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Tamanho e forma na evolução de Didelphis e

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INTRODUÇÃO

Tamanho e forma são propriedades biológicas importantes dos organismos, que resultam da interação entre genes e ambiente. Usualmente, uma grande fração da variabilidade em dados morfométricos esta relacionada ao tamanho dos indivíduos (e.g. Aragon et al. 1998, Carrasco 2000, Weahausen & Ramsey 2000), cujos efeitos podem resultar em mudanças na forma associada. Estas mudanças podem ser devido às relações alométricas entre os caracteres, a menos que todos os componentes cresçam sob as mesmas taxas, o que é conhecido como isometria (Gould 1977).

Tradicionalmente, em morfometria, o tamanho tem sido considerado como um obstáculo às comparações entre organismos, com métodos sendo usados para remover o seu efeito (Sara & Vogel 1996, Swiderski 2003). Isto porque muitos consideram o tamanho como uma característica plástica dos organismos, enquanto mudanças de forma não associadas ao tamanho, como adaptativas. Outra razão é a necessidade de comparar a forma dos organismos quando estes diferem de tamanho, o que levou historicamente a busca de métodos para atingir este objetivo (Zelditch et al. 2004). Entretanto, o tamanho é uma característica do organismo tanto quanto a forma, com importantes implicações ecológicas e morfológicas. Um simples aumento no tamanho do crânio pode resultar em organismos capazes de consumir itens alimentares maiores e/ou mais resistentes, podendo explorar novos recursos e nichos (Marroig 2007). O tamanho é de interesse biológico, especialmente em estudos de crescimento. Apesar de análises de forma omitirem esta informação, descrições e comparações do desenvolvimento podem ser também realizadas analisando-se a forma e o tamanho concomitantemente. Duas espécies, no mesmo período de desenvolvimento, podem ter a mesma forma com diferentes tamanhos, ou diferentes formas com o mesmo tamanho (Mitteroecker et al. 2004). Por isto é importante analisar a variação nos crânios sob prismas diferentes, para entender se as diferenças entre eles são devidas a um ou outro fator, ou mesmo pela conjunção dos dois.

De forma análoga, a análise da forma desempenha um importante papel em uma série de estudos biológicos, com uma variedade de processos sendo capazes de produzir

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diferenças neste fator, como doenças, desenvolvimento, adaptação a fatores geográficos locais, ou diversificação evolutiva a longo prazo (Zelditch et al. 2004). Diferenças na forma podem significar diferenças funcionais desempenhadas pelas mesmas partes, diferentes respostas a mesma pressão seletiva (ou mesmo diferenças nas pressões seletivas), tanto quanto diferenças em processos de crescimento e morfogênese. A análise da forma é uma maneira de entender estas causas de variação e transformação morfológica (Zelditch et al. 2004).

O reconhecimento e definição dos padrões de mudança de forma devido ao crescimento (ontogenia) são componentes úteis para tentar se entender a morfogênese. A caracterização de similaridades e diferenças nos padrões de crescimento podem auxiliar na determinação de como os padrões de desenvolvimento contribuem para a produção da variação morfológica e evolução de novas morfologias (Richtsmeier et al. 1993). O estudo da ontogenia é relevante para o entendimento das conexões de forma e função em um contexto ecológico, evolutivo e de desenvolvimento. Processos ontogenéticos podem ser um reservatório importante para mudanças morfológica. Estes processos estão intima e reciprocamente relacionados a evolução porque mudanças em caracteres necessitam de mudanças nos processos de desenvolvimento que produzem estes caracteres, cujas variações, por sua vez, fornecem o material para a evolução (Klingenberg 1998).

Uma forma clássica de estudo da ontogenia é a heterocronia, que pode ser entendida como as mudanças no tempo relativo do aparecimento e das taxas de desenvolvimento dos caracteres em espécies descendentes em relação a ancestral (Gould 1977). Entretanto, por definição, mudanças na taxa e tempo dos eventos ontogenéticos só podem ser determinadas quando a idade dos organismos sendo comparados é conhecida (McKinney & McNamara 1991). Este requerimento pode ser um problema porque na grande maioria dos casos são analisados organismos cuja informação de tempo (idade) não está presente, como os obtidos a partir de coleções científicas. Uma forma de contornar este problema é analisar as trajetórias ontogenéticas sob o prisma da alometria, usando o tamanho do organismo como substituto a idade (McKinney & McNamara 1991). A alometria pode ser definida como o estudo do tamanho e forma, sendo muito útil para descrever mudanças na morfologia (McKinney & McNamara 1991). A utilização

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da alometria como substituta a heterocronia só é possível se for demonstrado que o tamanho do corpo nas espécies a serem comparadas crescem sob taxas similares, o que nem sempre acontece, mesmo em espécies proximamente relacionadas (McKinney & McNamara 1991).

Comparações alométricas são úteis sob vários aspectos. A descrição de mudanças na forma entre caracteres é um deles, mas há autores que argumentam que o tamanho por si só é uma variável útil e válida, contra a qual podemos comparar caracteres. Isto porque o tamanho do corpo seria uma métrica da idade “interna”dos organismos mais útil que o tempo externo, já que muitos, se não a maioria, dos eventos ontogenéticos são dependentes mais do tamanho que da idade. Dependendo dos objetivos do trabalho, mudanças nos caracteres em função do tamanho do corpo podem ser tanto quanto, ou até mais interessantes e informativas, que em função do tempo (McKinney & McNamara 1991).

Heterocronia e alometria podem ser ligadas conceitualmente já que a heterocronia refere-se a mudanças de um caráter em relação ao tempo, enquanto alometria refere-se as mudanças de caracteres em relação à outros caracteres (McKinney & McNamara 1991). Assim é possível considerar que a alometria compara os resultados heterocrônicos entre si e, conseqüentemente, pode-se dizer que a alometria é a heterocronia baseada em tamanho, mesmo que esta não seja a forma como ela é usualmente percebida (McKinney & McNamara 1991).

Tradicionalmente, as alometrias são classificadas em três tipos: ontogenética, evolutiva e estática. As alometrias ontogenéticas descrevem o crescimento de um órgão em relação ao crescimento de outro órgão ou do corpo como um todo, em um único indivíduo. Alometrias evolutivas descrevem o tamanho relativo de diferentes órgãos entre indivíduos que estejam no mesmo estágio evolutivo, mas que pertençam a diferentes espécies. A alometria estática é similar a evolutiva, mas os indivíduos analisados pertencem a uma única espécie. Tanto a alometria estática quanto a evolutiva surgem da covariação no tamanho entre diferentes partes do corpo de indivíduos em um estágio particular de desenvolvimento. Como a variação em um órgão específico, ou no tamanho do corpo, em qualquer estágio particular de desenvolvimento é conseqüência da variação

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no crescimento até este determinado estágio, ambas as alometrias são conseqüências de mudanças na alometria ontogenética. (Cheverud 1982, Shingleton et al. 2007).

Através de qualquer período do desenvolvimento presumivelmente homólogo (como a ontogenia pós natal), um grupo de trajetórias ontogenéticas pode exibir diferentes padrões de divergência (Mitteroecker et al. 2004): as trajetórias podem não divergir na forma, de maneira que as espécies sofrem as mesmas mudanças na forma ao longo do desenvolvimento; as trajetórias podem ser paralelas, de forma que toda a divergência entre elas surja em um período anterior ao abarcado pelo estudo; pode haver um ponto comum de divergência entre as trajetórias, após o qual a divergência se dê sob diferentes taxas; as trajetórias podem divergir a partir de uma ontogenia comum em diferentes pontos, com diferentes alterações na forma ou no tamanho. Espécies que divergem mais cedo na ontogenia, a partir desta trajetória comum, provavelmente diferirão mais morfologicamente quando adultos (Gould 1977).

O quarto capítulo desta tese tem como objetivo comparar as trajetórias ontogenéticas de dois gêneros irmãos de marsupiais do Novo Mundo, Didelphis e Philander. Padrões alométricos ao longo da ontogenia foram comparados de forma a analisar as similaridades e diferenças entre estes gêneros. Combinando técnicas de morfometria tradicional à geométrica, analisei mudanças na forma e tamanho, na tentativa de melhor entender a evolução craniana nestes gêneros.

MATERIAIS E MÉTODOS