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Capítulo 5 Outros Murais de Bartolomeu dos Santos, Posteriores à Obra de Entre Campos, e

5.3. O painel da estação do Pragal

Este painel executado em 1999 não é de pedra, mas de azulejo, tendo sido produzido pela Ratton Cerâmicas, Lda. (proprietária da Galeria Ratton, especializada em obras com suporte de azulejo). Contudo, não foi um trabalho clássico em azulejo,

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Tradução da autora de acordo com Jun Shirasu, mensagem de correio eletrónico de 05/10/2013, in Vol. II, Anexo 3, p. 139, e Zhuangzi, p. 19, in www.indiana.edu/~p374/Zhuangzi.pdf, consultado em 19/01/2014.

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1552-1610. Missionário jesuíta italiano com grande atividade na China. Viveu em Macau e compilou, em conjunto com Miguel Ruggieri, um dicionário de português-chinês (cfr. pt.wikipedia.org).

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Poema nº 48 de Clepsydra, p. 130 (constante do painel da Biblioteca).

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como outros que Bartolomeu dos Santos executou532, mas sim algo que se aproximou da gravura, por isso se refere o mesmo no presente trabalho.

De base azul e branca, o painel representa a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto533 (fig. 236), e, ao contrário do painel de azulejos da Reboleira, em que

foram feitas maquetas que posteriormente foram ampliadas, o que é um procedimento normal", este foi feito colocando "várias camadas de azul sobre o vidro branco do azulejo e depois, com uma faquinha, raspava o azul que tinha pintado até aparecer o branco outra vez. De facto, foi como se estivesse a fazer uma gravura. (...) Eu queria realmente fazer uma obra autográfica. (...) Iniciei o projecto com a construção de maquetas que não foram seguidas, como já previa. Eram maquetas de com cerca de um metro de comprimento, o que para uma obra daquele tamanho era relativamente pouco. Eu tive-as ao lado dos painéis como referência, mas olhei-as mais como estudos, não eram para ser seguidas à linha nem ao milímetro. O resultado final ficou muito diferente do que se podia ver nas maquetas. Basicamente era um trabalho azul e branco, como na tradição portuguesa, mas a certa altura comecei a introduzir cor em certas áreas"534. O painel mede cerca de 21 metros de comprimento por 2,80 metros de altura535 e apresenta-se como uma bem humorada tira de banda desenhada com sete quadrados, correspondendo a outros tantos momentos da vida de Fernão Mendes Pinto contados na

Peregrinação, aparecendo o viajante normalmente identificado com um "F" na roupa536. A escolha do tema teve a ver com o facto de haver notícias de que o seu autor viveu e morreu no Pragal e aí terá escrito o livro537. Novamente Bartolomeu dos Santos escolhe um tema relacionado com a viagem, o tempo e a memória.

O primeiro quadrado contém o título do painel (fig. 237): "Breve Memória Sobre a Vida de Fernão Mendes Pinto que Neste Sítio do Pragal Escreveu a sua Peregrinação em Fins do Século XVI". Como o escritor dedicou o livro aos filhos, para aprenderem as primeiras letras, nele aparecem duas crianças e uma delas pede ao pai que lhe conte uma história. Começa então a história com uma nau, sereias, moedas, sonho de aventura e fortuna que acompanhava essas viagens.

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Designadamente o da Estação da Reboleira, na linha de comboios de Sintra (1998), o comemorativo do 25 de abril, em Grândola (1999), o do hotel Crowne Plaza, no Funchal (2000), o da Locapor (e não Rocapor, como vem referido nalguma bibliografia), em Faro (2001) e o da Lotaçor, em Ponta Delgada (2006), todos produzidos pela Ratton Cerâmicas, Lda..

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Livro escrito entre 1570 e 1578 (cfr. A. H. de Oliveira Marques, Meios e Agentes de Cultura, in Nova

História de Portugal, direção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. V: Portugal do Renascimento à Crise Dinástica, coordenação de João José Alves Dias, 1ª edição, Editorial Presença,

Lisboa, 1998, ISBN 972-23-2295-8, p. 463, nota 107) que conta as viagens de Fernão Mendes Pinto (1510-1583) ao Oriente.

534

Cfr. entrevista a Bartolomeu dos Santos in Francisco Vaz Fernandes (coordenação), Sem Margens, p. 133.

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153 azulejos de comprimento por 20 de altura, medindo cada azulejo 14 cm de lado.

536

Cfr. entrevista a Bartolomeu dos Santos in Francisco Vaz Fernandes, op. cit., p. 135.

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O segundo quadrado — "Naufrágios: Muitos" (fig. 238) — é relativo aos naufrágios descritos na obra, com uma caravela cheia de marinheiros aflitos, um náufrago debaixo de uma palmeira à espera de socorro e uma garrafa com uma mensagem dentro538.

O terceiro — "Nos Rios de Sumatra" (fig. 239) — ilustra a descrição que Fernão Mendes Pinto faz das florestas de Sumatra, cheias de plantas e animais exóticos, qual jardim do paraíso com os seus perigos, que até tem uma cobra enrolada numa árvore.

O quarto — "Banquete em Liampó" (fig. 240) — representa um banquete que ofereceram ao protagonista, aparecendo o mesmo a pensar numa sereia, pois no livro só fala das orientais que serviam a refeição, e não na comida, que outro português acha estranha.

O quinto quadrado — "Combates no Mar" (fig. 241) — é sobre os combates marítimos descritos no livro, com naus portuguesas, juncos chineses, navios a remos e muitos tiros de canhão à mistura. Os marinheiros do cesto da gávea foram desenhados por Ana João Romana, antiga aluna de Bartolomeu dos Santos e sua assistente à data, e Jun Shirasu, ex-aluno japonês de Bartolomeu dos Santos539 (fig. 247).

O sexto momento — "A Viagem a Pequim" (fig. 242) — é a ida do protagonista a esta cidade, com uma imagem dela e um dragão chinês540. A cidade e o dragão foram desenhados por Jun Shirasu541.

A sétima cena — "No Japão" (fig. 243) — tem o dobro da largura das demais e é uma representação dos portugueses a chegar ao Japão na sua caravela, numa referência direta aos biombos namban. A inscrição vertical amarela em japonês significa "Retrato da Chegada dos Nambans"542. Bartolomeu dos Santos pretendia que os portugueses fossem desenhados por um japonês, tal como o foram os biombos nambans do séc. XVI, pelo que desenhou o navio, a linha costeira à direita, os pescadores que tentam vender peixe, Fernão Mendes Pinto de barba que diz estranha palavra e alguns marinheiros do

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Cfr. entrevista a Bartolomeu dos Santos in Francisco Vaz Fernandes (coordenação), Sem Margens, p. 134.

539

Cfr. Jun Shirasu, nota descritiva do painel enviada por mensagem de correio eletrónico de 04/10/2013, p. 3, in Vol. II, Anexo 3, p. 137.

540

Cfr. entrevista a Bartolomeu dos Santos in Francisco Vaz Fernandes, op. cit., p. 135.

541

Cfr. Ana João Romana em entrevista concedida a António Canau Espadinha, in Desenhar com os Ácidos: a Obra de Bartolomeu Cid dos Santos, vol. III, p. 135, e Jun Shirasu, nota enviada por correio eletrónico em 04/10/2013, p. 3, in Vol. II, Anexo 3, p. 138.

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navio (como exemplo)543, mas a grande maioria das figuras foram desenhadas por Jun Shirasu, que já tinha colaborado nos painéis de Macau e de Tóquio544. A descrição detalhada de cada uma das figuras, feita por este artista, consta da nota enviada por correio eletrónico em 4 de outubro de 2013, anexa à presente dissertação.

Entre as figuras desenhadas por Jun Shirasu está Bartolomeu dos Santos: de forma muito japonesa, a sua figura foi a primeira a ser desenhada, como demonstração de respeito ao mestre (fig. 244). É o personagem de chapéu redondo e em pé por cima do balão estranha palavra. Só depois Jun se atreveu a continuar o desenho545. Do painel consta ainda uma referência ao de Nihonbashi: o personagem que, no canto inferior direito (na costa), examina um rapazinho com uma lupa (fig. 245) decorre de um homem japonês que, aquando da inauguração do painel de Nihonbashi, Jun viu examinar o painel com uma lupa546.

Uma curiosidade desta cena é, como conta Bartolomeu dos Santos, que

há ao largo uns pescadores que tentam vender peixes aos portugueses e junto introduzi um balão com caracteres japoneses (fig. 246) (...) que têm a sonoridade de "sakana", o que quer dizer peixe em japonês. Represento ainda um português a reagir, dizendo "que estranha palavra", não prevendo que a palavra se iria popularizar com um sentido totalmente diferente547.

O painel está colocado no átrio da entrada da estação a uma altura considerável, por cima das cancelas de acesso aos cais de embarque, ficando num local em que as pessoas passam apressadamente e bastante longe do observador que, muito possivelmente, nem repara nele, apesar das suas grandes dimensões. Contudo, todos os pormenores do desenho têm em conta essa distância, pois são percetíveis por quem está ao nível do chão. Ao contrário dos painéis de Entre Campos, Nihonbasi e Macau, não é possível aos passageiros acercarem-se da obra, mas ainda assim, se tiverem de esperar no átrio, poderão ir descobrindo o painel e atentando nos pormenores da sua divertida história.

Neste painel colaboraram ainda Urbano Resendes, que já tinha intervindo nos painéis de Macau e desenhou as gaiolas com pássaros do sexto painel548 (fig. 248), e

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Cfr. Jun Shirasu, nota enviada por mensagem de correio eletrónico em 04/10/2013, p. 1, in Vol. II, Anexo 3, p. 138.

544

Cfr. entrevista a Bartolomeu dos Santos in Francisco Vaz Fernandes (coordenação), Sem Margens, pp. 135-136.

545

Cfr. Jun Shirasu, op. cit., p. 1.

546

Cfr. Jun Shirasu, op. cit., p. 2.

547

Cfr. entrevista in Francisco Vaz Fernandes, op. cit., p. 136.

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Ana João Romana, que escavava o azulejo após Bartolomeu dos Santos o riscar, só pontualmente a deixando desenhar um peixinho ou uma alforreca549 (e, como acima se

disse, os homens do cesto da gávea da quinta cena). No pote do canto inferior direito do painel (sétimo quadrado) pode ler-se a referência a Bartolomeu dos Santos, Ana João Romana, Jun Shirasu e galeria Ratton (fig. 249). Na moldura do sexto quadrado, ao fundo, há dois azulejos com a inscrição "BARTOLOMEU INVENTOU E FEZ EM 1999 -

RATTON PRODUZIU" seguida de uma sereia de braços abertos (fig. 250), como aquela com que Fernão Mendes Pinto sonha durante o banquete.

Este painel também revisita um outro em azulejo, feito um ano antes para a Galeria Ratton, de Lisboa. Intitula-se Homenagem a Fernão Mendes Pinto, mede 0,98 metros x 2,94 metros e nele predominam os tons de vermelho e azul, aí surgindo os meninos a pedir ao pai que lhes escrevam uma história para aprenderem o ABC, as sereiazinhas de braços abertos (como tentações), os muitos naufrágios e os combates no mar550.