• Nenhum resultado encontrado

O papel do cárcere na construção da imagem do inimigo: quem são os inimigos da sociedade?

2 REPRESSIVISMO PENAL, DIREITO PENAL DO INIMIGO E O PAPEL DO CÁRCERE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO INIMIGO

2.3 O papel do cárcere na construção da imagem do inimigo: quem são os inimigos da sociedade?

Existe uma crescente preocupação com o número elevado de reincidência, e, portanto, dos motivos que levam os ex-detentos a voltar a praticar novos delitos, as vezes mais graves do que o delito que os levou inicialmente à prisão. Sendo assim, cabe analisar um dos papeis mais importantes, na reeducação e ressocialização do delinquente, ou seja, verificar o verdadeiro papel do cárcere na construção da imagem do inimigo, bem como, as causas de não ocorrer o objetivo principal na pena prisão que é a reinserção do apenado.

Diante do exposto,

[...] num primeiro momento, podemos considerar a prisão moderna como um espaço demarcado fisicamente por grades, paredes, muros, valado e outras formas de impedimentos de contatos com a “sociedade livre”, onde um grupo de internos aguarda o julgamento, execução de sentença ou cumpre a pena, equivalente a uma fração de tempo, submete-se ás normas escritas, costumeiras ou arbitrárias e sujeita-se à vigilância permanente de um corpo de guardas. (SÁ, 1996, p. 83).

A pena de prisão surgiu como uma resposta para criminalidade, para não mais haver as penas corporais, como tortura e morte, tendo como objetivo a ressocialização do apenado para reintegra-lo a sociedade, portanto, foram criadas penitenciárias, para separar as pessoas que cometeram crimes da população. Todavia, os indivíduos ao entrarem no cárcere, para o cumprimento da pena imposta pelo Estado, se deparam com as normas e lei colocadas para a convivências com os demais detentos. Não obstante, as leis são criadas tanto pelo sistema prisional como pelos presos que ali já se encontram, ou seja, ocorre a “[...] socialização na cultura do delinquente (SÁ, 1996, p. 181).” Logo, ocorre a distinção entre os costumes e os valores das pessoas livres, com os que ali estão, por isso “[...] a passagem do mundo das pessoas livres para o da “sociedade dos cativos” exige dos neófitos a sujeição a rigoroso e doloroso ritual de entrada (SÁ, 1996, p. 181),” eis que, para viver no cárcere é necessário se desfazer de algumas tradições.

Analisando o papel do sistema penal no processo de construção da imagem do inimigo, Alvino Augusto de Sá (2012) menciona que essa se constrói a partir de três processos distintos e sucessivos.

No primeiro, migra-se do inimigo individual da vítima (inimicus) para o coletivo, hostis judicatus. No segundo migra-se do hostis judicatus para o inimigo coletivo na modalidade de estranho (alienígena), pelo qual o infrator é convertido num todo delinquente. No terceiro processo migratório, o condenado acaba criando sua autoimagem de inimigo (SÁ, 2012, p. 215 grifo do autor).

Conforme Alvino Augusto de Sá (2012, p. 216) “[...] o primeiro processo migratório se dá na criação do Hostis Judicatus, ou seja, na criação do inimigo coletivo, eis que a sociedade se inclina a se identificar com as pessoas vítimas dos delitos.

No processo de identificação com a vítima, a coletividade adquire também os sentimentos como o medo, a raiva, entre outros, em relação ao delinquente. Portanto, é um processo no qual a população se une na guerra contra o inimigo. Desta forma, “[...] o objetivo da luta é a exclusão e destruição do outro e não sua recondução ao grupo. Esse sentimento hostil é o instrumento de socialização, de união de todos contra o inimigo comum (SÁ, 2012, p. 219),” isto é, no combate contra o inimigo, superam-se todas as brigas, as opiniões e as discórdias e se unem na guerra contra o criminoso (SÁ, 2012).

Mediante o exposto, de certa forma, as instituições estatais são contaminadas com a imagem do inimigo coletivo e acabam por reforçar o expansivismo penal, bem como, é por esse motivo que se aceita que o cárcere seja constituído por “[...] constituído por medidas discriminatórias e severamente repressivas, tomadas totalmente à revelia das normas e da lei (SÁ, 2012, p. 220).”

O segundo processo é o da “[...] criação do Hostis Alienigena (SÁ, 2012, p. 220),” ou seja, a criação do criminoso como um ser anormal, o que faz com que o criminoso seja visto como um ser completamente delinquente. Deste modo “[...] o julgamento público passa a sentir o indivíduo criminoso como um ser diferente dos demais membros da sociedade, como um ser estranho, pertencente a outro grupo,

como ser alienígena, estranho, ameaçador (SÁ, 2012, p. 220).” Neste processo, a sociedade também o vê como um criminoso total, ou seja, que tem total consciência em todos os atos praticados, bem como os que irá praticar, pois é considerado um criminoso sem potencial de mudança. Consequentemente, a população não o aceita eis que surgem os sentimentos de justiça, que faz com que o Estado tome providências como a retirada desse delinquente do convívio com a sociedade.

Por fim, o terceiro processo é “[...] a criação da autoimagem de inimigo e a consequente profissionalização no crime (SÁ, 2012, p. 222),” ou seja, o acusado, tendo sido tratado e considerado como inimigo da sociedade, passa a pensar e agir como se inimigo fosse assumindo o papel de criminoso e atuando como tal. Igualmente, a população se torna sua inimiga, assim sendo, o indivíduo não tendo outra saída se qualifica em delinquir. Neste processo, segundo a teoria de Rogers (apud SÁ, 2012, p. 224)

[...] a mola mestra do campo fenomenal daquele que foi condenado, preso e se transformou em inimigo coletivo (hostis judicatus) e em um ser estranho (hostis alienígena) é o julgamento público e também o julgamento formal proferido pelas instâncias de controle. Tem-se aí uma experiência subjetiva particularmente, intensa, consciente, simbolizada, que necessariamente vai integrar o self da pessoa julgada, condenada e presa, isto é, a sua autoimagem.

Em resumo, a pessoa ao viver suas experiências, se atribui valores, princípios e opiniões, ou seja, constrói sua autoimagem. Todavia, o indivíduo “[...] que está tendo a experiência, a vivência de ser um inimigo coletivo” tende a conectá-la a sua imagem pessoal, “[...] pois tal experiência passa a constituir o seu self (SÁ, 2012, p. 224),” ou seja, sua autoimagem.

Igualmente, “[...] o interno, quando ingressa na penitenciária traz consigo, conhecimentos, práticas e vivências adquiridas e assimiladas, a duras penas, no processo de entrada e convívio interior da cadeia pública [...] (SÁ, 1996, p. 184).” Assim sendo, cada pessoa que compõem o cárcere, tem uma personalidade, um costume, um modo de agir e de viver, cada uma já participou de um delito, um crime ou uma contravenção, tendo assim uma história para contar, algum ato para ensinar, um novo modo de se viver. Contudo, os indivíduos, aprendem muitas coisas na prisão e quando termina o tempo da pena a eles imposta, e, a sociedade não os

aceita de forma harmônica os vem como inimigos, desta forma eles sem ter outras alternativas acabam por colocar em pratica o que foi lhes ensinados.

Outrossim, Antonio Garcia -Pablos Y Molina citado por Bitencort (2017, p. 176) “[...] considera-se que o ambiente carcerário, em razão de sua antítese com a comunidade livre, converte-se em meio artificial, antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o recluso,” eis que, verdadeira função da prisão não é a reinclusão ou a ressocialização e sim a estigmatização do ex detento, visto que, com este estigma os ex presidiários tornam-se inimigos da sociedade.

O estigma do ex-presidiário. Característica impressa e perpétua, deixada pela prisão naqueles que tiveram a desventura de penetrar seus portões. Impressão tão odiada e rejeitada quão presente e inseparável daqueles que a receberam e desaprovada por aqueles que com o ex-detento convivem. (SÁ, 1996, p.180).

O estigma significa marca, ou melhor, o ex detento ficará marcado para sempre como inimigo da sociedade. Sendo assim, inicia-se logo após a saída do cárcere uma vida imposta a eles de preconceitos e dificuldades, eis que, não será fácil arrumar emprego, bem como ter uma vida em harmonia com sociedade. Cabe destacar, que a população os enxerga como inimigos, visto que, é isto que imposto pela mídia, ou seja, as violências causadas por estes na prisão, assim como rebeliões, ou até mesmo, quando estes por bons comportamentos adquirem direitos de saírem da prisão para passar uma data festiva com os seus familiares e amigos.

Da mesma forma,

[...] marcado com o estigma de ex-presidiário, mesmo com profissão definida., experiência com emprego formal, situação familiar regular e condição financeira razoável, o ex-detento, na vida livre, necessitará do apoio de um pistolão. Se este não existir ou não surgir, o egresso não terá outra alternativa a não ser a continuidade da prática delinquente (SÁ,1996, p. 180).

Cabe destacar, que conforme já mencionado no presente estudo a grande maioria dos presos são pessoas que possuem no máximo até o segundo grau, ou seja, são indivíduos que não detêm de estudos, bem como de qualificações para um bom ramo de trabalho e, portanto, por algum motivo, tiveram que entrar para o mundo do crime. Não obstante, o Estado não investe na qualificação destes para o

mercado de trabalho, isto é, ao saírem do cárcere se deparam com os mesmos problemas e ainda piores do que os fizeram entrar.

Diante do exposto, o cárcere age simplesmente como punição para o delito praticado, e igualmente, produz como consequência disso, a influência no estigma do ex detento. Da mesma forma, não alcança sua função de reinserção, por tanto pode-se concluir que o mesmo está em crise e necessita ser avaliado, visto que tem fracassado no ideal de reinserção social do apenado.

2.4 O fracasso do ideal de reinserção social do apenado e a função real da