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Padrões de covariância, correlação e magnitudes da integração morfológica em marsupiais do Novo

INTRODUÇÃO

Quando lançaram seu livro, Morphological Integration, Olson e Miller (1958) tinham uma visão muito clara de que organismos eram entidades complexas e como tal deveriam ser analisados, visão esta que veio chocar-se com o pensamento reducionista vigente na época. Para eles, cada componente de um organismo era formado de maneira que o papel por ele desempenhado na existência e função do todo era feita de forma harmoniosa, com respeito às demais partes. Hoje em dia sabemos que estavam certos, que organismos são sistemas complexos, formados por caracteres que interagem por compartilhar processos funcionais, genéticos e de desenvolvimento (Cheverud 1984, 1996a, Wagner et al. 2007). É o somatório destes caracteres que, na sua interdependência de forma, produzem o organismo (Olson & Miller 1958). Mas cada uma destas partes também apresenta uma relativa independência das demais, justamente porque, se são unidos a alguns caracteres por estes processos, são separados de outros por não compartilharem os mesmos processos funcionais, genéticos e de desenvolvimento (Cheverud 1984, 1996a, Wagner et al. 2007). A estes grupos de caracteres mais relacionados entre si que com outros, chamamos módulos (Chernoff & Magwene 1999, Wagner et al. 2007).

A genética quantitativa se ocupa do estudo dos caracteres quantitativos, condicionados por muitos loci de pequeno efeito, mas que ainda assim seguem as mesmas leis de transmissão e possuem as mesmas propriedades gerais que os genes de caracteres qualitativos, estudados por Mendel (Falconer & Mackcay 1996). Como estes caracteres quantitativos são influenciados por vários loci, em geral de pequeno efeito, não é possível analisar a segregação de cada loci individual através das gerações. O objeto de estudo, que antes eram as diferenças qualitativas descontínuas entre os indivíduos, passa a ser a expressão da variação fenotípica na população (Falconer & Mackcay 1996), esta mesma população que também é o foco da integração morfológica (Olson & Miller 1958). Concatenar as duas linhas de pesquisa nos fornece um meio extremamente poderoso de analisar, não só os padrões e as hipóteses de relacionamento entre os caracteres (integração morfológica), como também investigar as forças geradores (e.g. deriva genética, seleção natural) dos fenótipos, poder prever, até certo ponto, as

possibilidades evolutivas bem como determinar os processos de seleção que foram responsáveis por moldar os fenótipos de uma população (genética quantitativa).

Dentro da genética quantitativa, as relações entre os caracteres são resumidas na matriz de covariância genética aditiva (matriz G), composta pela porção da variância que é efetivamente herdada, no sentido de transmissão do valor dos pais para os filhos, ou seja, de semelhança por parentesco (Falconer & MacKay 1996, Steppan et al. 2002, McGuigan 2006, Phillips & McGuigan 2006). Além disto, ela determina a taxa e a direção da resposta evolutiva à seleção, bem como os padrões de divergência entre populações (Lande 1979, Falconer & MacKay 1996, Marroig & Cheverud 2005, Phillips & McGuigan 2006). Apesar de originalmente seu estudo ter sido desenvolvido para escalas de tempo compreendidas entre algumas gerações (microevolução), ela pode ser extrapolada para períodos maiores de tempo (macroevolução) sob determinadas condições. A mais crucial delas refere-se a constância, ou proporcionalidade, da matriz G ao longo do período evolutivo em questão (Lande 1979, Cheverud 1988, Steppan et al. 2002). Modelos teóricos diferem quanto a evolução de G. Enquanto Lande (1980) defende que ela permaneceria relativamente constante durante um longo período de tempo, através do balanço entre a taxa de mutação e a seleção estabilizadora, Turelli (1988) acredita que os parâmetros necessários para garantir esta constância são muito restritivos. Ambos concordam, entretanto, que a constância das matrizes G é uma premissa que deve ser testada empiricamente para cada grupo que se pretende analisar.

Matrizes G são muito difíceis de serem obtidas empiricamente. Estimar correlações e covariâncias genéticas com confiabilidade razoável requer um número grande (centenas ou mesmo milhares) de indivíduos aparentados e com genealogia conhecida, sendo complicada de ser obtida mesmo em organismos modelo (Steppan et al. 2002, McGuigan 2006). Há uma série de estudos que demonstram a similaridade entre matrizes G e sua contraparte fenotípica (P) (Arnold 1981, Cheverud 1988, Steppan 1997, Arnold & Phillips 1999, Marroig & Cheverud 2001, Oliveira et al. 2009, Porto et al. 2009). É possível, portanto, utilizar matrizes de covariância fenotípicas em substituição às matrizes G. A vantagem é que Padrões de covariância e correlação fenotípicos são mais facilmente obtidos, por necessitarem de amostras menores, cujas genealogias não precisam ser conhecidas (Cheverud 1988).

Deste modo, a fim de testar a similaridade da matriz P ao longo da evolução, selecionei como objeto de estudo os marsupiais da ordem Didelphimorphia. Os marsupiais compreendem um ramo muito interessante dentro dos mamíferos, sendo distinguidos dos demais, principalmente pelo seu modo reprodutivo. Enquanto em mamíferos placentários o investimento materno é dividido entre o estágio intrauterino e o período de lactação, os marsupiais são caracterizados por um curto período de gestação intrauterina. O filhotes nascem em um estágio bem imaturo, e precisam se deslocar até o marsúpio (ou região das tetas), se prender a teta e então sugar o leite. (Smith 1996).

A ordem Didelphimorphia é a mais diversa das ordens de marsupiais encontradas no continente Americano, distribuindo-se desde o extremo sul da América do Sul até o leste do Canadá. A grande maioria das espécies ocupa ambientes florestados, mas há as que ocorrem em áreas mais abertas, incluindo a Caatinga, o Cerrado, o Chaco e habitats montanhosos arbustivos (Gardner 2007). Majoritariamente de hábitos noturnos, podem ser arborícolas, terrestres, escansoriais, fossoriais e até mesmo semi-aquáticos (Gardner 2007).

O objetivo principal deste primeiro capítulo é então testar a similaridade das matrizes fenotípicas da ordem Didelphimorphia, com o intuito de analisar se elas são candidatas à análises futuras de padrões macroevolutivos, foco da genética quantitativa comparativa. Como as magnitudes de integração morfológica nos fornecem informações que complementam as obtidas com as análises dos padrões, calculei estes valores para os gêneros analisados. Avaliei ainda se a história evolutiva ou as distâncias morfológicas estão relacionadas aos padrões e as magnitudes observados.