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Ao considerar a qualidade no ensino secundário como um dos aspectos a serem levados em conta pelas Instituições de Educação Superior, na definição de suas políticas de acesso, Sousa (1995) indaga sobre quais indicadores devem ser utilizados para que se considere a qualidade de ensino na escola secundária como um dos fatores para o ingresso aos estudos superiores.

Esta é uma das idéias amplamente discutidas nos fóruns de debate que se instalaram no âmbito da ACAFE, na construção do projeto que redundou no SAEM, conforme se pode concluir na análise dos documentos, referidos no capítulo anterior. O próprio autor em alguns momentos esteve na coordenação dos trabalhos na Câmara de Ensino de Graduação.

A partir deste vínculo que uma política de acesso à educação superior estabelece com o nível de ensino precedente (SAMPAIO, 2000; FORGRAD, 1999) e tentando fazer uma síntese do SAEM na perspectiva de seus objetivos — de avaliar o ensino médio através do desempenho do aluno, e que o resultado deste desempenho possibilite a este aluno ingressar no nível superior, sem passar por outro processo de seleção — estaríamos remetendo à análise de Mendonça (2000) em que a autora explicita a desarticulação entre os níveis médio e superior de ensino e aponta este fator como a origem do vestibular.

Ao analisar o acesso ao ensino superior no Brasil, frente aos aspectos históricos apontados no capítulo II, as alternativas que surgem para desestabilizar a forma histórica que se consolidou, apontam para a articulação entre os níveis de ensino. Ao estender uma

avaliação ao final de cada série do ensino médio, com o objetivo de avaliar este nível de ensino e, ao mesmo tempo, selecionar para os cursos de graduação, o SAEM traz à tona antigas discussões que remontam às próprias origens do ensino secundário, a sua função e à relação com o ensino superior (AMADO, 1973; BUENO, 2000).

Este vínculo é colocado em causa quando se considera a atual perspectiva para o ensino médio, presente na fala oficial, e legitimada pelos dispositivos legais. A partir do exposto e de algumas contribuições de nossos entrevistados, parece haver interesses conflitantes quanto à relação entre o ensino secundário e o superior. Segundo a norma legal — leis, diretrizes, parâmetros curriculares e pareceres —, o objetivo do ensino médio não se resume em preparar o aluno para ingressar na universidade.

O compromisso do ensino médio, nos moldes atuais, é que ao final da educação básica, o aluno tenha adquirido habilidades e competências que o qualifiquem para sair-se bem em qualquer trajetória que resolva imprimir à sua vida. E, se for do seu interesse, que possa, inclusive, optar por um curso universitário, se assim o desejar — por isso, também, a máxima de aprender a aprender. Ou seja: que o aluno egresso da educação básica tenha adquirido competências que o qualifiquem para interagir num mundo que se transforma, em que as informações e conhecimentos estão sempre se renovando.

O nó a ser desatado, estaria no fato de que a passagem ao nível superior de ensino fosse o resultado de um processo que já teve início nos níveis anteriores, ou seja, na educação básica, e que ao aluno fosse facultado ingressar nessa outra etapa de formação, que é a educação superior, se fosse do seu interesse, o que nos leva a indagar: como o SAEM se situa nesta desarticulação que é pedagógico-institucional e social? Pois alternativa de acesso ao ensino superior pressupõe ruptura entre os níveis médio e superior de ensino e pressupõe que o nível superior não está disponível a todos.

Não compete a este estudo de caso esgotar a questão da articulação ou desarticulação entre a educação superior e os níveis de ensino que a precedem. Reside aí um amplo campo para pesquisas, remetendo aos primórdios do ensino superior e secundário no Brasil, sendo fonte de intensos e controvertidos debates. O que pretendemos é salientar este aspecto que está no entrelaçamento desencadeado por universidades públicas e privadas ou por instituições vinculadas ao ensino superior, em vários estados do Brasil, através dos programas por nós referidos no capítulo II de onde destacamos o caso do SAEM.

A contribuição de um dos nossos entrevistados é bastante elucidativa no que concerne à relação entre os vários níveis de ensino:

O que se observa é um distanciamento muito grande da universidade com o ensino médio. Um distanciamento que tem razões que são históricas. O ensino superior no Brasil, não nasce da evolução do ensino, de um processo educativo, visto em toda a sua inteireza que vai desde o pré-escolar, ao primário, secundário, fundamental hoje, até a pós-graduação. Mas que trata esses diferentes níveis como questões estanques.

Sampaio (2000) refere-se ao efeito imediato que tem sobre o ensino superior, o que ocorre no nível que o precede, ou seja, sobre o comportamento de todo o sistema educacional. Aqui surge uma questão que merece ser melhor ser explicitada: Como o sistema de ensino superior é afetado pelo ensino médio, se historicamente é sabido que o vestibular vem dimensionando o que deve ou não deve ser ensinado no ensino secundário? Por conta disso, as exigências para ingressar na educação superior acabam interferindo nos rumos do ensino médio e fundamental, que, por sua vez, acabam não efetivando sua missão (VASCONCELLOS, 1998), cuja competência precisa ser suprida pelos cursinhos pré- vestibulares ou terceirões (GUIMARÃES, 1984; SOARES, 2002; BIANCHETTI, 1996).

O sistema de ensino superior pode ser afetado em princípio de duas formas: pela quantidade de egressos do ensino médio, seja na forma regular ou supletiva, caracterizando a demanda por vagas no ensino superior, e pela qualidade acadêmica desta demanda que vai

interferir no desempenho acadêmico ao longo do curso de graduação. Por outro lado, porém, do papel que se destina à instituição de educação superior vai depender sua política na definição dos processos seletivos e a relação destes com a educação básica (FORGRAD, 1999).

Ao considerarmos que o SAEM, como processo que seleciona para o ensino superior, ao mesmo tempo propõe avaliar o ensino médio, um aspecto a ser evidenciado diz respeito à legislação que normatiza a etapa final da educação básica83, principalmente a Lei nº 9394/96 de Diretrizes e Bases, e Diretrizes Curriculares Nacionais, que preconiza a “fexibilização da organização curricular das escolas”84, cuja decorrência, no Estado de Santa Catarina, onde se insere o SAEM, são as alterações nas matrizes curriculares que estão se efetivando no decorrer de 2002. Isto torna mais problemática a aplicação de instrumentos avaliativos, no que concerne ao ensino médio, a partir de um currículo comum, pré-definido com o objetivo de medir ou quantificar o conhecimento adquirido pelo aluno, visando a classificá-lo para preencher vagas no ensino superior.

A respeito dos processos seletivos para o ingresso nos cursos de graduação, que se estendem ao longo do ensino médio, a exemplo do SAEM em Santa Catarina, uma das ressalvas é o argumento percebido em algumas das entrevistas, sobre o fato de tentarem moldar o ensino médio aos conteúdos dos processos avaliativos, contrariando as estratégias das Coordenadorias Nacional e Estaduais de Ensino Médio que pretendem imprimir uma proposta pedagógica voltada à formação básica, menos preocupada com a preparação meramente conteudista, que tenha como único objetivo encaminhar para o vestibular tradicional ou seriado. É como se, de alguma forma, a universidade, por meio de suas comissões de vestibular, ou do SAEM, estivesse tentando dizer à escola quais conhecimentos devem ser priorizados, impondo conteúdos através dos programas das provas etc.

83 Seus egressos constituem os candidatos às vagas para o ensino superior. 84

Contra-argumentando, um dos entrevistados vinculados à ACAFE pondera: “Pelo contrário, nós buscamos da Secretaria os programas para montarmos as nossas provas em cima dos conteúdos ensinados [...] até mesmo para facilitar essa integração e para que não haja essa desassociação entre o solicitado e o ensinado”.

A partir das idéias acima expostas, poder-se-ia esperar que uma aproximação entre os atores sociais envolvidos no SAEM pudesse ser intensificada, o que seria possível através de um intercâmbio que envolvesse as escolas, as coordenadorias regionais de educação e as instituições de educação superior das regiões. Um dos aspectos seria levar em conta a flexibilização curricular preconizada, que, se não for observada, pode incorrer na situação prevista de maneira contundente por um de nossos entrevistados:

Nesse caso, o exame seriado constitui um perigosíssimo obstáculo às mudanças nas escolas e um pernicioso estímulo a que prossigam adotando estratégias inflexíveis e alheias às necessidades de aprendizagem dos alunos, necessidades essas que deveriam ser ditadas pelos imperativos sociais e culturais e não pelas decisões centralizadas de comissões de especialistas.

Com isso, poder-se-ia tentar uma aproximação entre as escolas de ensino médio, suas mantenedoras e a universidade no sentido de romper com a desarticulação entre os níveis de ensino, como também poderia ser melhor operacionalizado o objetivo do SAEM de gerar informações, do interesse das escolas.