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Secção II – Argumentação e educação em ciência

2.8 O papel das tarefas, das atividades, dos alunos e do professor em aulas

argumentação

No contexto deste trabalho, consideramos tarefa, “um enunciado que convida um sujeito a desenvolver uma atividade mental e/ou manual tendo em vista a aprendizagem” (Lopes, 2004, p. 210). Segundo o mesmo autor, a tarefa consiste no trabalho proposto pelo professor para ser executado e que desencadeia e organiza a ação do aluno. A atividade é um elemento nuclear do processo de ensino relacionada com a concretização prática do trabalho escolar realizado em aula e que consiste em “caminhos ordenados e sequenciados que se realizam com os alunos para conseguir a aprendizagem” (Travé, & Cuenca, 2000, p. 71).

Os processos de ensino e de aprendizagem tradicionais, em que predomina a atividade de exposição, recorrendo, essencialmente, a um discurso monológico, em o aluno é visto como consumidor de conhecimento, não são propiciadores do desenvolvimento da argumentação. Segundo McDonald e Kelly (2012), um ambiente de aprendizagem que favorece a argumentação científica depende de fatores como a perspetiva que os alunos têm acerca do objetivo das tarefas que lhes são propostas, os objetivos pessoais e interpessoais dos participantes, a dinâmica do grupo, o auditório a quem os argumentos se dirigem, o conhecimento necessário e envolvido no processo de argumentação e as normas comunicacionais estabelecidas para falar, ouvir e interagir.

Em seguida, centramos a exposição em três eixos a considerar na construção de uma ecologia intelectual (Toulmin, citado em Jimenéz-Aleixandre, 2010), promotora do desenvolvimento de argumentação em aulas de ciências. A seleção desses eixos teve em

conta que a “ecologia [intelectual] compreende dimensões pedagógicas, como as estratégias dos professores; cognitivas, a forma como os alunos percebem o seu papel no processo de aprendizagem; comunicativas e sociais” (Jiménez-Aleixandre, 2010, p. 158). Assim, iremos focar-nos: (1) nas tarefas e tipologia das atividades e no papel que deve ser assumido (2) pelos alunos e (3) pelo professor em contextos educativos específicos de práticas de argumentação científica.

De acordo com Andriessen e Schwarz (2009), a argumentação científica raramente ocorre no contexto educativo formal e, quando tal sucede, é difícil sustentá-la durante um período de tempo razoável. Daí que haja a necessidade de construir, propositadamente para esse fim, tarefas em que seja expectável que os alunos se envolvam na argumentação. Aqueles investigadores propõem o conceito de ‘desenho argumentativo’ (argumentative design) para designarem “o desenho, pelo professor, investigador ou educador, de situações colaborativas em contextos educativos, nas quais os participantes assumam uma argumentação produtiva ou a exploração do espaço dialógico” (Andriesen, & Schwarz, 2009, p. 146). Para que esses contextos se tornem mais fecundos, os professores devem recorrer a assuntos com algum grau de discutibilidade (Chiaro, & Leitão, 2005; Mirza, Perret-Clermont, Tartas, & Iannaccone, 2009), pois dessa forma será incentivada a troca de pontos de vista entre os participantes.

Do que se acaba de expor, depreende-se que as tarefas cuja execução pressuponha uma resposta única aceitável, em que a probabilidade de se gerarem diferenças ou apresentarem interpretações teóricas alternativas seja (quase) nula, dificilmente serão impulsionadoras da argumentação científica. São tarefas fechadas, que exigem pouca reflexão, de cariz, essencialmente, reprodutivo de conhecimentos ou ilustrativo de princípios científicos, coerentes com um paradigma de ensino centrado no professor (Newton, Driver, & Osborne, 1999). Assim, as tarefas mais adequadas para os alunos se envolverem na argumentação científica devem: (1) ser motivadoras e estimular a discussão; (2) incluir dados ou fontes de informação que possam ser usadas como provas na construção e avaliação de argumentos; (3) possibilitar a emergência de posições alternativas; (4) prever uma solução não óbvia; (5) ser exequíveis para os professores (Simon, Richardson, & Amos, 2012). Outros autores, como Jiménez-Aleixandre (2010), destacam a necessidade dessas tarefas partirem de perguntas abertas que favoreçam e tornem explícito o uso de provas, como forma de justificar as explicações ou opções

tomadas, evitando estabelecer como válida uma simples opinião (Jiménez-Aleixandre, & Puig, 2012).

Têm sido várias as tipologias de atividades apontadas como fomentadoras da argumentação científica. Em seguida, fazemos referência às mais focadas em artigos que se debruçam sobre este campo de investigação (Andriessen, & Schwarz, 2009; Berland, & Reiser, 2010; Duschl, & Osborne, 2002; Jiménez-Aleixandre, 2008, 2010; Simon, & Richardson, 2009; Simon, Richardson, & Amos, 2012; Teixeira, 2005):

(1) Trabalho de investigação – destacam-se, em particular, aqueles que partem de perguntas abertas e autênticas, em que os alunos, trabalhando em pequenos grupos, têm que desenhar planos de investigação e/ou elaborar e testar hipóteses, construir protocolos experimentais, confrontar resultados e previsões, enunciar conclusões a partir de provas. Segundo Andriessen e Schwarz (2009), o diálogo, neste tipo de atividades, é necessário para resolver conflitos, uma vez que os alunos deverão alcançar consensos no processo de resolução de problemas em que se envolvem;

(2) Teorias concorrentes – apresentação de duas ou mais teorias explicativas de um determinado fenómeno natural, seguindo-se a análise e avaliação de provas que possam apoiar todas, uma ou nenhuma das perspetivas em discussão. Aos alunos é solicitado que tenham em conta as diferentes provas e que avaliem o seu papel e significado no contexto das teorias em análise;

(3) Prever-Observar-Explicar (POE) – neste tipo de atividade, os alunos são confrontados com uma questão ou problema relacionado com um determinado fenómeno natural, passível de reproduzir em laboratório ou no campo, sendo-lhes solicitado para efetuar previsões de resultados. Pretende-se que os alunos exponham as suas ideias acerca do fenómeno e que as suas previsões sejam analisadas e discutidas. A fase de argumentação decorre da necessidade de justificar as previsões avançadas pelos alunos. Os alunos deverão executar a experiência, observar e registar os resultados e reformular ou consolidar as suas ideias ao redigirem a explicação final do fenómeno observado. O ato de explicar mobiliza o raciocínio através do recurso a garantias e fundamentos, ao justificar o uso de provas na sustentação da conclusão;

(4) Concept cartoon – partindo de uma pergunta central que remete para um dado fenómeno natural relacionado com o quotidiano, é apresentada uma imagem que inclui a apresentação visual do fenómeno em causa e um número diversificado de

indivíduos expondo diferentes posicionamentos, aos quais se atribui estatuto idêntico, que pretendem explicar ou justificar esse acontecimento científico. Por norma, a explicação ou justificação cientificamente aceite é veiculada através de uma dessas ideias. A finalidade desta atividade é explorar conceções alternativas dos alunos e que eles possam argumentar acerca das várias ideias apresentadas, selecionando aquela com que mais se identificam e que, na sua perspetiva, permite explicar, de forma adequada, o acontecimento em análise (Naylor, Keogh, & Mitchell, 2000). Durante essa análise, o modelo cientificamente aceite deverá ser tendencialmente o selecionado pela turma, tendo em conta as provas que o sustentam.

Ainda que tenhamos dado particular destaque a algumas atividades, outras podem permitir o desenvolvimento da argumentação. Estão neste caso, a elaboração de mapas conceptuais, a realização de debates ou discussões orais em torno de questões ou assuntos de natureza sociocientífica ou a discussão de textos que apresentam argumentos contraditórios acerca de um dado tema científico. Nos diferentes tipos de atividades referidos há uma dimensão comum: o que se pretende é centrar nos alunos o processo de ensino, dando-lhes a oportunidade de explorar ideias, recolher e usar provas para apoiar essas ideias e levá-los a justificar as suas decisões. Daí que o papel que os alunos devem assumir em aulas fomentadoras da argumentação científica não se coaduna com a passividade que lhes é atribuída num contexto tradicional de ensino e de aprendizagem. De acordo com Jiménez-Aleixandre (2010), “isto significa que para desenvolver competências argumentativas, por exemplo relacionar uma conclusão com as provas que a sustentam, o seu papel na aula tem que solicitar essas competências. Não podem limitar- se a escutar e responder brevemente a perguntas fechadas” (p. 163).

Uma das finalidades da educação científica é a enculturação dos alunos em práticas epistémicas, isto é, que se apropriem de práticas que promovam a elaboração, a comunicação e a avaliação de conhecimento (Kelly, 2008). Segundo este autor, as práticas epistémicas correspondem a processos que uma dada comunidade utiliza para propor, justificar, avaliar e legitimar conhecimento no âmbito de uma dada área de conhecimento. Consideramos, assim, que permitir que os alunos desenvolvam práticas epistémicas é dar- lhes a oportunidade de construir uma nova visão acerca da natureza do conhecimento científico e do papel ativo que podem desempenhar enquanto construtores de saberes e

não somente a de meros consumidores de informação produzida por outros (Jiménez- Aleixandre, 2008, 2010).

A argumentação pode ser enquadrada nas práticas epistémicas por desempenhar um papel essencial na avaliação do conhecimento. E é nesta perspetiva que ela deve assumir um lugar central na aprendizagem das ciências pois

aprender ciências implica não só construir modelos conceptuais mas, também, desenvolver ou apropriar-se de práticas específicas do trabalho científico. Que práticas são essas? Não uma série de “passos” fixos do denominado método científico mas formas de trabalhar da comunidade científica (Jiménez-Aleixandre, 2010, p. 43).

A autora, na linha do já referido, associa as práticas do trabalho científico aos processos de produção, comunicação e avaliação do conhecimento, justapondo-as ao conceito de práticas epistémicas. De entre elas, dá particular ênfase à avaliação do conhecimento com base em provas disponíveis, que associa ao conceito de argumentação:

a aprendizagem das ciências inclui uma aprendizagem epistémica, em que uma característica essencial é a apropriação de critérios para a avaliação de saberes e dos métodos científicos. Noutros termos, os objetivos do ensino das ciências não são apenas a construção de conceitos, de abordagens experimentais ou de atitudes, mas igualmente a apropriação, pelos alunos, de critérios que tornam os conhecimentos aceitáveis pela comunidade científica e de processos de avaliação, operacionalizados por meio desses critérios, estando estes dois objetivos em relação com a natureza do conhecimento científico (Jiménez-Aleixandre, & Díaz, 2008, p. 43).

Têm surgido, nos últimos anos, vários trabalhos que têm procurado elencar as práticas epistémicas em que os alunos se envolvem durante as aulas de ciências, organizando-as em categorias (Araújo, 2008; Jiménez-Aleixandre, & Díaz, 2008; Jiménez-Aleixandre, Mortimer, Silva, & Díaz, 2008; Lima-Tavares, 2009; Silva, & Mortimer, 2009). O sistema de categorias desenvolvido por Lima-Tavares baseia-se, fundamentalmente, no trabalho de Araújo (2008), que partiu da proposta efetuada por Jiménez-Aleixandre e colaboradores (2008). Naquele sistema, as práticas epistémicas são agrupadas nas três práticas sociais relacionadas com o conhecimento, definidas por Kelly (2008): produção, comunicação e avaliação do conhecimento. Para cada uma destas práticas sociais, os autores citados desenvolveram um sistema de classificação (Lima-Tavares, 2009).

A fim de clarificarmos o significado atribuído a cada uma das práticas epistémicas, diretamente relacionadas com o papel a desempenhar pelos alunos nas aulas, apresentamos a caracterização das atividades sociais e as práticas a elas associadas,

conforme descritas no trabalho de Lima-Tavares (2009). Iniciamos essa clarificação pelas práticas associadas à produção de conhecimento (Tabela 4).

Tabela 4

Práticas epistémicas relacionadas com a produção do conhecimento (adaptado de Lima-Tavares, 2009)

Produção do conhecimento

Ações discursivas dos alunos, que contemplam desde a formulação do problema até à sua finalização, com a conclusão

Problematizar

O aluno constrói um problema/questão relativa ao tema de estudo ou retoma um problema/questão proposta pela professora. Pode configurar-se como motivação para iniciar uma discussão.

Elaborar hipóteses O aluno formula alternativas de resposta ao problema ou questão. Planear uma investigação O aluno traça estratégias para investigar e solucionar o

problema/questão.

Construir dados Ações discursivas do aluno quando envolvido no processo de construção ou de recolha de dados.

Utilizar conceitos para interpretar dados

O aluno mobiliza conceitos apropriados para interpretar os dados recolhidos.

Articular conhecimento observacional e conceptual

O aluno explicita diretamente a relação entre conceitos e observações (experiências, gráficos, tabelas, esquemas)

Lidar com situações anómalas ou problemáticas

O aluno depara-se com situações inesperadas ou lida com um problema novo, para o qual não consegue elaborar hipóteses, nem encontrar soluções.

Considerar diferentes fontes de dados

O aluno recorre a dados diferentes dos que estão a ser trabalhados no momento, para solucionar o problema em discussão.

Verificar a compreensão O aluno retoma assunto já discutido previamente para constatar se a informação foi devidamente apropriada.

Concluir O aluno finaliza um problema/questão proposta.

Como se depreende da leitura da tabela anterior, a maioria das práticas epistémicas descritas contemplam processos relativos à investigação, como a problematização, a elaboração de hipóteses ou a interpretação de dados, entre outras. Em seguida, caracterizamos as práticas relacionadas com a comunicação do conhecimento (Tabela 5). Tabela 5

Práticas epistémicas relacionadas com a comunicação do conhecimento (adaptado de Lima-Tavares, 2009)

Comunicação do conhecimento

Ações discursivas dos alunos, que contemplam a apresentação, pelos alunos, de conhecimentos da ciência ou das suas perspetivas sobre esses conhecimentos

Apresentar ideias (opiniões) próprias

O aluno comunica uma opinião ou ideias suas.

Negociar explicações O aluno negoceia uma explicação plausível. Está, geralmente, associada à formalização de uma resposta final.

Usar linguagem representacional

O aluno recorre a simbologia ou linguagem representacional para divulgar as suas ideias.

Por fim, segue a descrição das práticas relacionadas com a avaliação do conhecimento, que são consideradas as que mais diretamente apelam à mobilização da argumentação científica, enquanto processo de avaliação de enunciados científicos (Tabela 6).

Tabela 6

Práticas epistémicas relacionadas com a avaliação do conhecimento (adaptado de Lima-Tavares, 2009)

Avaliação do conhecimento

Ações discursivas dos alunos, que colocam em dúvida a validade de um conhecimento ou estendem o seu alcance ou se contrapõem a ele, ou o criticam, ou confrontam dados com teorias.

Complementar ideias O aluno complementa uma ideia anterior.

Contrapor ideias O aluno discorda do que foi dito anteriormente e propõe uma ideia distinta.

Criticar outras declarações

O aluno critica, de forma explícita, algo que foi dito anteriormente ou apresenta e critica uma ideia. A crítica não determina uma discordância do que foi enunciado e se existir discordância, ela nem sempre é total.

Usar dados para avaliar teorias O aluno coordena dados com enunciados teóricos. Avaliar a consistência dos

dados

O aluno verifica se os dados são coerentes com as teorias.

Alguns autores como Araújo (2008) têm afirmado a dificuldade em categorizar o papel desempenhado pelos alunos em aula, segundo as categorias apresentadas, pois na classificação anterior, algumas categorias podem sobrepor-se. Assim, a autora apercebeu- se que, com frequência, quando um aluno está a comunicar conhecimento, está, simultaneamente, a desenvolvê-lo ou a avaliá-lo. A identificação das categorias é facilitada em determinadas dinâmicas de aula. Assim, para Lima-Tavares (2009), em aulas em que os alunos se envolvem em atividades de investigação é mais imediata a identificação das práticas epistémicas; por outro lado, em aulas mais expositivas, essas práticas são menos diferenciadas pelo que a sua identificação pode ficar mais comprometida.

Jiménez-Aleixandre (2008) refere que o contexto argumentativo exige que os alunos desempenhem vários dos seguintes papéis, que podemos vincular às práticas epistémicas descritas anteriormente:

(1) construir produtos ou respostas a problemas ou questões, sob a forma de propostas, enunciados, soluções de desenhos experimentais ou artefactos;

(2) selecionar entre duas ou mais explicações concorrentes ou teorias acerca de um fenómeno;

(3) sustentar as suas escolhas ou enunciados com provas: selecionar dados, empíricos ou hipotéticos, apropriados para apoiar os seus enunciados; examinar provas

experimentais à luz de previsões anteriores; basear-se nos seus conhecimentos para gerar justificações e articular razões para sustentar um enunciado;

(4) desenvolver competências de avaliação do conhecimento, usar critérios para distinguir argumentos ‘bons’ e ‘maus’ argumentos;

(5) falar e escrever ciência: discutir percursos investigativos para resolver problemas; formular hipóteses e desenhar experiências para as testar; produzir artigos de investigação;

(6) persuadir outros ou alcançar acordos, com os seus pares sobre problemas ou questões de índole (socio)científica.

Em síntese, a referida autora afirma que “em contextos argumentativos, os alunos são produtores ativos de enunciados de conhecimento justificados e críticos eficazes dos enunciados dos outros” (Jiménez-Aleixandre, 2008, p. 98). Para facilitar a construção deste tipo de contextos, vários autores defendem que os alunos devem desenvolver trabalho em pequenos grupos, para possibilitar a partilha, a troca de opiniões e para lhes dar voz na resolução de problemas (Bonals, 2000; Osborne, 2012; Simon, Erduran, & Osborne, 2006). Isto contribuirá para o desenvolvimento de epistemologias pessoais, mais próxima de uma orientação avaliativa (Kuhn, 1999; McDonald, & McRobbie, 2012) em que a ciência em vez de ser percebida como um conjunto de factos e princípios a serem memorizados e não sujeitos a alterações (Kuhn, & Reiser, 2006), será reconceptualizada em direção a uma visão mais atual, de cariz pós-positivista, na qual a argumentação tem lugar destacado, no processo de construção do conhecimento. Contudo, para que os alunos desempenhem papéis mais ativos e coerentes com o desenvolvimento de competências de argumentação, é preciso que sintam necessidade de alterar as normas que regulam as práticas mais tradicionais (Kuhn, & Reiser, 2006) ou, seja, que sejam modificadas as regras do contrato didático que regulam o funcionamento das aulas (Brosseau, 1988; Schubauer- Leoni, 1986). Para aqueles autores,

as normas da nova prática têm que fazer sentido no contexto da aula. Por exemplo, os objetivos das aulas tradicionais encorajam os alunos a demonstrar o domínio individual em relação ao saber do professor. Isto não necessita nem motiva os alunos para se envolverem com as ideias dos outros. Assim, a fim de promover a argumentação, devemos criar uma necessidade para os alunos irem além dessa demonstração de conhecimento, a fim de considerarem os enunciados e provas uns dos outros (Kuhn, & Reiser, 2006, p. 18).

Segundo Mirza, Perret-Clermont, Tartas e Iannacone (2009), a imagem que construímos dos outros tem uma função essencial na regulação das dinâmicas argumentativas. Assim, “o papel do professor (e as suas representações dos processos de aprendizagem) pode modificar profundamente a forma que a comunicação assume e, assim, modificar as dinâmicas da argumentação” (pp. 78-79).

O professor, num contexto argumentativo, longe de ser o habitual transmissor de conhecimentos, deve, antes, exercer o papel de facilitador das aprendizagens, de guia e orientador do trabalho a desenvolver pelos alunos. As salas de aula são autênticas comunidades de prática (Lave, & Wenger, 1991), em que o professor deve procurar orientar o trabalho a desenvolver e deve assumir-se como agente questionador que promove uma reflexão crítica acerca das opções tomadas pelos alunos. Desta forma, a aprendizagem é vista como processo de participação social, em que o professor desempenha, numa abordagem vygotskyana, o papel de par mais competente, apoiando os alunos durante as atividades que executam e promove a sua autonomia e responsabilidade. Assim, “As aulas argumentativas são um tipo de aulas que adotam uma perspetiva construtivista, constituem comunidades de aprendizagem e de pensamento, nas quais são características as práticas de avaliação do conhecimento” (Jiménez- Aleixandre, 2010, p. 166). Esta investigadora destaca vários papéis a desempenhar pelo professor, num contexto educativo promotor da argumentação (Jiménez-Aleixandre, 2008, 2010):

(1) atuar como modelo e orientar a investigação dos alunos, ou seja, o professor investiga, pergunta, usa provas, debate, fala e escreve ciências, desempenhando as atividades que, desejavelmente, os alunos devem vir a realizar;

(2) promover o uso de provas pelos alunos, quer através de tarefas em que seja solicitada a justificação de explicações ou de opções, mediante perguntas abertas que levem os alunos a explicitá-las. Por exemplo, o professor pode dirigir as seguintes perguntas aos alunos: ‘Porque pensas isso?’, ‘Como é que sabes?’

(3) partilhar, com os alunos, os objetivos de aprendizagem, os critérios de seleção de explicações ou opções, ou seja, os critérios para avaliar as próprias provas e para construir argumentos de qualidade;

(4) encorajar a reflexão dos alunos acerca das suas posições, da alteração nos seus posicionamentos em consequência das aprendizagens realizadas e acerca das razões que subjazem a essas mudanças.

Estes papéis estão interrelacionados pelo que não são independentes uns dos outros. Assim, enquanto modela e orienta a investigação realizada pelos alunos, o professor encoraja o uso de provas, o uso de critérios para seleção e avaliação de provas e promove a reflexão dos alunos.

Como reconhecem alguns investigadores (Jiménez-Aleixandre, 2010; Santos, Mortimer, & Scott, 2001), a intervenção pedagógica dos professores assume particular importância em contextos de ensino e aprendizagem promotores do desenvolvimento da argumentação científica. Desta forma, parece-nos importar apontar algumas perspetivas teóricas no contexto do desenvolvimento profissional dos professores, procurando relacioná-las com o campo de estudo deste trabalho.

Secção III – Argumentação e desenvolvimento pessoal e

profissional de professores

Segundo alguns autores, os professores não possuem experiência e confiança