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P OSSÍVEL M ONASTERIUM DA V ILLA R OMANA DO M ONTE DA C EGONHA (V IDIGUEIRA )

A uilla do Monte da Cegonha, freguesia de Selmes, concelho da Vidigueira, foi intervencionada por Rafael A. E. Alfenim e Maria da Conceição Lopes. Trata-se de uma estrutura edificada em meados do século I d.C., que, na opinião destes autores, passou por quatro fases de desenvolvimento. A primeira corresponde ao início da ocupação da uilla, tratando-se, ao que tudo indica, de uma construção organizada em torno de um peristilo. A segunda corresponde à construção de um novo edifício sobre o anterior, o qual aproveita uma parte das fundações do primeiro (CHAVARÍA ARNAU, 2007: 275). As sucessivas alterações transformaram o edifício original numa uilla de fachada organizada a partir de vários corredores. Supõe-se que seja nesta segunda fase, em finais do século III, ou nos inícios do século IV d.C., que ocorre a instalação de um espaço de culto cristão (oratorium), talvez dotado de um pavimento de madeira. Entre finais do século IV d.C. e finais do século VI algumas zonas do sector residencial da uilla,

fundamentalmente as que já possuíam uma função cultual, foram reutilizadas como espaço funerário. É muito provável que tenha sido neste período que se processaram algumas alterações documentadas na zona residencial, como por exemplo a construção de alguns muros que subdividem algumas salas e silos que perfuram pavimentos. Por fim, a quarta e última fase, ocorreu no último quartel do século VI, altura em que o edifício deixou de ser utilizado como necrópole e é alterado, convertendo-se numa basílica (CHAVARÍA ARNAU, 2007: 275).

Conceição Lopes e Rafael Alfenim definiram para a basilica quatro fases, que definiram desta forma: Fase I: Corresponde ao momento de construção da uilla tardo- romana, no século IV. Nesta fase o edifício de culto deveria ser apenas uma espécie de capela ou oratório do proprietário. Fase II: Provavelmente ainda no século IV e até finais do século VI, regista-se a transformação do espaço em basilica passando a ter também uma função funerária. As sepulturas apresentam-se em conexão com as paredes existentes Fase III: No último quartel do século VI o edifício perdeu a sua serventia funerária, colocou-se um novo pavimento, um novo altar, um baptistério, um relicário e reformou-se o interior. As bases de coluna, colocadas sobre o novo pavimento, encontram-se também sobre as anteriores paredes, que lhes servem agora de fundação. Fase IV: em finais do século VII, ou já no VIII, introduziram-se alterações na planta interior, de forma a conseguir um local de acordo com as novas formas de construir espaços sagrados (LOPES e ALFENIM, 1995: 398 e 399).

Os mesmos autores defenderam ainda que o monumento manteve a mesma estrutura básica, com as suas três naves e a cabeceira recta tripartida, em que a central tem três metros de largura, correspondendo ao dobro do registado nas laterais assentes em fortes alicerces de alvenaria de pedra, desde o século IV, passando por diversas alterações ao longo dos séculos que se seguiram. Os autores justificam a antiguidade do edifício religioso com paralelos para a descoberta de uma tampa de mesa de altar reutilizada na cobertura de uma sepultura, nomeadamente Es Fornás de Torelló, nas Baleares. No entanto, a cronologia deste edifício das baleares, atribuída pelo estudo da cronologia do mosaico e pela concepção tipológica ali existentes, situa-se na segunda metade do século VI (UTRERO AGUDO, 2006: 480). Com base no estudo da estratigrafia arqueológica, foi possível aos autores afirmar que não se registaram enterramentos na primeira fase que estabeleceram, sendo que tal só ocorreu na segunda fase, até finais do século VI (LOPES e ALFENIM, 1995: 398). Foi também no final do

século VI que se colocam nas divisórias das naves, que, conjuntamente com as pilastras a que estavam adossadas, suportavam o arco triunfal. Estas colunas, localizavam-se na zona de separação das naves, uma vez que é inquestionável a existência anterior das fundações que as suportavam e que serviram para delimitar os espaços das sepulturas na fase anterior (LOPES e ALFENIM, 1995: 398. Veja-se ainda a nota 25 na mesma página). É ainda nesta altura que se coloca o baptistério na sacristia sul, numa fase muito tardia do século VI (Idem, ibidem).

. Pelo que apreendemos do que nos é relatado por Conceição Lopes e Rafael Alfenim, nada garante que o edifício de três naves corresponda a uma construção do século IV. Pelo contrário, tudo indica que no século IV existia nesta zona da uilla um oratorium privado que mais tarde, talvez ainda no século V, poderá ter evoluído para a construção de uma basilica, mas não a de três naves e cabeceira tripartida. Esta última poderá ter sido construída a partir de meados do século VI, correspondendo à fase de colocação das sepulturas no seu interior. Ou seja, numa primeira fase existe um oratorium, integrado na própria uilla, que acabará por transformar-se em ecclesia rural. A evolução da construção desta basilica é muito idêntica ao processo evoltivo da igreja construída na Villa Fortunatus (PLANTA 19). Em finais do século VI, ou inícios do século VII, instala-se na uilla do Monte da Cegonha um monasterium, coincidindo com a construção de uma basilica de cabeceira tripartida, com paralelos na Península Ibérica, como por exemplo Es Fornás de Torelló (PLANTA 22), datada de meados do século VI),

Son Fradinet (PLANTA 23), de finais do século VI, primeira metade do século VII), San

Paretó, (PLANTA 24), anterior ao século VI, as câmaras laterais de ambos os lados da

abside poderão datar do século VII. Poderá corresponder ao paralelo mais próximo do Monte da Cegonha), todas elas localizadas nas Ilhas Baleares. Esta tipologia evoluiu depois para norte, observando-se em San Juan Bautista de Baños (PLANTA 25), em

Palência, Castiilla y León (segunda metade do século VII), e ainda nas Astúrias, mais exactamente em Santa Maria de Bandones, Oviedo (PLANTA 26 reinado de Afonso II,

792-842), San Pedro de Nora (PLANTA 27reinado de Afonso II, 792-842, ou reinado de

Afonso III, 866-910), San Salvador de Priesca (PLANTA 28, 921, cronologia de uma

inscrição fundacional) e Santullano (ou San Julián de los Prados, PLANTA 29, reinado

de Afonso II, 792-842).

A cobertura de sepulturas com um pavimento, fundamentalmente em opus signinum é comum ao registado nas basilicae do Rossio do Carmo e do Cineteatro

Marques Duque, ambas em Mértola, em contextos do século VI, por exemplo. Tudo indica que o mesmo ocorreu na basílica de Foxem (Nossa Senhora d’Aires, Viana do Alentejo).

A caixa-relicário deverá datar deste último momento, com a consagração de uma nova basilica integrada num contexto monástico. A consagração de igrejas com relíquias de santos mártires é muito comum a partir de finais do século VI e encontra paralelos neste território em São João dos Azinhais e, muito provavelmente, em São Cucufate, devendo ainda ter-se em consideração que neste período histórico todas as igrejas consagradas deveriam relíquias dos santos a quem eram consagradas.

O início dos enterramentos no interior do edifício religioso deverá corresponder a uma alteração dos padrões de ocupação. Em ambiente cristão, com excepção dos monasteria, eram raros os enterramentos em zonas habitadas. Normalmente, enterrava- se em torno de basilicae. Mesmo nas cidades, não eram muito comuns, embora pudesse ocorrer, os sepultamentos em torno das basilicae situadas intramuros. Normalmente, como se pode observar em Mértola, construíram-se basilicae e grandes mausoléus extramuros (basilica do Rossio do Carmo, basilica do cineteatro Marques Duque e Mausoléu identificado em frente ao posto da GNR), em torno das quais têm vindo a ser descobertas as necrópoles da Antiguidade Tardia da antiga Myrtilis. Mesmo em São Cucufate, como já observámos, os enterramentos de época tardia foram feitos em torno do mausoléu, fora da zona habitada do monasterium.

A subdivisão das salas e a construção de silos demonstram que o sítio não foi abandonado. Desta forma, podemos pressupor que a subdivisão corresponde à construção de celas para os monges (ou monjas) e a construção de silos no interior das antigas uillae (ou dos monasteria) é habitual nesta fase mais tardia da antiguidade. A própria identificação dos silos pressupõe a existência de excedentes alimentares que implicassem a sua conservação para posterior abastecimento dos habitantes. Isto significa que continuava a existir uma exploração agrícola no espaço rural situado em torno do possível monasterium. Um estudo pormenorizado às terras recolhidas no interior dos silos pode ajudar a clarificar que tipos de produtos eram ali preservados.

A posterior construção de um novo edifício de culto deverá corresponder a novas necessidades, resultantes da evolução do próprio monasterium ou a uma aplicação de novos cânones, que a partir de finais do século VI proíbem o enterramento

no interior das igrejas. Esta tipologia arquitectónica difundiu-se posteriormente, com algumas nuances, no reino das Astúrias a partir de meados do século IX, parecendo esta difusão estar intimamente ligada à fuga de comunidades moçárabes para o norte peninsular, após as fortes perseguições efectuadas pelos Emires Al-Hakam I (796-822); Abd ar-Rahmãn II (822-852) e Muhammad I (852-886) (MILLET-GÉRARD: 1984). Nesse sentido, poderá propor-se, à luz dos conhecimentos que temos hoje, que estas comunidades “transportaram” consigo os modelos que viriam a adoptar nas zonas para onde emigraram.

LOCAIS TRADICIONALMENTE CONSIDERADOS MOSTEIROS NO DECORRER DA