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Restrição e flexibilidade evolutiva em marsupiais do novo mundo

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INTRODUÇÃO

Até pouco tempo atrás, os estudos de integração morfológica em mamíferos dedicavam um esforço considerável somente nas análises e comparações dos padrões de integração observados entre os organismos, mas há outros aspectos que podem (e devem) ser considerados. Este panorama começou a mudar a partir da percepção de que estes padrões têm se mostrado bastante conservados, e que, em contrapartida, as magnitudes de integração mostram uma variação considerável (Marroig & Cheverud 2001). A partir deste momento, estes dois componentes passaram a ser analisados em conjunto, com uma série de trabalhos publicados recentemente, sempre mostrando uma constância dos padrões de integração e uma maior variação em suas magnitudes, mesmo em grupos proximamente relacionados (Oliveira et al. 2009, Porto et al. 2009, Shirai & Marroig 2010).

Mas apesar destes dois aspectos, padrões e magnitudes, terem sido descritos para diversos grupos de mamíferos (Cheverud 1995, Marroig & Cheverud 2001, Oliveira et al. 2009, Porto et al. 2009, Shirai & Marroig 2010), as suas conseqüências evolutivas ainda não haviam sido abordadas até muito recentemente (Marroig et al. 2009). Acredito que o principal motivo para tanto tenha sido justamente a falta de metodologias capazes de quantificar estas conseqüências.

Quase concomitantemente, dois trabalhos recentes foram publicados, nos quais diferentes métricas foram desenvolvidas para analisar as conseqüências evolutivas associadas à integração morfológica (Hansen & Houle 2008, Marroig et al. 2009). Os dois trabalhos usam a mesma abordagem, baseada na equação multivariada de seleção natural de Lande (1979):

∆Z = Gβ

onde β representa a seleção natural (ou o gradiente de seleção), G representa a variação genética aditiva e suas inter-relações (variâncias e covariâncias) e ∆z representa a resposta dos caracteres à seleção (Lande 1979). Como a arquitetura genética e a seleção

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natural interagem de forma a produzir as mudanças evolutivas, através desta equação é possível descrever a resposta à seleção (∆Z) em um conjunto de caracteres, fruto da seleção direcional (β). Este mesmo princípio já vem sendo usado em comparações de matrizes de covariância, através do método dos vetores aleatórios (Cheverud & Marroig 2007). Simulando a ação da seleção natural através da utilização de vetores aleatórios sobre matrizes fenotípicas, é possível comparar suas respostas evolutivas e assim quantificar o grau de similaridade entre elas.

Para se estudar as conseqüências evolutivas, utilizamos a mesma equação de Lande, através da simulação de vetores, mas desta vez analisamos diretamente a resposta à seleção obtida para cada população analisada. Por exemplo, ao medirmos o cosseno do ângulo formado entre o vetor de seleção (β) e o vetor resposta (∆Z) medimos o quão próximo da direção da seleção é o vetor de resposta evolutiva (ver figura 2 da introdução geral), o que é conhecido como flexibilidade evolutiva. (Marroig et al. 2009). As restrições (Marroig et al. 2009), em contrapartida, são medidas pela média das correlações dos vetores resposta (∆Z) e o eixo de maior variação entre os espécimes da população (primeiro componente principal), o que Schluter (1996) chamou de linhas de menor resistência evolutiva.

Tomando como base os trabalhos de Hansen & Houle (2008) e Marroig et al. (2009), analisei as conseqüências evolutivas para os marsupiais da ordem Didelphimorphia. Esta ordem é a mais diversificada dentre as ordens de marsupiais encontradas nas Américas, com 97 espécies distribuídas em 19 gêneros e uma única família, Didelphidae (Voss & Jansa 2003, Gardner 2007).

Os padrões e processos de integração dos Didelphimorphia têm sido objeto de estudos recentes (Porto et al. 2009, Shirai & Marroig 2010, capítulos 1 e 2 desta tese), e assim como em outros grupos de mamíferos, têm apresentado um padrão bastante conservado, talvez até mais que o observado para outros grupos de mamíferos, como por exemplo, primatas (Marroig & Cheverud 2001, Oliveira et al. 2009). Suas magnitudes de integração também têm se mostrado muito altas, mesmo com toda a variação observada entre os gêneros. Desta forma, este grupo figura entre os mamíferos mais integrados morfologicamente (Porto et al. 2009).

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Outra característica marcante deste grupo é a quantidade (medida pela porcentagem da variação expressa no primeiro componente principal) das variações observadas entre os espécimes que são devidas ao tamanho e forma associada ao tamanho (variação alométrica), todas muito altas (Shirai & Marroig 2010, capítulo 1). Estes altos valores têm um efeito positivo nas magnitudes de integração morfológica, ou seja, quanto maior a porcentagem da variação associada à alometria, mais integrada morfologicamente é a estrutura. Por conseguinte, a magnitude de integração exerce forte influência nas respostas evolutivas (Marroig et al. 2009, Porto et al. 2009, Shirai & Marroig 2010). Como os marsupiais Didelphimorphia estão entre os mamíferos com maior variação alométrica observada em seus crânios, decidi usar este grupo para analisar as conseqüências evolutivas deste fator. Optei por analisar a flexibilidade e a restrição evolutiva, que apresentam uma maior correlação com a proporção da variação total no crânio que é capturada pelo tamanho (Shirai & Marroig 2010).

Meu objetivo neste capítulo foi analisar as conseqüências evolutivas do tamanho nos padrões e magnitudes de integração morfológica. Para tanto, comparei o mesmo grupo antes e após a remoção do efeito do tamanho. Como a magnitude tem se mostrado mais variável entre os mamíferos, analisei as conseqüências evolutivas que estas mudanças na magnitude podem provocar, baseando-me na flexibilidade e restrição evolutiva.

MATERIAIS E MÉTODOS

Amostra

Utilizando um digitalizador tridimensional (Microscribe MX), obtive as coordenadas tridimensionais referentes a 32 marcadores externos (figura 3.1, tabela 3.1). Estes marcadores foram transformados em 62 distâncias euclidianas, reduzidas a 35 usando a média entre os dois lados do crânio (figura 3.1, tabela 3.2). Estas distâncias representam as regiões do crânio que compartilham uma história de desenvolvimento

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e/ou performance funcional, bem como descrevem a estrutura craniana como um todo, evitando problemas de redundância (Cheverud 1995).

Figura 3.1 - Crânio de Didelphis marsupialis ilustrando os marcadores geométricos utilizados (acima) e as distâncias euclidianas entre eles (abaixo).

Como cada crânio foi medido duas vezes, pude calcular a repetibilidade das minhas medidas e o erro a elas associado (Falconer 1989) para cada gênero separadamente. Os valores obtidos variaram de 0,902 a 1,0, com média de 0,99 e desvio padrão de 0,01. Concluí, portanto, que o erro na mensuração dos espécimes foi mínimo e teve um impacto desprezível nos resultados. Usei a média entre a primeira e a segunda mensuração em todas as análises subsequentes.

Para este capítulo foram analisados os mesmos 2939 crânios utilizados no primeiro capítulo, distribuídos entre os seguintes gêneros: Caluromys, Chironectes, Cryptonanus, Didelphis, Gracilinanus, Lutreolina, Marmosa, Marmosops, Metachirus, Micoureus, Monodelphis, Philander, Thylamys e Tlacuatzin. As idades foram determinadas de acordo com a erupção e desgastes dentários (Tyndale-Byscoe & Mackenzie 1976, Tribe 1990) e foram considerados adultos espécimes com os quatro molares eclodidos e funcionais (idades cinco a sete).

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Tabela 3.1 - Marcadores geométricos definidos para Didelphimorphia.

Marcador geométrico Descrição

Centrais

IS interincisivo superior

NSL extremidade rostral do nasal (posição medial) NA sutura entre frontal e nasal (posição medial)

BR sutura entre frontal e parietal (posição medial) LD sutura entre parietal e supra occipital (posição medial) BA ponto mediano ventral da margem do forâmen magno OPI ponto mediano dorsal da margem do forâmen magno PNS espinha caudal do nasal

Laterais

PM sutura entre maxilar e pré-maxilar no alvéolo ZS sutura superior entre jugal e maxilar

PT sutura entre frontal, parietal e esfenóide TSP sutura entre temporal, esfenóide e parietal

AS sutura entre parietal, temporal e supra-occipital ZI sutura inferior entre jugal e maxilar

MT tuberosidade maxilar, caudal ao quarto molar APET porção petrosal do temporal

JP processo jugular

TS sutura entre temporal e esfenóide no petrosal EAM meato auditivo externo rostral

ZYGO sutura inferior entre jugal e temporal

Tabela 3.2 – Distâncias euclidianas definidas a partir dos marcadores geométricos (tabela 1) e hipóteses de integração morfológica.

Medidas Regiões Sub-regiões Medidas Regiões Sub-regiões

ISPM Face Oral ZSZI Face Oral, zigomático

ISNSL Face Nasal ZIMT Face Oral

ISPNS Face Oral, nasal ZIZYGO Face Zigomático

PMZS Face Oral ZITSP Face Zigomático

PMZI Face Oral MTPNS Face Oral

PMMT Face Oral PNSAPET Neurocrânio Base

NSLNA Face Nasal APETBA Neurocrânio Base

NSLZS Face Nasal APETS Neurocrânio Base

NSLZI Face Oral, nasal BAEAM Neurocrânio Base

NAPNS Face Nasal EAMZYGO Face Zigomático

NABR Neurocrânio Calota ZYGOTSP Neurocrânio Zigomático BRPT Neurocrânio Calota BAOPI Neurocrânio Base BRAPET Neurocrânio Calota LDAS Neurocrânio Calota PTAPET Neurocrânio Calota BRLD Neurocrânio Calota PTBA Neurocrânio Calota OPILD Neurocrânio Calota PTEAM Neurocrânio Calota PTAS Neurocrânio Calota PTZYGO Neurocrânio Zigomático JPAS Neurocrânio Calota PTTSP Neurocrânio Calota, zigomático

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Estimativas das matrizes de covariância e de correlação

As matrizes de covariância e correlação que utilizei são exatamente as mesmas obtidas para o primeiro capítulo. Entretanto, obtive um novo grupo de matrizes a partir dos dados após a remoção de tamanho (transformação MASS, ver abaixo). Estas matrizes foram obtidas seguindo o mesmo protocolo já descrito anteriormente (capítulos 1 e 2).

Utilizei uma rotina linear geral (GLM - general linear model) do Systat 11 (Systat Inc., Richmond, CA), para a obtenção das matrizes de covariância e correlação, controlando estatisticamente para fontes de variação (fatores independentes) significativas (p < 0,05) que não são do meu interesse (e.g. sexo, espécie, idade e interações). Tanto as matrizes originais (ver capítulo 1), quanto as matrizes sem tamanho (residuais, tabela 3.3) apresentaram os mesmo fatores como significativos, com duas exceções que se mostraram como significativa para os dados originais, mas não para os residuais: o fator idade para Cryptonanus e a interação entre sub-espécie e sexo para Philander.

Tabela 3.3 – Fatores corrigidos durante as extrações das matrizes de covariância e correlação residuais. sp – espécie.

Gêneros

Fatores

sp idade sexo sp/idade idade/sexo sp/sexo sp/idade/sexo

Caluromys x x x x x Chironectes * x Cryptonanus * Didelphis x x x x x Gracilinanus * Lutreolina * Marmosa x x x x x Marmosops x x x x Metachirus * x x x Micoureus x x x x x Monodelphis x x x x Philander ** x x x x x Thylamys x x Tlacuatzin ***

* - nestes casos foram usadas uma única espécie por gênero.

** - em Philander, foram usadas duas subespécies (P. o. opossum e P. o. fuscogriseus). *** - não foi possível corrigir para nenhum fator pelo baixo número amostral.

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