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Chauí (2000, p. 188) nos oferece subsídios para situar a universidade no atual contexto da sociedade capitalista, pautado pela “fragmentação de todas as esferas da vida social”, onde “a idéia de flexibilidade [...] indica a capacidade adaptativa a mudanças contínuas e inesperadas”.

Uma das questões elencadas é como a universidade passa da idéia de instituição social à de organização prestadora de serviços. Para tanto convém discernir entre uma idéia e outra, situando a origem desta diferenciação. Na visão da autora, à fragmentação e desarticulação que se amplia a todas as esferas e dimensões da vida social, nestes tempos de acumulação flexível, se impõe a necessidade de algo que precisa ser restabelecido, reestruturado.

O ethos próprio desta rearticulação é a administração27. É o que faz com que uma instituição social, como a universidade, se transforme numa organização cujo sucesso e eficácia, são avaliados em termos do gerenciamento de recursos e estratégias de desempenho, cuja articulação com os seus pares se dá por meio da competição. Diz respeito à capacidade de adquirir formas diferenciadas para adaptar-se e manter-se no mercado competitivo.

É próprio da organização definir estratégias para a obtenção do objetivo específico que a define, pautada nos princípios administrativos de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito, balizados pelas idéias de eficácia e sucesso.

Não é de sua competência discutir ou questionar seu lugar no interior da luta de classes, sua própria existência ou função. Tudo isso, que é crucial para a universidade, como

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Segundo Chauí (2000, p. 185), “a Escola de Frankfurt mostrou que a idéia de administração” é própria da sociedade capitalista. Quando o capitalismo institui um equivalente universal de troca — a mercadoria dinheiro o mercado passa a ser o “espaço de produção e distribuição de equivalentes. A universalização dos equivalentes faz com que tudo seja equivalente a tudo e é essa homogeneidade que permite introduzir a administração como um conjunto de regras e princípios formais, idênticos para todas as instituições (não há diferença administrativa

instituição social, para a organização, não o é. A instituição social busca definir uma universalidade, no embate entre as classes, que lhe permita responder às contradições impostas pela polarização social. A organização, pelo contrário, prima pela particularidade.

Chiavenato (1983) considera organizações especializadas aquelas criadas especialmente com o objetivo de produzir e aplicar conhecimentos. Podem ser assim identificadas as universidades, as escolas superiores, quase todas as escolas e as organizações de pesquisa, entre outras. Nesta ótica, a universidade entra num processo de competição com outras “organizações com os mesmos objetivos particulares” (CHAUÍ, 2000, p. 187). Aceita ser orgânica a uma das polarizações da divisão social — a classe dominante. Seu objetivo “não é responder às contradições, e sim vencer a competição com seus supostos iguais” (CHAUÍ, 2000, p. 188). A crise de legitimidade não afeta a organização.

Como vimos no primeiro capítulo, as sucessivas mudanças do capital vêm acompanhadas de mudanças na sociedade. Nesse compasso se insere a idéia de universidade como instituição social, versus organização universitária que disputa um lugar no mercado.

Na perspectiva da universidade como organização, Chauí (2000) identifica no Brasil, três etapas sucessivas: a universidade funcional, dos anos 70 do século XX, surge na esteira do nacional-desenvolvimentismo para atender aos anseios de uma classe média, que vislumbra no diploma universitário a possibilidade de mobilidade social. Daí a massificação do ensino vinculada à abertura indiscriminada de cursos superiores, uma universidade voltada aos interesses do mercado de trabalho que estabelece forte vínculo com a Teoria do Capital Humano.

Na década de oitenta, a autora identifica a universidade de resultados com resquícios da etapa anterior, mas trazendo novidades. Tem como características a expansão da rede privada de Educação superior e o surgimento da idéia de parceria entre a universidade

entre uma escola ou uma montadora de veículos ou um shopping center), e é a ação administrativa que transforma uma instituição numa organização”.

pública e as empresas privadas. Os resultados conferidos à universidade eram quantificados pelo vínculo com as empresas, a quem competia assegurar “o emprego futuro” aos egressos dos cursos universitários, estágios remunerados, e o financiamento de pesquisas do seu interesse. A universidade portadora de resultados era legitimada pela utilidade imediata das pesquisas e garantia de empregos.

A universidade dos anos noventa é identificada pela autora, como universidade operacional28, cuja principal característica consiste em estar voltada para si mesma, por ser uma organização, e, como tal, regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível.

A exemplo das empresas que se reestruturam, na busca de produtividade e eficiência, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade que a define como uma organização especializada29.

2.2.1 A universidade no Brasil e a moldura legal

A abordagem sobre universidade funcional, universidade de resultados e universidade operacional (CHAUÍ, 2000) que permeia os encaminhamentos do ensino superior no Brasil, principalmente nas últimas três décadas, tem repercussões tanto na esfera pública quanto na privada, de administração das instituições que oferecem este nível de ensino.

A reforma universitária, que assume características próprias, dependendo do contexto político em que é proposta, já se tornou lugar comum nos programas governamentais

28 Chauí (2000, p. 189) utiliza a expressão de “Michel Freitag”.

29 No artigo “A universidade hoje”, Chauí (2000) aprofunda a análise da universidade operacional,

(MENEZES NETO, 1999). É presença constante ao longo da trajetória histórica da universidade no Brasil, sendo um dos muitos desafios que se impõe ao sistema educacional.

A universidade, tendo como característica primordial a indissossiabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sendo historicamente, por excelência, o locus da educação superior, sofre a influência do aparato legal que a viabiliza. Entretanto, salienta Sampaio (2000, p. 43),

em geral as legislações apenas regulamentam o que já está ocorrendo no ensino superior do País e/ou ainda funcionam como uma resposta retardada às reivindicações dos próprios atores do sistema, [...] formuladas e propostas nos períodos que antecedem as mudanças legais que tendem a incorporá-las.

Desse modo, a própria legislação resulta dos movimentos e reivindicações dos diferentes grupos sociais e legitima o embate nas esferas social, política, econômica e cultural. A autora denomina “moldura legal, o conjunto de leis que regulamentam desde a organização mais geral do sistema — os grandes princípios disciplinares — até o funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior” (SAMPAIO, 2000, p. 118).

Em sua análise, aponta como

principais molduras legais do sistema de ensino superior no País [...]: a Reforma Francisco Campos de 1931 [...]; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 e a Reforma Educacional, Lei nº 5540/68 [...]; a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, decretos-leis, portarias e regulamentações específicas também complementam, nos períodos discriminados, a legislação maior para o ensino superior (SAMPAIO, 2000, p. 115).

Para os interesses deste estudo, acrescentamos as Reformas Rivadávia Corrêa, de 1911, e Carlos Maximiliano, de 1915 (FÁVERO, 2000), por introduzirem a regulamentação da questão do acesso ao ensino superior na legislação brasileira.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 44, focaliza os cursos e programas que constituem a educação superior, dos quais nosso destaque é o inciso II, que trata dos cursos “de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo” (Lei nº 9.394/96).

Quanto ao local de realização, o artigo 45 da mesma Lei prevê: “A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização”. Abre-se um leque para a própria organização das Instituições de Ensino Superior (IES) que podem ser universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores (RANIERI, 2000). Do ponto de vista legal, o princípio indissociável entre ensino, pesquisa e extensão, próprios da universidade, deixa de ser o ideal a ser perseguido, e o ensino isolado, que sempre foi maioria, não é mais a exceção agora inclusive na legislação.

A atual moldura legal favorece o fortalecimento da universidade operacional e traz à baila elementos que podem indicar uma crise institucional da universidade brasileira.