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IV CAPÍTULO

5.1 Pacificando a conquista

Considerando a complexidade que envolve o descobrimento da América, mais importância se confere ao pensamento de Vitoria, em seus vinte

369 Luigi Ferrajoli. Op. cit., p. 9.

370 Michel Villey. Formação do Pensamento Jurídico Moderno, pp. 385-386. 371 Ibid., p. 386.

372 Ignacio Gomes Robledo. El origen Del Poder Político según Francisco Suárez, pp. 61-62. 373 Vicente Beltrán de Heredia. Los Orígens de la Universidad de Salamanca, p. 103.

anos de docência universitária, somado ao de seus seguidores, importantes humanistas, quanto à formação do direito internacional, a partir da Universidade de Salamanca, posicionando-se cada um deles, doutrinariamente com independência e rara capacidade de argumentação jurídica, especialmente, quanto ao tema da conquista.

Considere-se, neste complexo terreno da conquista dos territórios americanos, um fato importantíssimo que foi a consciência de superioridade do europeu frente aos aborígines. Os europeus ignoraram qualquer possibilidade de conservar ou assimilar culturas autoctenes mesmo que estas já contassem com milênios de existência. Ao contrário, os índios é que foram impelidos a adaptar-se a uma cultura multiforme trazida diretamente da Europa para dentro de suas vidas. Tal processo foi tão desestruturante para estas culturas que mesmo após a fase da conquista elas não conseguiram recobrar a plenitude de seus costumes e tradições.

Destaque-se que a Bula Inter coetera – por la que se reconoce el hecho del

decobrimiento de unos territorios desconocidos habitados por infieles – conforme

Molinero, pretende apenas delimitar as respectivas áreas de atividade evangelizadora e dirimir as disputas entre espanhóis e portugueses, porém os espanhóis a interpretam como uma atribuição solene de soberania sobre os territórios recém-descobertos374 (lo testificaria nada menos que el codicilo del

testamento de la reina Isabel de Castilla de 1504). Deste modo, a partir de 1496,

se considera implantada a soberania em toda a ilha Española e aí se constrói a nova capital, a cidade de Santo Domingo.375

Santillán esclarece que, ao ser descoberto o novo mundo, a Espanha improvisa um sistema de governo e administração dos novos domínios,

374 Joseph Höffner. Colonialismo e Evangelho: Ética do colonialismo espanhol no século de ouro, pp. 200- 201. “a Bula Inter Coetera de 4 de maio de 1493, foi interpretada erroneamente como uma Bula de doação, deslocando-se, assim, do âmbito do direito público para o âmbito do direito privado. (...) As palavras:’donamus, concedimus et assignamus’não denotam doação, mas exprimem meramente a transmissão do feudo, de acordo com o costume vigente, transmissão à qual cabia apenas um significado

formal, pois se tratava praticamente de um reconhecimento em nível internacional, pelo Papa, na qualidade

de chefe supremo da cristandade, na posse de territórios já de fato ocupados”.

375 Marcelino Rodriguez Molinero. La Doctrina Colonial de Francisco de Vitoria o el Derecho de la Paz e de la Guerra, p. 29.

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nomeando funcionários para postos similares aos que havia em Castilla.376 Na

Capitulación de Colombo com os reis de Espanha, lhe é outorgado o título de

almirante e adelantado, o que significa dizer que deve expandir os domínios de

Castilla e garantir a preservação das novas fronteiras do reino a qualquer custo.

Os adelantados foram os primeiros altos funcionários do governo da América, na própria América, e desaparecem quando se dá por terminada a conquista e se inicia o processo de colonização propriamente dito.377

Em virtude da falta de recursos para tocar o empreendimento, os reis atribuem a outras pessoas a dispendiosa tarefa da sua implementação e efetivação, mediante concessões e compromissos enumerados nas

Capitulaciones - assim se denominam, porque os documentos se dividem em

capítulos. Aquelas que se destinam à conquista da América contêm a licença ou permissão para dar seqüência à ocupação do território, além dos deveres do titular da mesma, tais como: organização da expedição, fundação de cidades entre outros requisitos, e, por fim, os benefícios que se obtêm em troca. Os benefícios consistem em títulos nobiliárquicos, terras, honras, parte da riqueza obtida etc.378

Os adelantados custeiam os gastos das expedições e estão obrigados a fundar um certo número de cidades e fortalezas, têm poder para instituir o primeiro cabildo, repartir as terras e índios em encomiendas e ditar ordenanzas de

gobierno. A missão dos primeiros adelantados se subsume na imensa tarefa de

construção de um Império espanhol no Novo Mundo. Facilmente é possível identificar-se, mediante as evidências que se apresentam, que a grande aventura da conquista se desenvolve no âmago da dicotomia público-privada.

Bruit resume, basicamente, a problemática da conquista ao confronto entre dois princípios que marcam, de forma indelével, o processo de dominação das Índias:

376 Diego Abade de Santillan. Historia institucional argentina, p. 39. 377 Ibid., mesma página.

“(...) o princípio do Estado legalista e burocrático contra o princípio do senhorio patrimonial, derivado do caráter privado da conquista. No nível da repartição dos índios, o antagonismo traduziu- se em uma apropriação estatal do trabalho indígena, que o rei podia ceder provisoriamente como uma regalia, ou uma apropriação privada, ou serviço senhorial. (...) O desenvolvimento do senhorio constitui um dos fenômenos mais significativos do século XVI americano. E o Estado hispânico teve de esforçar-se ao máximo para limitar seus efeitos numa região que reunia todas as condições para o seu florescimento, isto é, abundância de mão-de-obra, o individualismo dos conquistadores, o caráter privado das empresas de conquista, a cobiça pelo ouro e a própria legislação que regulou as relações entre o Estado e seus súditos americanos e que oscilou de acordo com as condições e circunstâncias que foram aparecendo”.379