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4.1 – Revolução Nacional e Desenvolvimento

Vivemos nas sociedades das redes onde a tecnologia e até mesmo dinheiro flui por meio das tecnologias de informação e comunicação. Contudo, já havia redes no século XVI, quando teve início a história do Continente Americano. Já então, as redes de comércio de longa distância vertebravam o fluxo de mercadorias e a gestão das altas finanças mundiais (Arrighi, 1996). Ainda que as redes sejam decisivas para a condição de hegêmona das altas finanças, para efeitos de desenvolvimento, o território importa.

As Guerras do Pacífico, do Acre e do Chaco demonstram a importância do território a partir da interconexão entre os pólos dinâmicos e o processo de verticalização. Estas questões colocaram em evidência que o território que consegue abarcar um número maior de pólos dinâmicos, a despeito de sua conexão preferencial com o exterior (centro transnacional), obtém um “transbordo” (spillover) materializado em ganhos de tributação. Estes ganhos em impostos dotam o Estado de condições para, mesmo em benefício deste centro transnacional, operar iniciativas de infra-estrutura que acabam por conectar os diversos pontos do território

entre si. Isto equivale ao surgimento da logística nacional e é o primeiro passo para a constituição do centro de decisão econômica (industrialização).

De fato, no Brasil, a crise do Estado oligárquico deu origem ao Estado Nacional, pela incapacidade do primeiro e capacidade do segundo em promover a verticalização. Ademais, o Estado nacional foi capaz de mobilizar os meios de pagamento para desenvolver a infra- estrutura de transportes interna, incapaz de atrair investimentos estrangeiros. Graças a esta mobilização, foi possível absorver os produtos dos pólos dinâmicos que não eram absorvidos pelo mercado externo. Tem-se então que a logística de transportes dá origem à própria economia nacional; isso posto, então se pode inclusive realizar a industrialização daqueles produtos que não tinham mais lugar na economia-mundo, mas que serviam para abastecer o mercado interno.

Deste processo de industrialização leve é que surgiram os meios de pagamento capazes de, conjugados com a parceria estratégica com os Estados Unidos, investir na siderurgia (Volta Redonda) entronizando, deste modo, o centro de decisão econômica do aço. Mesmo nesta perspectiva dependente/associada foi possível o surgimento do Estado nacional e da produção industrial. A conjugação da infra-estrutura de transportes e comunicações com a capacidade produtiva gerou a demanda por energia, a qual, no Brasil, redundou na criação da Petrobrás e, posteriormente, na Eletrobrás. Fechou-se deste modo o triângulo da logística nacional (transporte, produção e energia).

Contudo, observou-se que o mesmo não ocorreu na Bolívia. E aqui o problema da territorialidade do espaço deu lugar ao da guerra. A Bolívia perdeu, sucessivamente, seus centros dinâmicos e mesmo sua ligação com o mundo exterior. Com a Guerra do Pacífico perdeu o salitre; com a Guerra do Acre, a borracha; por fim, com a Guerra do Chaco, o quebracho. Igualmente, foram perdidos a saída para o Pacífico, para o Atlântico através da Amazônia e, por fim, o acesso pelo Rio Paraguai.

Foi do trauma produzido pela Guerra do Chaco que se empreendeu a Revolução Nacional. Realizada por forças e atores políticos sui generis. Observou-se a improvável aliança entre ex-fascistas, agrupados no MNR e os trotskistas do POR199. A Revolução Nacional não veio de uma ruptura do pacto oligárquico. De fato, ao que parece, este não chegou a efetivar-se, foi apenas ensaiado por Ernando Siles (silismo). A revolução não partiu de um setor da oligarquia que “perdeu” a competitividade internacional e precisou da

199 Naquele momento, as resoluções do 9º Congresso do POR, de 24 a 29 de setembro de 1952, optaram por

apoiar o MNR nas eleições de 1952 (Andrade, 2007:92). Esta aliança tornou possível, posteriormente, o co-

verticalização, mas partiu dos outsiders, dos extremos do espectro político. Como tal, as marchas e contra marchas do processo político boliviano são confronto entre as elites tradicionais e as classes médias que procuram conduzir operários e camponeses (sobretudo indígenas)200. Assim a Revolução nacional ficou em compasso de espera, arrastou-se ao sabor da competição entre a emergência de novas elites políticas e a força inexorável do patrimônio. O próprio ciclo militar boliviano serve como palco destes conflitos. Apenas com a consolidação do movimento social é que há um emponderamento, que havia sido iniciado com os Jovens Nacionalistas, o MNR e o POR, das elites políticas oriundas da classe média. Estas passam a ter na distribuição de direitos e, portanto, na realização de reformas viáveis quesito para a sua própria sobrevivência política. Desde então, até os dias de hoje, as metas mais gerais de cada partido não importam; importam os elementos de unidade na ação, os pactos mudos ou explícitos, de todo modo capazes de realizarem reformas sustentáveis.

O peso da objetividade, diferentemente do Brasil, sempre se erigiu contra a Revolução Boliviana. No Brasil, a Revolução Nacional – mesmo após o levante contra-revolucionário de 1932 – arrastou atrás de si, pela força da intervenção econômica do Estado, as classes proprietárias conservadoras.

Na Bolívia, a inexistência de uma logística nacional dificultou, se não impossibilitou, o processo de verticalização. Fracassados os mecanismos da aduana e dos tributos, restava apenas a utilização da economia de defesa como recurso para ativar o processo produtivo nacional. As lições da Guerra do Chaco ilustraram sobejamente, de modo muito vivo para milhões de bolivianos, a importância da produção própria de armas e munições. Contudo, a forma como a guerra foi encerrada deixou nas massas a sensação de logro. O envolvimento de comandantes do Chaco no massacre de mineiros, como Enrique Peñaranda, serviu para reavivar os ressentimentos daqueles perpetrados antes contra os indígenas camponeses.

Após a Guerra, o enclave tornou-se o principal credor do Estado e, a despeito da energia revolucionária, da inconformidade, os controles do patrimônio revelaram-se mais eficientes para conter a revolução. O reflexo mais óbvio é de que a Bolívia até os dias de hoje, se reconhece enquanto Estado, mas não como nação – afirma-se como Estado Unitario Social

de Derecho Plurinacional Comunitario. A conjugação destes fatores impediu a criação de um

200

A Bolívia historicamente mostrou-se marcada por violência social, subdesenvolvimento econômico e instabilidade política. Durante o século XX, teve a média de um presidente a cada dois anos. Segundo Hofmeister (2004:273), são mais de 200 golpes e trocas de governo com uso da força. A cientista política norte- americana Donna Lee Van Cott registra mais de 190 tentativas de golpe desde a independência (Van Cott, 2000:331). Houve intervenções militares especialmente durante a segunda metade do século XX. De 1952 a 1982, por exemplo, houve 20 governos, apenas seis constitucionais (Santoro, 2007:32). Para Guimarães & Domingues & Maneiro (2005:11), “A história da Bolívia independente evidencia uma instabilidade quase sem paralelo internacionalmente. A república conheceu mais golpes militares que aniversários em sua existência”.

centro de decisão econômica, da capacidade da sociedade boliviana decidir sobre seu próprio destino.

Ademais, a dramaticidade de que se cercou a revolução nacional fez com que se multiplicassem os seus efeitos deletérios. O separatismo permaneceu como força viva, altiva e desafiante da capacidade estatal201. A reação dos subalternos tem sido a de responder ao separatismo das elites com a nostalgia romântica de refazer a comunidade indígena primitiva baseada nos ayllus. De fato, não se conformam à realidade de que essas comunidades há muito ingressaram na economia mundo. Foram despedaçadas pelas balas do exército ou massacradas sobre o peso do trabalho nas minas. É claro que se trata de uma utopia. De todo modo, importa entender que a Bolívia procura traçar um caminho de desenvolvimento baseado na dignidade e na solidariedade o que, em qualquer hipótese, merece respeito.

O fracasso da Revolução Nacional no sistema nucleado pelo Estado nacional não significa o fim da história na Bolívia. Paradoxalmente a economia mundo que sempre oprimiu os bolivianos desde os tempos da prata ao estanho, petróleo, ferro, passando pelo salitre, quebracho e a borracha, veio em socorro dos bolivianos. A globalização inaugurou um novo tipo de arranjo de soberania formado inicialmente a partir dos blocos econômicos que progressivamente estruturam-se enquanto processo de integração regional. A transferência voluntária e consentida de uma soberania, já precária, para entidades supranacionais, recoloca nos trilhos a revolução boliviana e suas promessas não cumpridas de cidadania e soberania.

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