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Simbolicamente, pode-se assinalar o ano de 1903 como marco do início do ciclo do estanho, momento em que sua produção superou a de prata48. Aos poucos, o minério foi crescendo em participação no total do comércio externo do país: de 1900 a 1909, representava 40%; de 1910 a 1919, 60%; de 1920 a 1939, 72%; de 1940 a 1949, 75% (Andrade, 2007:27).

A produção de estanho foi dominada pela chamada “rosca”, o grupo de empresários que concentrava a exportação de estanho49. Patiño, Hochschild e Aramayo eram as famílias

47 Em maio de 2006, após a nacionalização das reservas de hidrocarbonetos, o então presidente Evo Morales

afirmou: “Lamento muito que o Acre foi comprado em troca de um cavalo". Provavelmente trata-se de uma notável confusão feita pelo presidente boliviano a partir de um episódio real. Dois cavalos brancos foram dados de presente à Bolívia como símbolo da amizade entre os povos, para além de tudo que o Brasil pagou às partes envolvidas no litígio.

48 Neste ano, a produção de estanho atinge o valor de 938 mil libras esterlinas, enquanto a de prata chega apenas

a 818 mil (Cardoso & Brignoli, 1984:181).

49 Segundo Câmara (2007:78), o apelido “rosca” deve-se a que a estrutura girava em torno de si mesma, com

que controlavam 74% da exportação de estanho (Câmara, 2007:78). Dados seu peso político- econômico e sua influência na máquina governamental, pode-se caracterizar esse período do Estado boliviano, usualmente designado como “era oligárquica” como, de fato, do predomínio de uma economia de enclave. Com a descoberta do estanho, a necessidade de assegurar o controle sobre a mão-de-obra indígena criou um pacto intra-oligárquico, e temporariamente foram esquecidas as antigas divisões entre as elites de Sucre e La Paz.

Simon Iturri Patiño nasceu em Cochabamba. Seu envolvimento com a exploração de estanho data do fim do século XIX, quando a mineração se dava por métodos rudimentares. Ele trabalhava como balconista na Casa Frick, loja que vendia dinamites e suprimentos para os mineiros. Realizou um contrato de exploração com seu patrão; em troca do financiamento, Patiño compartilharia o estanho encontrado por um ano: encontrou a maior mina da Bolívia. Com o passar do tempo, encontrou outras minas e ampliou sua atividade, formando uma empresa mineradora (Chiavenato, 1979:39-40).

A empresa modernizou-se progressivamente, passando a empregar técnicas extrativas mais modernas, o que lhe deu crescente participação no setor. Em 1910, dominava 10% do mercado mundial de estanho (Beyhaut & Beyhaut, 1995:182). O empreendimento cresceu, e Patiño adquiriu empresas rivais. Em torno da extração do minério, gradativamente surgiam centros populacionais.

Apesar da alta lucratividade do setor privado, os ganhos fiscais para o Estado boliviano eram mínimos. Em 1924, Patiño constituiu a Patino Mines and Enterprises

Consolidated Inc., sediada em Delaware. Ao tornar a empresa norte-americana, o chamado “Rei do Estanho” diminuiu a carga de impostos e dificultou a fiscalização, já precária, do Estado boliviano.

A carga tributária era bastante reduzida (em média de 3 a 5% do valor exportado, atingindo o máximo de 13%) (Andrade, 2007:27). Com baixa receita, o governo mantinha constantes déficits e necessitou sustentar-se por meio de empréstimos externos. Para dar uma medida da importância do enclave do estanho, note-se que apenas a fortuna de Patiño era avaliada em 50 milhões de pesos (1925), enquanto a renda nacional da Bolívia (atual PIB), no mesmo ano, foi de 55 milhões de pesos. Em 1925, Patiño realizou empréstimo à Bolívia no valor de 600 mil libras esterlinas. Cobrou alta taxa de juros, ainda que o recurso tenha sido que os contemporâneos, ainda que não usassem o termo enclave, tinham clara percepção acerca de sua lógica de funcionamento.

empregado na construção de uma ferrovia que facilitou o escoamento da produção de estanho, favorecendo seu próprio negócio (Chiavenato, 1979:40-42).

O envio de estanho ao Pacífico no início era feito por meio de mulas. Até o fim do século XIX, o uso de mulas era o principal meio de transporte e ligação da Bolívia com o mundo, o que tornava o custo de produção extremamente elevado. Poucos produtos – como a prata e o estanho – eram rentáveis50. Com o desenvolvimento da empresa, o transporte do

minério passou a ser realizado por ferrovias. A Patino Mines gradualmente empregou mais trabalhadores51. Chegou a controlar a exploração de minas na Ásia Oriental e de fundições de estanho na Alemanha e na Inglaterra (Beyhaut & Beyhaut, 1995:182). Simon Patiño tornou-se um dos homens mais ricos do mundo.

Na Bolívia, o Grupo Patiño dividia o mercado com outras duas empresas. Ao longo da década de 1930, a porcentagem do mercado de estanho, embora oscilante, era mais ou menos a seguinte: Patino Mines, 62%; Grupo Hothschild, 26%; e Compañia Aramayo, 10% (Andrade, 2007:27).

A Compañia Aramayo de Minas, fundada por Avelino Aramayo, foi pioneira na extração de bismuto52, do qual chegou a ter monopólio mundial. A empresa, no entanto, também explorava estanho. Constitui-se em 1911 a Aramayo, Francke & Co. Ltd., inicialmente, de capital boliviano. Em pouco tempo, a empresa dissolveu-se; formou-se, em seu lugar, a Compañia Aramayo de Minas de Bolívia, sociedade anônima registrada na Suíça.

O terceiro barão do estanho foi o alemão Moritz Hochschild. Conhecido como Don

Mauricio, fundou a companhia Hochschild Mining, sediada em Londres. Esta empresa, juntamente com sua participação em outras mineradoras, lhe garantia parcela significativa do mercado. O grupo Hochschild teve seu auge nos anos 1930, entrando, posteriormente, em decadência.

50

Chiavenato (1979:42) lembra que a produção de Patiño era a mais cara e antieconômica do mundo, visto que utilizava trabalho semi-escravo e pouca tecnologia.

51 Em 1935, havia 4.500 empregados; em 1942, 6600; em 1946, 8000 (Beyhaut & Beyhaut, 1995:182).

52 Bismuto é um metal pesado. Durante muito tempo, foi confundido com estanho e chumbo devido à

semelhança com os dois elementos. Além das aplicações próprias daqueles (soldas e ligas metálicas), devido a seu baixo ponto de fusão, é o material com condutividade térmica mais baixa entre todos os elementos, exceto o mercúrio (que, abaixo de zero, revela propriedade supercondutoras). Na época, era utilizado para produção de ferros maleáveis e soldas, freqüentemente em ligas com estanho e chumbo. Mais tarde, passou a ser utilizado extensivamente na indústria de cosméticos, na medicina, e em reatores nucleares como suporte para o combustível de urânio (U-235 e U-233). A partir da década de 90, sua utilização foi valorizada em relação ao chumbo, por seu caráter não tóxico (é o único metal pesado não-tóxico). Atualmente, é empregado em ligas com elementos não-metálicos para produção de cerâmicas, esmaltes, equipamento de processamento de alimentos e encanamento.

Embora o poder econômico da rosca tenha sido uma constante, as condições dos mineiros permaneceram péssimas, ocorrendo greves e protestos, em um movimento que culminaria na Revolução de 1952.

Este capítulo procurou relacionar a logística nacional, a guerra e os meios de pagamento. A precária logística boliviana, entendida como indústria e infra-estrutura deficitárias ou ausentes, impediu que os meios de produção – através de mecanismos de aduana e tributação – se convertessem em meios de coerção, exércitos e esquadras.

Pensando nos termos de Tilly (1996), a competição inter-estatal não redundou “na construção de uma infra-estrutura social, no provimento de serviços, na regulamentação da atividade econômica, no controle dos movimentos populacionais e na capacitação do bem- estar dos cidadãos” (Tilly, 1996:81). Desafiada pela guerra, a Bolívia perdeu o controle dos territórios que abrigavam os enclaves. Perdeu o acesso ao mar (Pacífico) e ao Atlântico, pelo Rio Amazonas. Sem território, como o salitre e a borracha, ficou ainda mais crítico estabelecer mecanismos de tributação para organizar os meios de pagamento e construir a economia nacional. A Bolívia, sucessivamente, perdeu territórios (pólos dinâmicos) e mercados. Sem mercado, não pode estabelecer os mecanismo de tributação que reforçariam a capacidade de defesa e o fortaleceriam na competição inter-estatal. Esta lógica tornou-se evidente mais uma vez, na grande guerra nacional da Bolívia: o Chaco.

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