and notions seems to have led them into.”

80 Observe-se que não é a intenção aqui negar que a teoria da abstração de Locke é o principal alvo da crítica

de Berkeley. Trata-se apenas de mostrar que a consideração do que a tradição escolástica disse sobre o tema da abstração pode indicar uma alternativa de interpretação que não se apóia em passagens textuais que não deveriam figurar como capitais na construção do argumento central de Berkeley contra a doutrina das idéias abstratas.

“(...) a vista apreende um objeto extenso, colorido, móvel; esta idéia composta a mente resolve-a em seus elementos e isolando cada um forma as idéias abstratas de extensão, cor movimento.” (Intr. P 7)81

Já as idéias gerais abstratas são formadas mediante a consideração das semelhanças existentes entre vários particulares da mesma espécie e a omissão de suas diferenças, sendo que aquilo que é comum é separado de suas variações específicas. Berkeley distingue duas classes dessas idéias: idéias gerais abstratas de qualidades e idéias gerais abstratas de

coisas. No caso de uma idéia geral da primeira espécie, Berkeley dá o seguinte exemplo:

“(…) a mente, tendo observado que nas extensões particulares percebidas pelos sentidos há algo de comum e semelhante a todas elas, e outras coisas que lhes são características e as distinguem umas das outras, como esta ou aquela figura ou magnitude, considera separadamente, ou seleciona para si mesma, aquilo que é comum, fazendo assim uma idéia mais abstrata de extensão, que não é nem linha, superfície, nem sólida, nem tem qualquer figura ou magnitude, mas é uma idéia que prescinde completamente de todas essas características.” (Intr. P 8)82

No caso das idéias gerais abstratas de coisas, um dos exemplos que Berkeley apresenta é o da idéia abstrata de homem:

“(...) tendo observado que Peter, James e John apresentam certas semelhanças de forma física e outras qualidades, a mente deixa de lado da idéia composta ou complexa que tem de Peter, James, e qualquer outro homem particular, aquilo que é peculiar a cada um, conservando apenas o que é comum a todos, formando, assim, uma idéia abstrata da qual todos os particulares igualmente participam.” (Intr. P 9)83

Tais são, em linhas gerais, os alvos do ataque de Berkeley.

Apesar da interpretação psicológica do argumento de Berkeley a favor da impossibilidade das idéias abstratas ser incorreta – conforme observaremos logo adiante –,

81 “(…) there is perceived by sight an object extended, coloured, and moved: this mixed or compound idea the

mind resolving into its simple, constituent parts, and viewing each by itself, exclusive of the rest, does frame the abstract ideas of extension, colour, and motion.”

82 “(...) the mind having observed that in the particular extensions perceived by sense there is something

common and alike in all, and some other things peculiar, as this or that figure or magnitude, which distinguish them one from another; it considers apart or singles out by itself that which is common, making thereof a most abstract idea of extension, which is neither line, surface, nor solid, nor has any figure or magnitude, but is an idea entirely prescinded from all these.”

83 “(…) the mind having observed that Peter, James, and John resemble each other in certain common

agreements of shape and other qualities, leaves out of the complex or compounded idea it has of Peter, James, and any other particular man, that which is peculiar to each, retaining only what is common to all, and so makes an abstract idea wherein all the particulars equally partake.”

não se pode negar que as evidências textuais que lhe servem de sustentáculo são bastante persuasivas. Na introdução dos Principles, por exemplo, podemos encontrar a seguinte passagem:

“(...) por mim tenho realmente uma faculdade de imaginar ou representar-me idéias daquelas coisas particulares que percebi, e de variadamente as compor e dividir (...) posso considerar a mão, o olho, o nariz, cada um por si e abstraídos do resto do corpo. Mas seja lá qual for o olho ou mão imaginados, têm que ter forma e cor particulares. Do mesmo modo, a idéia de homem que eu formar tem que ser de um homem branco, preto, ou moreno; ereto, curvado, alto, baixo ou mediano. Não posso, por nenhum esforço do pensamento, conceber a idéia abstrata de [homem].” (Intr. P. 10)84

Parece sensato concluir a partir dessas palavras que a restrição de Berkeley à doutrina das idéias abstratas se dá num âmbito psicológico: não é possível imaginar ou formar na mente a idéia de uma qualidade qualquer sem que idéias de outras qualidades também ocorram concomitantemente, nem imaginar uma coisa que não seja dotada de alguma determinação sensível. Logo, não há idéias abstratas, uma vez que se pretende que estas existam separadamente de outras qualidades que as possam determinar de algum modo.

O caráter empírico e psicológico do argumento contra as idéias abstratas também poderia receber suporte textual do parágrafo em que Berkeley empreende a crítica ao triângulo geral abstrato de Locke:

“Se qualquer homem possui a faculdade de formar em sua mente uma idéia tal como a que é aqui descrita, seria vão tentar convencê-lo do contrário, nem eu o faria. Só desejo que o leitor reflita e se certifique completamente se tem ou não tal idéia; e isso, acredito, não pode ser tarefa árdua para ninguém.” (Intr. P 13)85

Aqui o filósofo aparentemente recorre a um experimento mental/psicológico para mostrar a impossibilidade das idéias abstratas: se a idéia abstrata requerida pode ser formada, isto é,

84 “(…) for myself, I find indeed I have a faculty of imagining, or representing to myself, the ideas of those

particular things I have perceived, and of variously compounding and dividing them. (…) I can consider the hand, the eye, the nose, each by itself abstracted or separated from the rest of the body. But then whatever hand or eye I imagine, it must have some particular shape and colour. Likewise the idea of man that I frame to myself must be either of a white, or a black, or a tawny, a straight, or a crooked, a tall, or a low, or a middle- sized man. I cannot by any effort of thought conceive the abstract idea [of man].”

85 “If any man has the faculty of framing in his mind such an idea of a triangle as is here described, it is in

vain to pretend to dispute him out of it, nor would I go about it. All I desire is that the reader would fully and certainly inform himself whether he has such an idea or no. And this, methinks, can be no hard task for anyone to perform.”

se dela podemos vislumbrar uma imagem qualquer, então ela existe; se não, tal idéia não existe. Como Berkeley supõe que “há razões para acreditar que a maioria dos homens reconhecerá estar na mesma situação” (Intr. P 10)86, conclui-se que é impossível formar uma idéia abstrata.

Não é à toa que muitos comentadores tenham se servido precisamente dessas duas passagens para legitimar suas interpretações a respeito da argumentação de Berkeley contra a teoria da abstração. Wenz, por exemplo, logo após citar essas mesmas seções 10 e 13 da introdução dos Principles, diz:

“Temos em duas seções a soma total da argumentação que Berkeley oferece na Introdução dos Principles em suporte a sua afirmação de que as idéias abstratas são impossíveis. Cabe observar que em cada uma delas sua evidência não passa de um apelo ao que ele e outros homens consideram possível imaginar”87.

Como negar que Berkeley tenha fundamentado sua afirmação de que as idéias abstratas são impossíveis em textos tão explícitos como os que acabam de ser citados? Como negar, conseqüentemente, que a impossibilidade a que se referia era de cunho meramente psicológico? Isso pode ser realizado de maneira bastante contundente mediante o recurso a outros textos de Berkeley que não a introdução dos Principles. Vejamos algumas passagens importantes.

No segundo dos Dialogues, por exemplo, o porta-voz de Berkeley no diálogo, pergunta a seu interlocutor: “Quando se mostra que uma coisa é impossível?”88, recebendo como resposta: “Quando uma repugnância entre as idéias compreendidas em sua definição é demonstrada” (D II, 225/440)89. Esse fragmento deixa claro que impossível, em sentido estrito, é aquilo cuja definição comporta uma contradição, e não aquilo que não pode ser imaginado. Declarar algo como impossível estaria, portanto, muito mais próximo da afirmação de uma impossibilidade lógica do que de uma impossibilidade psicológica.

Em um texto posterior, o A defence of free-thinking in mathematics, de 1734, também podemos encontrar indícios suficientemente convincentes para sustentar que

86 “(…) there is ground to think most men will acknowledge themselves to be in my case.”

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