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CAPÍTULO 2 “LEVANDO COM A BARRIGA”: GESTAÇÃO E PRÉ-NATAL

3.11 Pós-parto/puerpério

Dificuldades com a amamentação, cansaço, poucas horas de sono, complicações decorrentes da cirurgia cesariana, relacionamentos difíceis com a família e ausência de informações sobre as mudanças físicas e emocionais foram os principais elementos ressaltados pelas informantes para descrever o pós-parto/puerpério. Outrossim, todas ressaltaram a necessidade de maior preparação e planejamento para esse momento, muitas vezes relegado pela prioridade destinada ao pré-natal e ao parto.

Cabe ressaltar que ser mãe é historicamente visto como um dos principais papéis sociais das mulheres, havendo uma “[...] expectativa de que a maternidade seja vivida como um acontecimento feliz, envolvido com uma aura de alegria e sentimentos de plenitude” (CASTRO, 2010, p. 247). No entanto, é comum e fundamental visibilizar que as mulheres manifestem medo, tristeza, insegurança, além de sentimentos ambíguos em relação ao bebê, demandando um trabalho psíquico para enfrentar todas as mudanças físicas e psíquicas do período do pós-parto (CASTRO, 2010).

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Para Clarice, o pós-parto do seu terceiro filho foi o mais tranquilo. Tal percepção se deu a partir da comparação ao pós-parto traumático de sua primeira filha, quando sofreu negligência e maus-tratos de profissionais do Hospital da Ceilândia:

Clarice: Porque na minha primeira filha, me mandaram ir embora com infecção hospitalar já. Fui embora.... Eu era muito.... Eu tinha 18 anos, então eu não tinha tanto entendimento. Eu fui embora e, em três dias, eu voltei pro hospital já muito ruim. O médico, ao invés de colher exames e essas coisas, ele apertou minha cirurgia.... Isso pra mim foi o cúmulo...

Kauara: Como foi isso?

Clarice: Ele apertou minha cirurgia pra ver se tava infeccionada. [...] Apertou minha barriga. Então, o Hospital de Ceilândia, pra mim, eu nunca mais pisei lá porque eu fiquei traumatizada com aquele lugar. Então assim, eu tentei em vários hospitais, mas nenhum queria me aceitar porque eu tinha sido operada pelo pessoal do Hospital de Ceilândia. Então, assim, os outros hospitais não pegam problemas de outro, né? Acabei tendo que ficar lá, então lá pra mim foi horrível nesse sentido... Porque eu me senti muito maltratada lá.... Porque a gente já chega sentindo dor... […] Eu tava com infecção. Teve que abrir novamente a cirurgia. Eu fiquei um mês internada com a minha cirurgia aberta fazendo curativo todo dia. Então eu sentia dores absurdas. [...]. Fui poder fechar a cirurgia depois de um mês. Então eu sofri horrores.

Deixaram-na isolada e sua filha recém-nascida ficou no hospital, mas com a acompanhante. Depois dessa experiência, nunca mais voltou ao estabelecimento:

Clarice: Eu criei trauma daquele lugar.... Eu não vou e não tenho coragem de levar nenhum dos meus filhos lá. Aquele hospital ali, pra mim, só se for em último caso. Porque lá, enfim, tem muitos profissionais que são mal-educados. Tanto que a gente vê nas reportagens do dia a dia.... Então lá é um hospital que eu já não frequento mais de jeito nenhum.

Após a cesárea, Simone não conseguiu amamentar, o leite “não descia”. Por indicação das técnicas de enfermagem do hospital, começou a dar complemento alimentar para o bebê e, por isto, ficou internada por quatro dias, até conseguir amamentá-lo. Segundo ela, essa é condição do hospital para autorizar a saída da mãe e do bebê.

Durante esse período, dividiu o quarto do pós-parto com três mulheres, todas classificadas por ela como negras. Segundo ela, criou um vínculo com essas mulheres, o que foi muito importante para amenizar as dores do pós-operatório e o fato de não estar em sua casa. Além disso, relatou seu incômodo e constrangimento em relação aos reiterados exames realizados por residentes nas suas mamas:

Simone: O que tinha muito era exame na mama pra ver se tava dando leite, durante já o pós, já tava na sala com o neném, toda hora vinha um residente fazer pra ver se tava dando leite, se tava no “colostro61”, se já tava no leite. Toda hora. Kauara: E como era isso pra você?

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Simone: Ah, isso incomoda um pouco. Você ta naquele momento, no pós- operatório, e toda hora vir um residente, principalmente quando é homem. Kauara: E lá era muito homem?

Simone: Mais homens. Então, têm momentos que é um pouco constrangedor, toda hora, toda hora...

Após o parto normal, Joana teve uma anemia intensa, razão pela qual ficou internada durante quatro dias no hospital público que pariu (HMIB). Sua filha desenvolveu icterícia e também ficou internada. Ela relata que foi um período bem difícil. Dividiu quarto com três mulheres e se deparou com instalações precárias:

Joana: Eram quatro mulheres em uma sala pequenininha. E assim tava cheio de muriçoca o banheiro. O banheiro tava sem luz, era limpo esporadicamente. A sala de banho tava quebrada, não tinha água. Minha filha e todos os outros nenéns ficaram quatro dias sem tomar banho.

Assim como Simone, Joana também apontou tratamentos grosseiros por parte de profissionais de saúde, especialmente em relação às dificuldades com a amamentação:

Joana: Não gostei dos pediatras de lá, expulsavam todos os acompanhantes. Tinha enfermeira que saía tirando nossa roupa, pegando nosso bebê, despindo nosso bebê, que começava a chorar porque assustava. E fazia aqueles negócios, aqueles exames, puxando o olho, aquelas coisas... [...]. Chegavam enfermeiras diferentes, profissionais apertando seu peito pra ver se saía leite. Chegaram três enfermeiras seguidas, tudo apertando e dói porque no começo ele vem empedrado e dói porque a pedrinha machuca. Empurrou a cabeça da minha filha pra ver se tava pegando certo no peito. Ai, chegou uma hora que a mulher assim, pegou ela e empurrando minha cabeça e eu “Não, me solta, me solta”. Quase mandei ela embora, e ela “tô aqui pra te ajudar”, “não, não, não quero. Tô bem”. Ela ficava assim (empurrando) o tempo todo. Quando você tá dentro do hospital, pra entrar já não é muito fácil com esse sistema nosso aqui, pra sair então, pior ainda. Porque não tem essa história de eu não quero, eu quero, vai fazer tudo que eles mandarem.. Foi a parte mais tensa... aí, também, as outras mães já tavam muito tensas.

Em sua avaliação, Joana acredita que o pós-parto é a fase mais difícil e depende diretamente de como a mulher se preparou ao longo da gestação:

Joana: Que o pós-parto é muito mais difícil que a gravidez, muito mais, não tem comparação. E assim, e nossa é sério, dá muita diferença do jeito que você se prepara durante a gestação para o parto.