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promessAs e eXpectAtiVAs

1.1 Paisagem sócio-histórica

O assentamento da Fazenda Santa Clara está localizado em uma área de 36 mil hectares, no município de Canto do Buriti (Figura 1), Sudeste do Piauí. Este município possui uma área de 4.419,4 km² e se localiza a 405 km de distância da capital do Estado. Ressalta-se que parte das terras que compõem o Parque Nacional Serra da Capivara1 localiza-se ao sul das terras do assentamento.

De acordo com a memória dos mais velhos da região, o município de Canto do Buriti foi formado por famílias de camponeses que vieram atraídos pela exploração extrativista do látex para a produção de borracha natural a partir da maniçoba-do-Piauí (M. caerulescens pohl), entre os anos de 1845-1920. Este processo de ocupação pela exploração econômica da borracha da maniçoba deu origem ao povoado denominado Guaribas, no Vale do rio Guaribas, que banha parte das terras deste município. Esta atividade econômica representou, durante cinco décadas, a principal fonte de renda para o aprovisionamento das famílias camponesas que migraram, em sua maioria, do município de São João do Piauí2.

De acordo com o camponês ocupante Joaquim Santos, de 91 anos de idade, que mora na área de ocupação da sede da Fazenda Caju Norte, com o fim do ciclo da borracha na região, por volta da década de 1920, as famílias campo- nesas que migraram para Canto do Buriti atraídas pela borracha passaram a trabalhar nas fazendas de gado – atividade que ganhava força na região: “Meu 1 O Parque Nacional Serra da Capivara está localizado no Sudeste do Estado do Piauí, ocupando áreas dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí, Canto do Buriti e Coronel José Dias. A superfície do Parque é de 129.140 ha e seu perímetro é de 214 km.

pai e meu avô era borracheiro e depois que se acabou a borracha eles foi ser vaqueiro do mesmo patrão”.

Figura 1 - Mapa do Estado do Piauí, localização do Município de Canto do Buriti

Fonte: www.dnit.gov.br.

A atividade de vaqueiro foi marcante até da década 1960, no município de Canto do Buriti, em função da quantidade de fazendas de gado à época. Depois, com o surgimento da Superintendência de Desenvolvimento do Nor- deste (SUDENE) na década de 1960, surgiram investimentos na produção de caju e cultivo de pastagem. Conforme recorda o camponês, “aqui foi muito dinheiro na época da SUDENE, essas terras, aqui, [Fazenda Caju Norte] já passou por muitas novidades”. Essas “novidades” a que se refere são experiên- cias no cultivo de pastagem, na criação de gado de corte e na produção de caju. As famílias que moram a mais tempo no município de Canto do Buriti costu- mam chamá-la de “terra amaldiçoada”, devido a inúmeros empreendimentos fracassados. Esses projetos de exploração agrícola se deram em um contexto de grande especulação imobiliária, comandada pelos “projeteiros” (MORAES, 2000), travestidos de “colonizadores”, “empresários” da agroindústria, que in- centivaram a grilagem de terras e a consequente incorporação, ao patrimônio

privado, de terras públicas devolutas estaduais (MACHADO, 2002; PEREIRA, 2004).

Na percepção das dos moradores da Fazenda Santa Clara, na economia do município de Canto do Buriti e daqueles mais próximos, como Elizeu Martins e Colônia do Gurgueia, após o boom da borracha e da pecuária, a principal fonte de renda advém das pequenas unidades agrícolas, pequenos comércios, aposentadorias de trabalhadores rurais, e nos anos mais recentes, dos pro- gramas de transferência de renda do Governo Federal, e com a chegada da Empresa Brasil Ecodiesel. Estes dois últimos são apontados pelos camponeses parceiros como responsáveis pela movimentação econômica no comércio de eletrodomésticos e móveis nos referidos municípios. No depoimento a seguir, a camponesa avalia o Programa Bolsa Família e o adiantamento de safra como um dinheiro certo, dando aos proprietários de lojas a segurança no parcela- mento das compras realizadas por essas famílias camponesas.

Aqui no assentamento as mulheres compram os móveis, televi- são e a parabólica é com o cartão do [Programa] fome zero. Todo negociante confia, porque o dinheiro não tarda a chegar na mão dele. No caso do dinheiro da empresa [adiantamento de safra], o marido compra as coisas de casa, faz o fornecimento na quitan- da de conhecido nosso, e o pagamento é certo. Quando atrasa o dinheiro da empresa, como já atrasou, a gente vai lá na quitanda e dá nossa satisfação ( E. da Silva).

A chegada da Empresa Brasil Ecodiesel representou para algumas famílias a retomada de promessas dos projetos de desenvolvimento e a possibilidade de tornarem-se assalariados, principalmente, no entendimento que elas tiveram sobre o adiantamento de safra como “salário fixo”. Essa distorção no entendi- mento das relações de deveres e direitos com a empresa deu-se em função da ausência de maiores esclarecimentos quando houve a seleção das famílias para tornarem-se parceiras rurais, categoria cujo sentido, abordarei adiante.

Nessa parceria foram assentadas 630 famílias, distribuídas geograficamente entre as 18 células de produção. Essas terras são divididas pela BR-324, ficando 11 células do lado direito e 7 do esquerdo, no sentido de quem vai para Bom Jesus do Piauí (PI). Na área central das terras do assentamento, foi construído o núcleo administrativo da fazenda – local em que se concentram os servi- ços de saúde, educação, pequenos comércios, lazer, moradia dos funcionários, restaurante e o escritório da empresa da Empresa Brasil Ecodiesel no Piauí,

conforme croqui etnográfico geral da área da Fazenda Santa Clara, com a lo- calização de todas as construções que edificadas nos 36 mil hectares (Fig. 2).

Figura 2 - Croqui etnográfico geral da área da Fazenda Santa Clara, Canto do Buriti - PI

O acesso entre o núcleo e a maioria das células é realizado por estradas de chão arenoso, e de barro vermelho naquelas áreas com relevo. As células mais

próximas do núcleo são consideradas pelas famílias como as de melhor acesso, se contrapondo à paisagem inóspita dos atalhos que ligam as mais distantes do núcleo. No período chuvoso, as famílias sentem-se “isoladas” por esses atalhos, evitando sair das células até mesmo para irem ao núcleo, conforme relato da camponesa T. de Moura: “Nas chuvas a gente só sai para o núcleo quando não tem jeito”. Quando fala “não tem jeito”, está se referindo aos dias em que preci- sam se deslocar para receberem a cesta básica, distribuída no núcleo. A entrega geralmente ocorre na primeira quinzena de cada mês, sendo necessária a pre- sença do/a camponês/a parceiro/a, que ao receber a cesta, assina uma ficha de controle constando o recebimento.

As células D, E, F, G, I, J, O, P, S e U, por estarem próximas à BR- 324, são as mais disputadas pelas famílias parceiras. Essa disputa é motivada pelas fa- cilidades de acesso ao núcleo. Enquanto, que as células A, B, C, H, M, T, K e V são as recordistas em reclamação por considerá-las distantes e “isoladas”. É co- mum alegarem que as famílias que moram nessas oito células não conseguem participar dos “acontecimentos” no núcleo com a mesma frequência com que as demais participam.

A área total do assentamento é considerada pelos/as moradores/as como um “mundaréu de terras”. Devido ao tamanho da área total do assentamento, é recorrente entre as famílias parceiras encontrar pessoas que não conhecem todas as células. Esse conhecimento, na maioria das vezes, se resume àquelas que estão a uma distância de aproximadamente “duas léguas”, que corresponde a doze quilômetros. A quantidade de terras e a distância entre as células foram apontadas como fator limitante no processo de controle das famílias por parte da empresa, que, por medidas de contenção de despesas, teve de reduzir a frota de transportes e funcionários necessários à “fiscalização” de toda a área.

As pessoas argumentam também que essa distância tem dificultado as ten- tativas de organização do grupo de famílias em uma associação. No início, tentaram se organizar em uma única associação, mas as tentativas foram frus- tradas porque se tornava inviável a mobilização de todas as famílias distribuí- das entre as dezoito células. A solução encontrada para superar essa distância tem sido a aglutinação de, no mínimo, três células, e, no máximo, cinco, para a formação de associações, de modo que a previsão dos/as camponeses/as é que, nos próximos dois anos, sejam criadas aproximadamente cinco associações dentro do assentamento.

A criação de associação entre células que ficam próximas umas das outras surgiu da necessidade das famílias em fortalecer o grupo e, como resistência,

também, à tentativa da Empresa Brasil Ecodiesel de criar uma associação por célula. Essas associações para as famílias vêm surgindo frente a estratégias de reivindicações no cumprimento do contrato de parceria Rural Agrícola. Todas as estratégias adotadas no sentido de aproximação das famílias entre as células circunvizinhas têm como objetivo superar a distância que provoca o “isola- mento” e “enfraquecimento” de suas reivindicações.

1.2 Contrato de parceria na produção de mamona e a

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