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Deste modo, com o MZEE/PA o governo do estado do Pará previa um uso mais intensivo da região de Itaituba, especialmente da área do entorno da rodovia BR-163, algo bem diferente do que o governo federal estava propondo com a Medida Provisória Nº 239/2005. Em entrevista a um jornal local, o então titular da SECTAM/PA destacou:

Nós estamos conseguindo conquistar a aceitação do ZEE como base para transformar isso em desenvolvimento. Nós não podemos inviabilizar o Estado do Pará. Nós temos que transformar o Pará num estado rico, porque isso é que preserva o meio ambiente. Entendemos que a preservação ambiental é incompatível com a pobreza, com a desigualdade. Portanto, nós temos que mudar o sistema de sustentação dos homens que estão aqui, para evitar que ele dilacere o meio ambiente (Gabriel Guerreiro, Secretário da SECTAM/PA – Jornal do Comércio, Itaituba, 1 de outubro de 2005).

Contudo, o governo federal se manifestou contrário a essa proposição, alegando que o MZEE era um conjunto de macrodiretrizes que, por adotar uma escala tão ampla, precisava de ajustes e ou aprimoramentos em um nível mais detalhado, sobretudo em microrregiões como o Oeste do Pará. Além disso, embasa sua posição destacando que cabe a União decidir em prol do interesse nacional:

De acordo com as informações fornecidas pelo INCRA, a maioria das terras na região da ALAP é pública, e pertence à União. Cabe, portanto, à União decidir sua destinação da maneira que melhor convier aos interesses nacionais, em total obediência ao art. 225, § 4º da Constituição Federal, que dispõe ser a Floresta Amazônica brasileira patrimônio nacional, devendo sua utilização ocorrer na forma da lei e dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Assim, as diretrizes do MZEE devem ser consideradas, mas não vinculam o Poder Executivo Federal ao seu total cumprimento no que se refere à destinação de terras públicas federais. Vale destacar que o Decreto Presidencial que instituiu a ALAP, no entorno da BR-163, no Estado do Pará, menciona explicitamente ser o objetivo da limitação administrativa provisória a futura criação de unidades de conservação (MMA, 2005, p. 03).

Essa questão criou um conflito entre os governos estadual e federal, motivando o debate sobre possíveis represálias do governo federal ao governo do Pará pelo fato destes serem de partidos políticos49 diferentes e, opositores históricos, tal como pode ser evidenciado nas palavras do Secretario de Agricultura do Pará:

O secretário de Agricultura do Estado do Pará, Wandenkolk Gonçalves, considera a medida “absurda”. “A legislação existente já é suficiente”, declarou. Ele também acusou o governo de não ter respeitado o acordo feito com o governador Simão Jatene, de esperar o zoneamento agrícola e ecológico do Estado, cuja lei será sancionada hoje. “O governo do Pará trabalha há dois anos no macrozoneamento da região, mas, para nossa surpresa, neste período, o Pará é governado por “soluços” do

49Na época, o governo do estado do Pará era administrado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)

governo Lula. Será que é por que não somos do partido dele?”, especulou (O LIBERAL, jun. 2005).

Além disso, vale destacar que estes fatos evidenciam claramente a tendência adotada pelo Estado no estabelecimento de sua estratégia de conservação baseada em UC, a qual ocorre “de cima para baixo” com uma supervalorização dos interesses nacionais/internacionais em detrimento dos interesses locais/regionais, com forme (BENNATI, 1999; DIEGUES; NOGARA, 2005; LEUZINGER, 2009; NAUTIYAL, 2011), o que tende a diminuir a aceitação local dessas políticas e dificultar sua própria implementação.

b) Conflitos com o poder público e a sociedade local

Com argumentos de que as UC constituiriam barreiras ao desenvolvimento da região, o poder público e instituições produtivas locais, tais como Sindicato dos Produtores Rurais, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Sindicatos de Mineradores, Associações de Mineradores, Empresas de Mineração e outras, destacaram sua oposição à criação das UC por entenderem que elas limitariam a realização das atividades produtivas locais, tanto as relacionadas ao garimpo como a agropecuária (Fotografia1):

O dia seguinte com relação a Itaituba é preocupante. São milhares de garimpeiros, milhares de agricultores que do dia para a noite podem se tornar ilegais. A gente prevê que, dessa forma, o Estado do Pará vai ficar engessado, o que vai gerar uma grande crise social e econômica, sem precedentes. As propostas do governo são muito bonitas quando estão colocadas no papel, mas transformar isso em ações é outra coisa. (Vereador César Aguiar – Jornal do Comércio, Itaituba, 1 de outubro de 2005)

Em meio às rejeições pela proposta de criação das UC, ganhou apoio o MZZE/PA proposto pelo governo do estado do Pará, uma vez que o mesmo abria possibilidade de uso de uma maior extensão do território ao longo da BR-163 (Fotografia 2). Além de que, na concepção e argumento do governo do estado, com o MZEE/PA era possível que nas áreas de consolidação a reserva legal fosse reduzida para 50%, contra os 80% das demais áreas da Amazônia.

Para confrontar a proposta do governo, destacaram a falta de políticas públicas federais na região, bem como as mudanças rápidas ocorridas nas políticas do Estado que ora incentivam a ocupação da Amazônia e ora propõem sua proteção:

A lei federal que cria as reservas não é vista como uma forma de preservar a natureza, mas como uma forma de acabar com a vida humana nesta região. A situação que muito já foi discutida pouco foi defendida pelos homens do poder. A falta de representantes políticos no Congresso Nacional facilitou que o governo engolisse essa região sem pensar no que estaria protegendo. A mata, os pássaros, os rios, os seres irracionais, todos foram preservados mais que a vida humana. Por conta disso o ser racional virou objeto apenas de denúncias de está degradando a natureza. Nunca nenhum governo federal, estadual ou municipal, se preocupou em trazer para a região fontes de sobrevivência de forma digna para os moradores desse pequeno pedaço do Brasil. E as consequências dessa falta de interesse, de tentar mudar o meio de vida das pessoas que hoje somam em milhares motivados pelo próprio governo federal para se deslocarem para a região em busca de vida melhor, agora estão ainda mais na miséria. Não tem emprego e nem renda para uma sobrevivência digna de todo cidadão que se apaixonou pela incerteza acreditando num futuro melhor. O processo de migração se intensificou com a contínua chegada de nordestino, atraídos pela abundância de terras agrícolas. Plano que apenas não saiu do papel. Mesmo assim nova leva de migrantes começou a chegar, desta vez vindos do sul e do sudeste, na esperança de fazer da pecuária e da agricultura a fonte principal de economia da região. Porém com o passar dos anos achou-se que economia da região estava estabilizada com a expansão das serrarias e a exploração dos garimpos que abundam em toda a região que até alguns meses solidificavam em parte a economia da região (Jornal de Santarém e Baixo Amazonas, p. 25, Edição de 24 a 30 de setembro de 2005).

Fotografia 1– Manifestações contrárias à criação da UC e em defesa das atividades produtivas na região do Tapajós.

Fotografia 2 – Faixa expondo o desejo pela observância do MZZE na definição da ALAP da BR-163

Fonte: ICMBIO Itaituba.

O setor mineral via na criação das UC um grande empecilho a continuidades de suas atividades na região, tal como pode ser visto na fala do diretor da empresa Serabi Mineração:

É difícil dizer se já está decidido o que vai ser feito pelo governo federal. Em diversas oportunidades já ficou claro que a população é frontalmente contra essas medidas que estão sendo tomadas, pois elas não levam em conta a situação do povo da região. O governo não considera os investimentos que estão sendo feitos aqui, as pessoas que vieram para cá e que estão desenvolvendo a região. Nós temos uma demanda reprimida por emprego, por melhores condições de vida que não é considerada. [...] A província aurífera do Tapajós é a maior da América do Sul e é conhecida mundialmente. Todas as empresas de mineração, com o preço do ouro subindo no mercado internacional voltam suas atenções para cá. Mas com esse problema da criação de reservas, dirigentes dessas empresas vão pensar duas vezes antes de investir ou continuar investindo nesta região (Sérgio Aquino, geólogo, diretor da SERABI Mineração (JORNAL DO COMÉRCIO, 2005).

Durante o processo de discussão sobre a criação das UC, a AMOT encaminhou a Secretaria de Biodiversidade e Florestas um documento intitulado “Diagnóstico da Província Aurífera do Tapajós”, no qual apresentava informações relevantes sobre a atividade garimpeira na região de Itaituba e destacava o posicionamento contrário da entidade à criação de UC nas áreas sob limitação administrativa, alegando que:

[...] a pura e simples criação de áreas protegidas sem o devido investimento em seu monitoramento e efetiva proteção somente desencorajará o capital de origem honesta e séria de investir, cedendo lugar a investimentos espúrios e predatórios

descompromissados com o desenvolvimento, conservação e progresso da região (BRASIL, 2005, p. 11).

Em oposição, a AMOT propôs a criação de uma nova categoria de UC, não prevista no SNUC, a chamada “Reserva Extrativista para a Exploração Sustentável Mista de Recursos Florestais e Minerais do Tapajós”, a qual consistiria em um modelo que integrava o uso dos recursos minerais e florestais. Contudo, o MMA posicionou-se contrário a essa proposição, alegando ser uma proposta inviável tanto pelo fato das RESEX não permitirem a atividade de mineração em seu interior como pela dificuldade de enquadrar as comunidades garimpeiras como populações tradicionais (BRASIL, 2005).

Na visão do governo federal a atividade garimpeira não seria inviabilizada com a criação das UC, tal como alegava os representantes do setor mineral. Em seus argumentos defendiam que uma das UC que seriam criadas, a APA Tapajós, permitiria a continuidades da extração mineral em seu interior, desde que as orientações ambientais fossem seguidas. O governo federal, por meio do MMA, alegava ainda “a intensificação dos trabalhos do DNPM, do CETEM/MCT e do IBAMA com vistas a adequar a atividade garimpeira a padrões ambientais condizentes com a conservação dos recursos naturais locais” (BRASIL, 2005, p. 13).

c) Conflitos entre o setor de mineração do próprio governo federal.

Durante audiência pública conjuntada Comissão de Minas e Energia e da Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, ocorrida em maio de 2005, na Câmara dos Deputados, com o objetivo de avaliar os efeitos socioeconômicos da Medida Provisória Nº 239/2005, o diretor geral do DNPM na época, destacou as principais preocupações das instituições federais ligadas a questão mineral com a criação das UC na região de Itaituba, a saber:

a) a intenção do governo com a edição daquela normativa não deve restringir o desenvolvimento da região, mas garantir o seu desenvolvimento sustentável;

b) a necessidade de se ajustar Medida Provisória, diferenciando a atividade mineral das atividades madeireiras e agropecuárias;

c) os estudos técnicos em vista da criação das UC deveriam ter caráter interministerial e deveriam garantir todas as atividades legalizadas anteriormente;

d) novas áreas com potencial mineral e energético efetivamente reconhecido devem ter tratamento diferenciado na definição das UC;

e) atividades econômicas desenvolvidas na região dentro dos preceitos legais já praticados e devidamente tituladas, para pesquisa e lavra devem ter os seus direitos preservados.

4.2.2.1 As UC são criadas

Mesmo ante as diferentes proposições locais contrárias, o governo federal manteve quase que inalterado sua proposta inicial e criou, em 13 de fevereiro de 2006, sete novas UC na região de Itaituba e ampliou outra já existente (Quadro 5), totalizando 6.466.918 ha de novas áreas que passaram a ser enquadradas como UC na Amazônia. Somam-se a estas, outras UC previamente existentes na região de Itaituba, a saber: FLONA do Tapajós, criada em 1974, possui 600.000 ha; FLONA de Altamira, criada em 1998, possui 689.012 ha; FLONA de Itaituba I, criada em 1998, possui 220.034 ha; FLONA de Itaituba II, criada em 1998, possui 440.500 ha; RESEX Tapajós-Arapiuns, criada em 1998, possui 647.611 ha; e, REBIO Nascentes da Serra do Cachimbo, criada em 2005, possui 342.478 ha (Mapa 5).

Quadro 5 – UC criadas ou ampliadas a partir da ALAP da rodovia BR-163.

Categoria de manejo e denominação Criação Ano de Área (ha) Municípios de abrangência

01 PARNA da Amazônia 1974 1.161.379 Itaituba e Aveiro (PA) e Maués (AM) 02 PARNA do Jamanxim 2006 852.616 Itaituba e Trairão

03 PARNA do Rio Novo 2006 537.757 Itaituba e Novo Progresso 04 FLONA do Amana 2006 540.417 Itaituba e Jacareacanga 05 FLONA do Crepori 2006 740.661 Jacareacanga

06 FLONA do Jamanxim 2006 1.301.120 Novo Progresso

07 FLONA do Trairão 2006 257.482 Rurópolis, Trairão e Itaituba

08 APA do Tapajós 2006 2.069.489 Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso e Trairão Fonte: elaboração própria a partir dos dados obtidos em SEMA (2011). Nota: A área nova incorporada em 2006 ao PARNA do Amazônia foi de 167.376 ha.