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TEATRO EM CABO VERDE, RAÍZES E ATUALIDADE

OS FILHOS DA INDEPENDÊNCIA

4.1 Ser ou não ser africano, eis a questão

A classe política cabo-verdiana sempre gostou de enfatizar a importância da cultura para o desenvolvimento do país e a sua afirmação no mundo. A asserção do ser-se cabo-verdiano passa muito pelas suas manifestações culturais, pelo que seria previsível que, com o advento da Independência Nacional, a 05 de julho de 1975, a política cultural assumisse de imediato um nível prioritário. No entanto, a realidade foi bem diferente. Se por um lado certas manifestações culturais, mais ou menos reprimidas durante o período colonial, passaram a ser usadas como bandeiras nacionalistas, de vigor identitário e expressão de uma liberdade conquistada, por outro, os meios ao dispor dos primeiros responsáveis pela área da cultura eram parcos ou inexistentes. “Eu não podia deixar de pagar aos professores para investir na cultura”, confessou Carlos Reis, Ministro da Educação, Cultura e Juventude, o primeiro responsável pela área no governo central recém-empossado (cit. Vicente Lopes, 2002:581).

Sendo certo que a revolução de Abril e o derrube do Estado Novo em Portugal abriu espaço à livre expressão dos ideais da Independência e da identidade cabo-verdiana, conduzindo para a boca de cena aspectos vários da tradição popular, o certo é que a cultura se revelaria como o parente pobre das políticas orçamentais da nova Nação. Rui Araújo, um dos que tentou dinamizar o teatro na cidade do Mindelo nessa época, fala de “um período de desencanto, de desorientação” (2002:39). A questão que se coloca é se terá sido fatal para o teatro que a independência surgisse como uma espécie de meta atingida, para uma arte que funciona com aquilo que está por atingir. Nos primeiros tempos de independência, as artes cénicas tiveram pouca expressão, apesar dos saraus culturais, organizados por estruturas do partido único vigente, com destaque para a Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC), cujo objetivo central era massificar a mensagem nacionalista e revolucionária.

Foi graças a um cirurgião que precisava de aliviar o stress do exercício da sua profissão que o teatro voltaria a ser considerado como expressão artística válida e que, para seguir os cânones vigentes, se tornou uma ferramenta ideológica. Esse médico era Francisco Fragoso e, numa entrevista dada aquando do seu regresso a Cabo Verde depois de quase vinte anos de ausência, conta na primeira pessoa como se deu a sua entrada no mundo do teatro:

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Um dia, ao conversar com o meu irmão mais novo, o Manuel, ele disse-me; «tu, se continuares com este ritmo, vais-t m t r. T ns qu f z r qu lqu r ois ». … o m u irm o tinha um grupo de rapazes, com quem de vez em quando se reunia e conversava. Apresentou-me a malta e desafiou-me a organizar um grupo de teatro. (cit. Tolentino,

2000:6)

Francisco Fragoso avançou então para a criação do Grupo Cênico Korda Kaoberdi, cuja tradução para o português é Acorda Cabo Verde, numa alusão aos objetivos imediatos do grupo, entre os quais resgatar tradições reprimidas durante o período colonial. Carlos Reis, já aqui citado, refere-se ao coletivo como sendo “um grupo de música, canto e teatro, que soube tão bem assumir o seu nome de batismo, acordando o povo das ilhas através da sua própria cultura” (2003: XII), o que, como veremos, é um pouco exagerado já que a dramaturgia da companhia se limitou a trazer para a cena manifestações culturais da ilha de Santiago, ignorando as restantes ilhas do arquipélago, omitidas pelo encenador nas suas intervenções.

Em alguns estudos mais recentes sobre o teatro cabo-verdiano, a abordagem ao trabalho desenvolvido pelo Korda Kaoberdi foi variando, sendo de destacar a que foi feita por Eunice Ferreira (2009), mais política; por Micaela Barbosa (2009), centrada na dramaturgia e a de Hernandez Marqués (2012), centrada em questões de encenação. Todas estas perspetivas são partes de um todo que permite entender melhor o teatro implementado pelo grupo no período 1976-1982, as suas mais-valias artísticas e performativas assim como as suas insuficiências e as contradições do seu discurso. “O Fragoso tinha vivido em França, conhecia e falava de Brecht, de Augusto Boal, entre outros e o trabalho dele era, sem dúvida, pioneiro, desde logo porque fugia do teatro revista e brejeiro que reinava entre nós” 75.

O grupo nasce oficialmente em setembro de 1975, em Achada de Santo António, um dos emblemáticos bairros da cidade capital, Praia. Teve a sua primeira apresentação pública no dia 25 de abril de 1976 com um primeiro esboço da produção Preto Toma Tom, num sarau cultural que decorreu no Liceu da Praia, organizado por ocasião da visita do então Primeiro-Ministro de S. Tomé e Príncipe, Miguel Trovoada. Fragoso designava como “exercícios dramáticos” as apresentações do Korda Kaoberdi e raramente utilizava os termos encenação, produção cénica ou espetáculo.

Pela formação inicial se pode perceber o peso da componente etnográfica e folclórica que se pretendia implementar nas encenações do grupo: além de Fragoso – assinava os seus textos

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104 com o pseudónimo de Kwame Kondé –, faziam parte do coletivo Tchim Tabari 76 conhecida pela sua arte do batuque, o músico Djirga 77 e Daniel Rocha, jovem coreógrafo local 78.

Formado o núcleo duro e artístico de um grupo que chegou a ter mais de cinquenta integrantes, Fragoso aposta numa vertente pedagógica e doutrinária que resultou na publicação de três cadernos com textos seus onde são explanados os objetivos do grupo, em geral, e de cada exercício dramático, em particular, artigos de outros autores e pequenas peças. O folclore, com a música e os ritmos tradicionais de Santiago, com a respectiva componente coreográfica faziam parte da identidade deste grupo que marcou os primeiros anos do pós-independência com as suas propostas artísticas. Os objetivos primordiais eram claros: valorizar

um património cultural válido suscetível de fornecer todo o arsenal de base para o arrancar dum teatro genuinamente popular, autenticamente cabo-verdiano, na perspectiva dos caminhos trilhados sociologicamente tanto pelo teatro universal como pelo teatro negro- africano a que contextualmente nos inserimos. (Kondé, 1980: 32)

Do ponto de vista estritamente cénico o Korda Kaoberdi apostou forte no elemento etnográfica se bem que não haja qualquer registo audiovisual que permita entender que teatro era este, de facto. Os três cadernos que o grupo deixou publicados, num esforço notável de edição, dão-nos conta de uma produção cénica, diversificada e intensa, entre as quais se destacam: em 1976, Preto Toma Tom, uma encenação de poemas revolucionários e Stória dum Pobu 79, de Kwame Kondé; em 1977, A Lua muito pequena e a caminhada perigosa, de Augusto Boal; em 1978, Duas Caras de Patrão e O Soldado Raso, duas peças do teatro campesino, tradição teatral oriunda da América Latina e Anansegoro, Prestarás Julgamento, peça retirada do folclore ganense; em 1980, O Julgamento de Lúculo, de Brecht e Rai di Tabanca 80, a mais conhecida das produções do grupo, uma espécie de ato apoteótico do aproveitamento telúrico das virtualidades folclóricas da ilha de Santiago; em 1981, levariam à cena O Descarado, peça de Donaldo Macedo, emigrante nos Estados Unidos, uma comédia de costumes escrita na língua materna, na variante da ilha Brava. Antes do grupo findar as suas atividades (embora esse fim nunca tenha sido oficial ou informalmente anunciado), levariam à cena, em 1982, uma adaptação de As Troianas, de Eurípedes.

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Tchim Tabari, nome artístico de Cipriana Tavares (1922 – 2003), conhecida batucadeira da ilha de Santiago.

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Djirga, nome artístico de Gregório Xavier Pinto, músico de Santiago, especializado em ritmos tradicionais da ilha.

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Daniel Rocha viria alguns anos mais tarde a frequentar uma escola artística do Senegal, sob direção de Germaine Acogny. Em 1998, foi selecionado pela coreógrafa portuguesa Clara Andermatt para o projeto Uma História da Dúvida. Regressou a Cabo Verde e integra o projeto do Cabo Verde Ballet.

79 História de um Povo.

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O caminho mais lógico que se nos afigurou foi, com efeito, o da prospecção e da valorização de tudo quanto adentro do nosso património cultural poderia servir positiva e artisticamente o t tro. … r m tiz ç o t tos po t s bo-verdianos fundamentava-se na carência de textos dramatúrgicos e no valor estético, bem como no conteúdo político e i ológi o ss s m smos t tos. … Vis v um ç o mitos populares, a ressurreição de heróis e valores nacionais e a desmistificação de superstições e tabus religiosos. (Kondé,

1980: 15)

A síntese dos argumentos que Fragoso utiliza nos seus textos para caracterizar o teatro do grupo encontra-se resumida nesta frase de Hopffer de Almada (2001): “O grupo Korda Kaoberdi empreendeu um louvável trabalho de experimentação, tendo como fito a criação de um teatro nacional, autenticamente cabo-verdiano, genuinamente africano e de características ecuménicas e universais.” Ou seja, como sublinhou Barbosa (2009), Fragoso coloca nas suas raízes culturais a matriz da sua dramaturgia, sem negar, no entanto, as influências externas, pelo menos numa primeira fase. Ainda assim, “o grupo privilegiou mais a música e a poesia em detrimento do texto dramático.” (p.87)

As explanações teóricas do trabalho nem sempre foram consistentes: “Porque assim como defendo que em Cabo Verde haja um teatro universal, ou seja, teatro no sentido lato, também defendo que haja um teatro genuinamente cabo-verdiano” (Fragoso, 2000:47) O termo “genuinamente cabo-verdiano”, presente no discurso, é entendível à luz de uma necessidade premente de afirmação nacionalista. Pode-se dizer que o encenador procurou que o seu teatro fosse um meio para o reforço de uma identidade nacional tal como ele a entendia na altura. Rejeita publicamente os valores europeus, do continente onde viveu grande parte da vida, mas não os deixar de adotar no seu trabalho, ainda que não o admita. A sua paixão por Brecht, influenciado pelo panorama teatral português de então; o treino dos integrantes do seu grupo com uma pedagogia teatral que seguia as regras e trâmites do teatro ocidental; o facto da principal referência na área da encenação ser António Pedro que, apesar de nascido na cidade da Praia, tem todo um percurso teatral e pedagógico estribado nos cânones cénicos ocidentais; ou até o próprio estilo de escrita de Fragoso, rebuscado e recorrendo a expressões em latim, desmentem essa aparente objeção de tudo o que fosse influência europeia. Ou seja, defende publicamente o seu teatro como sendo “africano” e, ao mesmo tempo, escolhe para a cena textos que estão a ser representados na Europa e, sobretudo, em Portugal. A questão é, pois, mais política do que artística. Fragoso assumia-se como africanista, o que era congénito à classe política instalada na capital pós-independência. Em Cabo Verde, a forte incorporação de aspectos marcantes da cultura africana, antes negada, atravancada ou mesmo proibida, transformava-se em bandeira de reivindicação de uma herança africana como matriz da cultura popular, principalmente na ilha de

106 Santiago. Com o debate identitário presente na sociedade de uma forma transversal, estranho seria que o teatro, numa altura em que as novas autoridades tomavam um partido claro por África, tivesse ficado alheia de toda essa azáfama ideológica.

O teatro do Korda Kaoberdi não pode ser enquadrado no contexto de um então designado “teatro africano” dado que, dependendo das encenações, podemos encontrar ou não características definidoras dessa estética, cujos pressupostos são até bastante discutíveis 81. Quais as componentes africanas no discurso cénico de Fragoso? Estarão elas no destaque dado a certas manifestações folclóricas da sua ilha ou à inclusão de movimentos coreografados? Na verdade, não é o teatro de Fragoso que é “africanizado”, até porque a inclusão desses elementos na cena como efeito espetacular segue os preceitos do teatro ocidental. Foi uma certa tradição santiaguense, com intrínsecas raízes africanas embora de natureza sincrética, que foi aproveitada para o teatro através da encenação. África estava presente no teatro porque já existia nas manifestações culturais de Cabo Verde levadas ao palco. Mas a sua execução cénica seguia os princípios e as técnicas do teatro que então se fazia na Europa.

Marqués (2012) fala de uma “leitura manipulada ao serviço de uma determinada posição política” (p.134). Como salienta Gabriel Fernandes,

Em Cabo Verde, é notório o uso ostensivo dos elementos culturais para potenciar ou frear as oportunidades políticas de indivíduos e grupos posicionados na arena de interação. De igual modo, e como não podia deixar de ser, a política funcionou frequentemente como esteio de peso aos interesses e projetos culturais das partes. (Fernandes, 205:122)

Um dos textos publicados nos cadernos do Korda Kaoberdi é da autoria Piscator para quem o teatro não se podia “contentar de produzir no espectador um efeito puramente artístico, isto é estético e fortemente coroado de sentimentalismo” (1979/80:68). Pelo contrário, ele teria

81 No primeiro número do Caderno Korda Kaoberdi, vem publicado um artigo de Harris Memel-Fote (1930 –

2008), antropólogo costa-marfinense, que procura definir uma “antropologia do teatro negro-africano tradicional”. Tendo em conta que a gestão dos conteúdos destes cadernos era da responsabilidade do próprio Fragoso, pode-se entender a que se referia o encenador quando falava de um teatro “autenticamente africano”. Memel-Fote começa por identificar as três características que distinguem o teatro tradicional instituído pelos “povos negros”: (1) é um teatro de civilização rural geralmente; (2) é um teatro de síntese artística, técnica e poética; (3) é um teatro popular. Síntese artística, porque fala de uma estrutura ligada a outras “funções culturais”, como os ritos, a música, a dança e a literatura. Síntese técnica porque envolve o griot – poeta e músico ambulante africano, que é classificado como um ator “total” pelo articulista. Defende que este é um teatro “popular a quatro títulos”: pela fonte dos temas (que provém quer da literatura coletiva, quer da vida quotidiana); pela origem social dos atores; pelo público-alvo (são obras que se destinam ao povo); e finalmente, pela participação do povo nos espetáculos: o público que assiste participa na criação das obras, isto é, na encenação, nos cantos, nas danças, de tal forma que se pode dizer que estas obras coletivas foram “recriadas pelo povo para o povo.” (Memel-Fote, 1980: 62-67) Mais recentemente, em 2004, Martin Banham editou para a Universidade de Cambridge A History of Theatre in África. A obra não tenta, em nenhum momento, definir ou delimitar o conceito do que poderia ser o “teatro africano”.

107 como missão intervir de maneira ativa no curso dos acontecimentos. “Fornecer ao público uma filosofia da história precisa, fundada sobre a estrita verdade histórica, é para mim tão importante como satisfazer as exigências artísticas mais elevadas” (idem). Para dar azo a esta missão, Fragoso socorreu-se da estética de Bertold Brecht, numa tentativa de conseguir concretizar um teatro revolucionário e político, tendo chegado a encenar uma peça do dramaturgo alemão, O

Julgamento de Lúculo, em 1980. Mais uma vez, uma opção que pouco tem a ver com uma

estética teatral supostamente africana.

Com um discurso ajustado ao período que então se vivia, esperava-se que fosse dado à língua cabo-verdiana um estatuto especial no percurso do Korda Kaoberdi. Em certa medida, assim foi. O próprio nome de batismo do grupo é em cabo-verdiano e em vários textos do encenador se encontram inflamadas declarações de amor ao crioulo de Cabo Verde. “A língua nacional é indiscutivelmente a substância e a alma dum povo, por isso, arma eficaz neste engajamento na senda da edificação dum novo caminho”, podia-se ler num artigo da autoria de Fragoso publicado no jornal Voz di Povo, em abril de 1978. Barbosa (2009) refere que Fragoso recusa mesmo o português como língua identitária do povo cabo-verdiano, defendendo este estatuto apenas para o crioulo. No entanto, cerca de metade dos seus “exercícios dramáticos” foram encenados integralmente na língua portuguesa. Como explicar esta aparente contradição entre a ideologia e a prática?

Marqués (2012) não deixa escapar esta realidade:

Muitos textos foram apresentados em português o que contradiz de certa forma os seus postulados cénicos e ideológicos. Mas o que mais chama atenção é a falta de adaptação ao contexto cabo-verdiano, como defendia nas suas teorizações e que, como veremos mais adiante, será a base estética das dramaturgias sanvicentinas a partir dos anos 90 e que o próprio Fr goso r h ç . … Fr goso limitou-se à introdução da música e da dança tradicional de Cabo V r om int nç o po mos iz r “frágil” tr nsmitir caboverdianidade através do teatro. Não encontramos em Fragoso una adaptação rigorosa das obras no contexto cabo-verdiano, como veremos nas dramaturgias de ilhas do Barlavento. Fragoso reivindica uma universalidade que não deixa de ser uma introdução de temas e heróis dentro da luta pela libertação dos povos terceiro-mundistas oprimidos da década dos anos 70 do século XX. Fiel ao tema e ao texto original revolucionário, não criou as bases para um processo de adaptação e de assimilação com o fim de obter um novo produto cultural, agora sim, cabo-v r i no.” (idem:139-140)

E de facto, Francisco Fragoso chegou a defender esta adaptabilidade das obras universais ao contexto nacional, um posicionamento que, mais tarde, viria a contrariar:

… Ini i mos um tr b lho pr p r ç o tor s o l nç m nto s b s s p r criação de um Teatro verdadeiramente cabo-verdiano. Mas note-se que isto não quer dizer

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que renunciemos às experiências que nos possam ser úteis, simplesmente, têm que ser adaptadas à nossa realidade (Kondé, 1980: 25).

A maior dificuldade numa análise desta natureza é que dos exercícios dramáticos da companhia restam apenas uns poucos registos fotográficos. Nos cadernos Korda Kaoberdi podemos ver imagens de espetáculos do grupo, de onde ressalta uma vertente iconográfica e folclórica forte (figura 15). Mas se virmos a imagem da versão que foi produzida da peça de Eurípedes, As Troianas, podemos verificar, pelo menos nos figurinos, uma tentativa clara de adopção de um estilo próximo do teatro clássico grego (figura 16).

Figura 15: Rai di Tabanca, Grupo Korda Kaoberdi

109 De todos os trabalhos do grupo, aquele que se encontra melhor documentado é Rei di

Tabanka já que além de ter sido apresentado na Praia e no Mindelo, com resultados bastante

diferentes e razoável divulgação na comunicação social, esteve presente no FITEI – Festival

Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, em 1981, naquela que seria a primeira

participação internacional de um grupo cénico cabo-verdiano num festival de teatro fora de Cabo Verde. O espetáculo estreou de forma triunfal na cidade da Praia com o jornal Voz di Povo a fazer uma manchete ocupando quase metade da sua primeira página de 28 de setembro de 1980, com o título Korda Kaoberdi na apoteose de Tabanca.

O texto base da peça é um poema, construído a partir de tradições orais santiagueses, entre elas o Finaçon 82 e, denunciando a repressão colonial, apresenta um fio condutor inspirado no ritual da tabanca. O texto de Luís Romano sobre o espetáculo, inclui uma descrição dos quadros que o compõem, e podemos perceber uma quase ausência de enredo dialogado, onde a expressão coreográfica ocupa lugar de destaque, com o recurso a movimentos sincronizados em câmara lenta e ritmos sincopados, um estilo que viria a ser adoptado por outros grupos da ilha.

Além de recorrer às origens étnicas de um povo, chama a atenção pelo seu roteiro histórico, social e protestatório. Sua virtude está na simplicidade do enredo, na denúncia dos factos, na riqueza da fonte africana em que foi beber tanta virtude cénica, sem ornamentos sofisticados. (Romano, 1980:2)

Barbosa (2009) identifica no texto a que teve acesso na sua versão integral, “uma forte inspiração nas teorias brechtianas ao serviço duma ideologia marxista com objetivos políticos” (p.107) – um comprometimento mais com uma interpretação social do que com o teatro. A história, narra a vida de um nativo africano, escravo, que luta pela sua liberdade e as referências à encenação voltam a trazer à tona várias características do teatro preconizado por Bertold Brecht, a começar pelo herói épico, construído nas circunstâncias históricas e sociais, sendo que o seu caráter advém do contexto e não da sua alma interior. Como afirma Barbosa,