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IV CAPÍTULO

5.2 Plus Ultra: Más allá – A expansão do Império

A divisa Plus Ultra foi pensada para Carlos V pelo humanista milanês Luigi Marliano. O significado deste lema, que se encontrava nas colunas de Hércules como Non Plus Ultra – pois alí se localizava a última fronteira – passa a figurar no escudo de armas da Espanha como um convite a abrir fronteiras, com um significado totalmente contrário a qualquer gênero de provincianismo ou nacionalismo.380

O que se sabe é que Carlos V quando recebe, em 6 de julho de 1519, o anúncio de sua eleição como Imperador do Sacro Império Romano Germânico, considerado herdeiro dessa forma política pagã que aglutinava a antiga Romania, declara, em seu primeiro discurso, que ele não era apenas um Rei “como os demais”. Seguidamente demonstra que ahora vino el Imperio a buscar el

Emperador a España, y nuestro Rey de España es hecho, por la gracia de Dios, Rey de romanos y Emperador del mundo.381

379 Héctor Hernan Bruit. Bartalomé de Las Casas e a Simulação dos Vencidos, pp. 21-22. 380 Enrique Gonzalez. El Renacimiento del Iluminismo, p. 53.

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É fato que os humanistas europeus, aliquo modo, sentem, naquele momento, uma grande admiração pelo Imperador renascentista Carlos V; esperam que ele finalmente possa realizar uma comunidade de todo o orbe, uma nova Pax Romana.382 Especialmente Erasmo dirige-se, algumas vezes, ao

Imperador Carlos V e deseja que Deus lhe conceda sabedoria para conduzir cada

vez melhor o seu governo, há registros de que se desenvolve entre eles uma

simpatia mútua.

A Universitas Christiana não foi inventada por Carlos V, antes se trata de uma noção amadurecida e antiga, rica em conteúdo moral, estranha por completo ao pensamento atual. O imperador era concebido como uma pessoa única, um supremo hierarca temporal do mundo cristão do ocidente sob a nítida influência do pensamento de Santo Agostinho, sobretudo em Cidade de Deus, quando havia surgido a idéia de um Sacrum Imperium, como continuação do Império Romano.383

A grande questão que se apresenta é, propriamente, quanto à “autoridade universal do Imperador” sobre os territórios recém-descobertos e seus autóctones. Neste sentido, a resposta de Vitoria é de que a primeira coisa a ser convalidada é o próprio fundamento desta mesma autoridade. Por direito natural, não se justifica tal autoridade tendo em vista que o homem é livre por natureza. Procede por direito divino? Não, tampouco, já que as palavras de Jesus são de que o seu reino não é desse mundo. Teria sido autorizado por direito humano? Em tal caso, diz Vitoria, justifique-se o Imperador quanto à outorga deste direito.384

Assim como Vitoria, Vasquez de Menchaca se lança com reconhecida capacidade dialética, frente a poderosos apologistas, em busca dos fundamentos da idéia imperial: Quais são as suas idéias constrututivas?

382 Enrique Gonzalez. El Renacimiento del Iluminismo, p. 55. 383 Ibid., p. 56.

Aportam-se várias e possíveis respostas, das quais a que parece mais próxima daquilo que se consegue apreender até o momento é a de que se trata de uma tendência de transposição entre dois mundos:

“(...) um que nasce e outro que declina; ânsia de acoplar em um conjunto harmônico o que à primeira vista parece inadaptável, a saber, a concepção jurídico-romana de Imperium dos juristas e o perfil aristotélico-tomista de Estado enquanto unidade autárquica, que não exclui, antes bem admite, a coexistência de uma pluralidade de Estados, cada um dos quais é uma comunidade ‘perfecta et per se sufficiens’”. 385

Para Menchaca, o mundo sem Imperador seria um campo de luta sem fim; o monarca universal é necessário à tranqüilidade do mundo.386 A realização da idéia imperial está diretamente vinculada à idéia de virtude e de justiça. Portanto, a sedimentação do Império representa para a Espanha a possibilidade de obtenção da pax perennis.

Robert Blakey descreve muito bem o desenvolvimento de uma teoria política importante na Espanha do século XVI, a partir da escola neoclássica, em resposta ao grande desafio do Império:

“Não houve país na Europa em que a política, considerada como ciência, tenha sofrido uma investigação e um cuidado mais geral do que na Espanha... Encontramos nela muitos tratados elaborados sobre princípios abstratos de governo, que revelam liberdade de pesquisa e um grau de talento e sabedoria que engrandecem um país e, em nenhuma parte, a especulação humana tem se manifestado com mais habilidade lógica, e com maior capacidade em unir e aplicar os princípios gerais que nos trabalhos científicos dos espanhóis sobre política e jurisprudência... O descobrimento do continente americano exigiu novos princípios de ciência administrativa e direito territorial. Encontramos, tanto na Espanha quanto em Portugal, vários trabalhos sobre assuntos coloniais, que abarcam todo o relacionamento com

385 Camilo Barcia Trelles. Vasquez de Menchaca – Sus teorias internacionales: 1512-1569, p. 35. 386 Ibid., p. 51.

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a administração civil e militar dos recém- criados governos do Oeste, e todos aqueles princípios gerais de política que as Metrópoles entendiam que era vantajoso estabelecer em seus territórios coloniais”.387

A propósito da expansão colonial e da idéia de formação do “Império”, experiência semelhante vivida em Portugal e citado acima por Robert Blakey, Miguel Reale oferece significativas reflexões:

“O especial sentido que a idéia de Razão de Estado adquire no plano da política exterior, em virtude dos descobrimentos marítimos e da expansão colonial, resulta de circunstâncias históricas peculiares àquele povo, integrado, na era do Humanismo e do Renascimento (talvez fosse mais rigoroso dizer: do seu ‘Renascimento humanístico’), numa comunidade concreta,

modelada pelo ideal bipolar da Fé e do Império, tal como se reflete em obras literárias que atingem sua máxima expressão com Gil Vicente e Camões.(...) O imperialismo como cruzada é uma característica do mundo ibérico, e notadamente do português, dele resultando um ideal comunitário incompatível com as estruturas e hierarquias feudais”.

Todavia são as idéias de inquietude por justiça, que povoam o imaginário dos humanistas espanhóis do século XVI, diante da própria e inusitada experiência espanhola na América, além do amadurecimento jurídico-filosófico em que se encontram, inquestionavelmente, naquele momento, os centros de saber da “Espanha Imperial”, que preparam o amálgama perfeito para as teorias que se sucedem.

O fato de que a Coroa tenha aceitado a obrigação de cristianizar as Índias (Bulas de Alexandre VI e Julio II) conduz tanto à formação de uma teoria de Império, quanto à de uma política colonial que seja adequada. O Conselho das Índias se constitui no principal organismo administrativo do governo na América, mas não responde às questões de ordem jurídica e tampouco políticas que se apresentam a cada momento, tais como: Que direitos políticos e econômicos deveria gozar a Espanha por seu domínio? São os índios seres racionais? E, se de fato são racionais, que direitos possuem? Em que circunstâncias os índios

387 Robert Blakey. History of Political Literature, apud Lewis Hanke: La Lucha Española por la Justicia en la Conquista de América, p. 77.

poderiam trabalhar para os espanhóis? Em que circunstâncias poderiam os espanhóis lutar contra eles uma guerra justa?388