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Panorama do teatro cabo-verdiano contemporâneo

TEATRO EM CABO VERDE, RAÍZES E ATUALIDADE

AS FRONTEIRAS DILUÍDAS

6.1 Panorama do teatro cabo-verdiano contemporâneo

Que importância tem as artes cénicas no panorama cultural do arquipélago? Qual a sua presença efetiva no dia-a-dia do povo das ilhas? Para começar, sabemos que a cidade do Mindelo tem-se afirmado como a capital do teatro cabo-verdiano 137. Na última edição da revista Fragata, distribuída nos aviões da companhia área cabo-verdiana TACV, Mindelo é apresentado como “a segunda maior cidade, a mais cultural de Cabo Verde, também conhecida como capital do teatro.” 138 É a cidade que, desde os anos 1990, apresenta uma crescente dinâmica, grupos de teatro com produção regular e novas criações durante todo o ano.

Dois factores explicam esse ascendente da ilha do Porto Grande em relação ao resto do país: a existência de formação de base permanente, no Centro Cultural Português, e a presença da Associação Mindelact, que desenvolve a maioria das suas atividades no Mindelo. Estes dois baluartes, não sendo os únicos que permitem manter o edifício cénico mindelense, foram os alicerces fundamentais para o seu surgimento. As oficinas de artes cénicas multiplicaram-se, com epicentros nos cinco Liceus da cidade. Além disso, a Associação Mindelact tem feito uma aposta em desenvolver atividades de formação nos dois polos de animação teatral que promove em São Vicente, o Março – Mês do Teatro e o Festival Mindelact.

Graças a essa dinâmica, outros indícios comprovam o crescente dinamismo do teatro cabo-verdiano, em geral, e da consolidação da cidade do Mindelo como centro nevrálgico das artes cénicas crioulas. O teatro passou a ser visto como uma possibilidade académica e profissional, algo impensável nos primeiros anos após a Independência. Hoje há cabo-verdianos que apostam numa carreira artística fora do país. Flávio Hamilton é ator residente da companhia

rt‟Im g m, do Porto e Paulo Miranda desenvolve a sua atividade profissional em Barcelona,

depois de ter coordenado durante anos o programa de formação teatral no Teatro das Beiras, na Guarda.

137 No mês de Março de 2015, o Ministério da Cultura promoveu um encontro no sentido de lançar os primeiros

alicerces de um futuro Teatro Nacional de Cabo Verde. Uma das decisões que se mostrou consensual foi que a sede dessa instituição, que terá como principal função ser o instrumento do Governo de Cabo Verde para a implementação no terreno da política estatal para as artes cénicas, seria na cidade do Mindelo.

169 Hélder Antunes é professor e encenador em Florianópolis, no Brasil, onde se licenciou em Artes Cénicas, e Sara Estrela estudou no Rio de Janeiro e fez mestrado em Barcelona, dando aulas numa escola privada em Lisboa. Vários cabo-verdianos têm estudado artes cénicas, em Portugal e no Brasil. No primeiro caso, destaca-se a Academia Contemporânea de Espetáculos, da cidade do Porto, ou a Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa, onde vários nacionais se formaram, completando cursos, licenciaturas ou mestrados. Com o Brasil começa a ser construída uma ponte entre o arquipélago e a SP Escola de Teatro, considerado o maior centro de formação em artes cénicas da América Latina, tendo sido assinado, em 2013, um convénio com a Associação Mindelact que se traduziu na atribuição de duas bolsas de estudo para estudantes cabo-verdianos. Os selecionados, ambos oriundos do Mindelo, uma vez regressados, provocaram no imediato uma agitação adicional na vertente formativa, promovendo nos seus núcleos de criação oficinas resultantes da aprendizagem obtida, originando um retorno imediato e assinalável na aposta realizada pelas duas instituições envolvidas.

Figura 32: Flávio Hamilton em Por Um Punhado de Terra, Art‟Imagem

Fotografia de João Barbosa. Arquivo CEDIT

Um segundo aspeto que resulta do crescimento do teatro cabo-verdiano e da importância que vem adquirindo no tecido cultural e social do arquipélago, é a escolha de investigadores e académicos oriundos de Portugal, Brasil, Espanha ou EUA para nas suas teses de mestrado ou doutoramento escrever sobre o teatro de Cabo Verde. Seja centrando a análise na dramaturgia (Barbosa, 2009; Mosso, 2013); sobre questões identitárias (Ferreira, 2009); relacionadas com circulação de espetáculos (MacMahon, 2009); dedicadas à crioulização cénica (Marquês, 2012); ou centradas no Festival Mindelact (Martins, 2014). Outros investigadores desenvolvem

170 pesquisa específica sobre alguma problemática relacionada com o teatro feito em Cabo Verde e várias teses e dissertações sobre o tema encontram-se na fase final de escrita e defesa. Revistas científicas, artigos de jornais, revistas ou relatórios oficiais sobre questões culturais raramente deixam as artes cénicas fora do leque de temáticas abordadas, o que é notável se pensarmos que nos anos oitenta do século passado, ou seja, há pouco mais de 30 anos atrás, cada espetáculo de teatro era apresentado como uma raridade e o teatro quase nunca era referenciado nos discursos oficiais, guias turísticos ou estudos culturais. O teatro cabo-verdiano, pode-se dizer, conquistou paulatinamente o seu direito de ter lugar no mundo.

Mas nem tudo são rosas no teatro em Cabo Verde. Há gravíssimas lacunas, não existe qualquer aposta na formação por parte do Estado, o projeto do Ministério da Cultura da Rede

Nacional de Salas, que permitiria uma circulação pelas ilhas de espetáculos de pequeno formato,

não seguiu em frente e as infraestruturas, quando existem, são inadequadas, com poucas ou nenhumas condições técnicas, faltando por vezes até uma simples teia técnica ou um conjunto de cortinas que consigam formar uma caixa preta nos palcos. Estes, por sua vez, são exíguos, na maioria em cimento, sem bastidores nem possibilidades de entradas ou saídas de cena. Assim, quando em Cabo Verde se anuncia a inauguração de um “auditório”, está-se a falar de espaços onde a plateia pode estar ocupada por confortáveis e luxuosas cadeiras, mas do outro lado a estrutura do palco nem justifica a designação, com um tecto falso a dois metros e meio de altura, uma profundidade de três metros ou menos e uma largura que permite a colocação de uma mesa comprida, cadeiras para palestrantes e um videoprojector com uma tela branca pendurada na parede. São estruturas pensadas para palestras, conferências, lançamentos de livros, debates e até para projeções, mas nunca para as artes cénicas.

Tirando o caso do Auditório Nacional Jorge Barbosa, raramente utilizado para teatro, do

Auditório da Assembleia Nacional, cedido apenas para espetáculos musicais ou galas de

solidariedade, do pequeno auditório do Centro Cultural Português, todos na cidade da Praia, e do auditório do Centro Cultural do Mindelo, cuja utilização pelos grupos de teatro depende de um pagamento de aluguer que nem sempre conseguem angariar com a bilheteira, estamos perante um arquipélago que não tem infraestruturas concebidas, nem equipadas e preparadas para receber criações de teatro com um mínimo de exigência técnica e cenográfica.

O mítico e histórico Éden Park, que foi durante muitos anos a mais importante sala de espetáculos de Cabo Verde, está em ruínas e num estado irreversível de degradação. Ainda na cidade do Mindelo, a Academia de Música Jotamont tem um auditório generoso e, embora a

171 plateia tenha todo o conforto, apresenta um palco exíguo que não permite aventuras cénicas. Sendo património municipal, o último investimento efectuado, em 2014, foi para a construção de um balcão, para colocar mais cadeiras, sendo que o maior problema da sala estava do outro lado, com um palco inadequado, sem bastidores, péssima ligação aos camarins e uma área de atuação insuficiente. Ou seja, quem tem o poder de decisão e aprova os projetos dos centros culturais ou auditórios, não possui qualquer conhecimento de arquitetura cénica tradicional – muito menos um pensamento espacial abrangente que permita uma aposta em espaços multifuncionais, amplos, com bancadas amovíveis, sem palco fixo, adaptável a todo o tipo de intervenção artística.

É neste contexto que na cidade do Mindelo surge em 2015 a ALAIM, Academia Livre de

Artes Integradas do Mindelo, uma iniciativa de artistas locais, de teatro e dança que, numa

tentativa de cimentar um novo conceito de espaço de criação e formação artística em Cabo Verde, avançaram para um projeto com o objetivo de ajudar a colmatar o problema estrutural que é a falta de espaços adequados para ensaios, criação artística e apresentação. (figura 33)

Figura 33: Projeto da ALAIM Academia Livre de Artes Integradas, vista de cima

Se na Praia e Mindelo, as maiores cidades de Cabo Verde, os grupos de teatro sentem dificuldades para ensaiar e apresentar os seus espetáculos, o que dizer das outras ilhas? O panorama é mais desolador, o que torna extraordinário o facto de continuarem a existir tantos grupos e pessoas com vontade de fazer, de aprender e de partilhar. Em ilhas como a Brava, o Fogo, Boavista, São Nicolau e Sal, ou no interior de Santiago, as condições de trabalho dos grupos locais são miseráveis. Em escolas, pátios, salões paroquiais, ruínas, terraços ou até em

172 casa de família, se ensaia e se preparam as apresentações. Augusto Baptista, jornalista que viajou por algumas ilhas para uma reportagem sobre o teatro cabo-verdiano, relata uma visita que fez a um grupo de teatro numa zona afastada na periférica ilha da Brava, que é bem elucidativo da paixão que o ilhéu tem pelo teatro:

A Brava é um punho de chão arrancado do mar, suspenso no céu. Uma ilha que dói descer, subi-la é penitência. Entre estremeções, sacudido, lá vou rumo a Braga, povoação suspensa na encosta vertical a dois quilómetros de Nova Sintra, distância que, numa estrada assim, é infinitude. (...) Espera-me uma mãe e os seus filhos e mais uma malta que se lhes junta, tudo g nt o lug r um trup pobr qu á p lo nom “Grupo Cultur l Eugénio T v r s”. Perguntados sobre o que mais querem, que lhes faz falta, dizem: teatro. (...) Expostos ao risco, almejam o palco, elegem o teatro como suprema paixão. Fome principal. Destino, objectivo de vida, de suas vidas. (2009:31)

O OTACA em Assomada, ensaia numa pequena sala de um centro social à luz das velas quando falta a luz na cidade; o mais antigo grupo da ilha de São Nicolau, Grupo de Teatro B.

Leza, trabalha numas ruínas na localidade do Caleijão; O Grupo de Teatro Nova Casa, nas

Furnas, ilha da Boavista, confunde-se com uma única família, com os ensaios a decorrer no quintal da casa, e a matriarca a sair de cena para ir à cozinha mexer panelas e da cozinha voltar para o seu papel. Os ensaios dos grupos podem decorrer em escolas, edifícios abandonados, pátios interiores ou terraços ao ar livre.

Para estes coletivos, que vivem e sobrevivem nas ilhas periféricas, a manutenção dos elencos é ainda mais complicada do que na cidade grande. A necessidade de emigração é maior, as dificuldades sociais mais prementes, as razias são habituais e há casos em que determinam o fim das companhias. Outras vão-se mantendo com uma renovação geracional que não só é inevitável como vital. “Neste momento o grupo está mais ou menos paralisado: éramos quinze, agora os elementos que estão cá são só cinco”, queixa-se José Domingos, do Grupo Cultural

Nova Sintra, da ilha Brava (cit Baptista, 2009). De momento estão parados. Enquanto a liderança

se mantiver, é provável que assim continuem mas que resistam. Até que apareçam outros jovens, sedentos, a quem a vontade de fazer teatro, provavelmente transmitida pelas muitas notícias veiculadas ao longo do ano pela rádio e televisão nacionais, se transforme em ação concreta e o grupo renasça das cinzas para mais um ou dois anos de atividade. Outros grupos não têm essa sorte e vêm o seu líder emigrar para outra ilha ou para o estrangeiro, e o coletivo desaparece do panorama cultural, sendo que o mais provável é que, pouco tempo depois, apareça logo uma nova companhia para ocupar o lugar deixado vago pelo antecessor.

173 Luís Pires (2009), que foi responsável pelo Grupo de Teatro Canizade e hoje é Presidente da Câmara de S. Filipe, na ilha do Fogo, confirma a emigração como um dos principais factores responsáveis pela suspensão do que ele designou de “actividades de palco” do seu agrupamento. No terreno fértil das ilhas, pleno de humanidade e espírito criativo, os grupos culturais e as companhias de teatro nascem e morrem com uma naturalidade que surpreende, e se há algo que se pode afirmar com ampla certeza é que o teatro está presente em todos os cantos de Cabo Verde, onde o que falta em engenho sobra em paixão. O que peca em capacidade técnica, sobeja em autenticidade.

Por outro lado, o comprometimento com um esforço de criação e um maior empenho nos ensaios, não fazem parte dos hábitos de trabalho destes coletivos cujos ensaios demoram pouco mais do que uma hora, duas no máximo. Não há hábitos de leitura nem de escrita e as cenas são montadas tendo por base a improvisação. “Geralmente, nós não escrevemos as peças. Tiramos uma ideia, sentamos, conversamos, cada um dá a sua opinião e vamos ensaiar. No desenrolar dos ensaios vão aparecendo mais coisas” (Domingos cit. Baptista, 2009:39). Este testemunho descreve de forma exemplar o processo de criação da maioria dos grupos de teatro em Cabo Verde, onde a figura de encenador inexiste. Com esses hábitos de criação, quando confrontados com uma produção exigente, com um encenador formado e mentalidade profissional, o panorama tende a complicar-se.

Um dos projetos desenvolvidos pela Associação Mindelact nos últimos anos tem sido o envio de encenadores preparados às ilhas periféricas para ministrar formação aos agentes locais e montar um espetáculo que depois é apresentado no Palco Principal do festival Mindelact. Antes, esses grupos eram convidados a participar no evento para a mostra alternativa, o Festival Off. A vinda ao Mindelo permitia o acesso às ações de formação previstas e a possibilidade de ver grupos profissionais, de outros países ou continentes, com linguagens, dramaturgias e propostas estéticas nunca vistas antes. Nos anos seguintes, se o grupo continuasse o trabalho no seu local de origem, com uma produção que indiciasse uma evolução resultante da vivência tida no festival ou outra adquirida por meios próprios, seria então desafiado para preparar um espetáculo para a mostra principal, com outras exigências e melhores condições técnicas. Apesar deste esforço, não se sentiu uma efetiva evolução artística e técnica nesses grupos e a aposta foi para um outro patamar: convidar encenadores com formação e currículo para nessas localidades trabalhar com os agentes teatrais de cada região, com o objetivo principal de descentralizar a formação teatral e incentivar a produção local.

174 A primeira experiência foi da encenadora Sara Estrela que, em 2010, esteve durante dois meses na ilha da Boavista, desenvolvendo um trabalho que culminaria com o espetáculo A Ilha

Fantástica, adaptação livre do romance de Germano Almeida (figura 34). O êxito foi assinalável

e a produção foi um dos destaques do ano, tendo sido apresentada depois na cidade da Praia e em Luanda, na primeira, e até agora única vez, que o Grupo de Teatro Nova Casa se apresentou fora de Cabo Verde.

Figura 34: A Ilha Fantástica, Grupo de Teatro Nova Casa

Fotografia de João Barbosa. Arquivo CEDIT Mindelact

Em 2011 seria a vez do encenador brasileiro Luciano Brandão, do Piauí, a desenvolver um trabalho junto do Grupo de Teatro Dja ‟Sal, na vila de Santa Maria, na ilha do Sal, dando origem ao espetáculo Água (figura 35). O grupo viajaria no ano seguinte até ao Brasil, para participar num festival internacional. Em 2012, Paulo Miranda esteve no Maio, trabalhando com os grupos da ilha e trouxe ao palco principal do Mindelact desse ano a produção Bidéias com Z. Em 2013, foi o encenador Hélder Antunes quem esteve na ilha do Fogo com a recém-formada

Companhia Sem-Nexo, e em resultado deste trabalho, apresentou Dissimulações Obscênicas ao

público do Mindelo. A estratégia consistiu em aproveitar os conhecimentos e a experiência de encenadores que se encontram a desenvolver a sua atividade profissional noutros países e, no caso dos nacionais, promover o seu retorno à terra-mãe como forma de apoiar o esforço dos grupos de teatro das periferias e, dessa forma, tentar compensar as condições precárias em que desenvolvem as suas ações no terreno.

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Figura 35: Água, Grupo de Teatro Dja d‟Sal

Fotografia de João Barbosa. Arquivo CEDIT Mindelact

Sem espaços, nem condições, estes grupos de teatro persistem neste objectivo primeiro de manter o teatro vivo nos seus locais de implementação. Em 2010, o jornal A Nação publica uma extensa reportagem dedicada ao teatro nas periferias, com o título “Onde o teatro pode ser (ainda) aquilo que é”. Nesta, vários protagonistas deixam o testemunho que confirma que é, sobretudo, uma grande paixão pelo teatro que mantém tanta gente a insistir numa atividade desenvolvida sem qualquer condição material ou apoio institucional.

Narciso Freire, do OTACA, queixa-se da falta de locais de trabalho e do miserável apoio financeiro das instituições. “Não temos lugares para ensaiar, muito menos para apresentar os nossos espectáculos.” Na ilha das dunas, o Grupo de Teatro Nova Casa tem os mesmos problemas, como confirmam Henrique Ribeiro e Rodolfo Gonçalves: “as maiores dificuldades que enfrentamos no nosso dia-a-dia são a falta de espaço para realizar os ensaios e a falta de oportunidades para mostrar o nosso trabalho.” Continua a faltar na ilha um espaço apropriado para apresentação de espetáculos, já que o único anfiteatro fechou. A infraestruturação cultural encontra-se no grau zero, quando existe é inadequada para a prática das artes cénicas e quem sofre são os grupos que não tem onde se apresentar e o público que não tem onde e o que ver. “Pelas condições que temos, pelas dificuldades e pela falta de incentivo, realmente não faz sentido nenhum fazer teatro aqui. Mas como o teatro é algo que gostamos de fazer tentamos superar essas dificuldades e fazê-lo por gosto. O nosso teatro é feito por amor”, referem os elementos do Nova Casa.

176 Sílvia Lima, atriz cabo-verdiana formada na Academia Contemporânea de Espetáculos do Porto, testemunha, na mesma reportagem, as dificuldades sentidas quando foi convidada a se deslocar à Boavista para ministrar uma formação em artes cénicas: “tivemos que mudar de espaço por três vezes mas mesmo assim estamos longe do ideal, porque é muito pequeno e tenho uma média de 25 a 30 pessoas a participar nas formações.”

Ney Tavares, responsável do Grupo de Teatro Salinas, da ilha do Maio, apresenta um rol de queixas semelhante: falta de apoio financeiro e de incentivo. Mas o que justifica que se continue a insistir em fazer teatro sendo esta uma das ilhas mais abandonadas de Cabo Verde? “Realmente, não faz sentido fazer teatro nas condições que temos, mas nem por isso vamos deixar de fazer”. E é com este discurso, atribulado e esperançoso, que os agentes teatrais da ilha do Maio vão fazendo o seu caminho 139.

Figura 36: Paulo Miranda no ensaio com o Grupo Cultural Salinas

Fotografia de Patrícia Garrido. Arquivo CEDIT Mindelact

O problema destes grupos não reside apenas na falta de local apropriado ou apoio institucional. A mentalidade de trabalho dos intervenientes, muitas vezes, não ajuda. Chegar atrasado ou faltar a um ensaio ou um grupo não comparecer no dia da apresentação, é encarado com a maior naturalidade. Neste sentido, no âmbito desta experiência de descentralização da oferta formativa, os encenadores convidados sentiram dificuldades em organizar as sessões nos locais e tiveram uma permanente necessidade de lembrar que estavam ali a desenvolver um

139 Estes depoimentos podem ser lidos na reportagem “Teatro nas Periferias de Cabo Verde. Onde o teatro

177 trabalho que exigia empenho e seriedade de todos. São dificuldades como estas que se encontram patentes no relato de Paulo Miranda sobre a sua estada na ilha do Maio:

Um dos elementos do elenco foi para Cidade da Praia e outro tinha problema de vista, não podia ler e sempre trabalhou com improviso. Ney Tavares, responsável do grupo, teve um personagem, mas não aparecia nos ensaios e nem olhava para o texto. Outros dois do elenco vendiam num negócio de família e não se podiam ausentar por muito tempo. Não havia leitor de cd para os ensaios, não havia material para o cenário e nem ferramentas para a construção. (Miranda, 2012:10)

O aumento da visibilidade mediática das artes cénicas em Cabo Verde tem provocado