• Nenhum resultado encontrado

Para uma história da categoria sem-abrigo

Capítulo I – Construção do problema de investigação

1.5. Para uma história da categoria sem-abrigo

recente da expressão sem-tecto, que me permitisse operacionalizar o meu estudo. Compreendi que em Portugal, em 2006, não existia uma definição dessa categoria social, embora o conceito fosse utilizado e reconhecido quer pela legislação na área social, pelos profissionais e instituições que trabalhavam para estas pessoas, quer pelos média, pelos investigadores e pela sociedade em geral. Procurei retraçar algumas interpretações deste atributo utilizado para nomear certas pessoas.

Adoptei, em Silva, 2007a, a categorização proposta pela FEANTSA (Federação Europeia de Associações que Trabalham com os Sem-abrigo), uma Organização Não Governamental fundada em 1989, que conta com mais de cem membros provenientes de trinta e dois países europeus. Desde 2005, e em revisões posteriores, esta organização sistematizou e desenvolveu, juntamente com os seus membros, uma tipologia das várias formas de exclusão relativas à habitação, estabelecidas na ETHOS – Tipologia Europeia sobre Sem-Abrigo e Exclusão Habitacional. Esta tipologia é composta por quatro categorias conceptuais: Sans abri (sem-abrigo); Sans logement (sem-alojamento); Logement precaire (alojamento precário); Logement inadequat (alojamento impróprio). Cada uma destas categorias subdivide-se em categorias operacionais, sendo-lhes atribuída uma numeração de 1 a 13, sendo o número 1 utilizado para caracterizar situações de pessoas que vivem num espaço público e o número 13 para as que vivem em espaços fortemente sobrelotados. Para este organismo, sem-abrigo é uma categoria conceptual que engloba duas situações: pessoas que vivem na rua ou em espaços exteriores e pessoas que pernoitam num centro de alojamento temporário.

Porém, o fenómeno sem-abrigo, no sentido de pessoas com condições habitacionais muito precárias, não é recente. É também nesta perspectiva de análise que pretendo reflectir sobre a história da categoria sem-abrigo e dos vários termos que actualmente se relacionam com esta noção, como vagabundo, mendigo ou pedinte.

Em 1957 foi publicado o livro Le clochard. Étude de psycologie sociale que consiste numa parte da tese de doutoramento de Alexandre Vexliard e incide sobre a investigação que este realizou entre 1948 e 1953, acerca dos clochards de Paris e de outras cidades francesas. Trata-se de um estudo clínico de sessenta casos individuais, escolhidos entre cento e trinta de um conjunto de quatrocentas entrevistas. Esta obra resulta num verdadeiro tratado pormenorizado sobre a vagabundagem, que incluiu uma abordagem histórica, detalhada, com particular incidência nos estudos publicados no final do século XIX e na primeira metade do século XX. Embora a investigação tenha sido realizada há perto de sessenta anos, algumas descrições acerca dos clochards são muito semelhantes aos modos de vida, por mim conhecidos, das pessoas que actualmente vivem na rua. É um estudo muito interessante, datado, por referir o período em que foi realizado, nos finais da década de 1940, aproximadamente na mesma época em que Canguilhem, 2002, desenvolveu a sua tese sobre o Normal e o Patológico.

Aliás, as questões de normal e patológico são muito discutidas no trabalho de Vexliard, 1957, assim como as perversões, os comportamentos desviantes e as psicopatologias. Na época, como ainda hoje, a necessidade sentida na procura das causas para a vagabundagem parecia ser essencial: “Or, dans le domaine qui nous

occupe (comme en criminologie), la distinction entre le normal et le pathologique est particulièrement importante: il s’agit de savoir si le vagabond va échouer en prison ou à l’asile” (Vexliard, 1957: 21). A indecisão entre a prisão e o asilo está também

manifesta na revisão da literatura e resulta do interesse que esta temática suscitava na época. Uma vez que esta obra trata de forma muito exaustiva o tema que também estava a estudar, parece-me útil usá-la como referência para a minha própria pesquisa.

Esta obra foi reeditada em 1998 pela mesma editora que a publicou no passado. Esta nova edição é apresentada por Laurent Mucchielli e o prefácio é de Xavier Emmanuelli, político francês que se tem dedicado à causa dos SDF – Sans Domicile

Fixe – em França e publicado diversos livros centrados no estudo e divulgação da

situação precária das pessoas desfavorecidas. No mesmo ano da reedição da obra de Vexliard, Mucchielli, 1998, publicou na Revue francaise de sociologie um artigo no qual realçava a profundidade e a amplitude da pesquisa, a seriedade com que a investigação foi realizada e, também, ao esquecimento a que esta obra foi votada durante cerca de quarenta anos. Considera o trabalho de Vexliard extremamente inovador, quer pelo tema abordado quer pela forma como problematiza a questão da vagabundagem, pelas opções metodológicas – o estudo das histórias clínicas; a realização de testes e de entrevistas; e a recolha de dados socioculturais e biológicos – , pela teorização do processo de désocialisation, composto por quatro fases, e ainda pela proposta de uma tipologia de situações que poderiam ter exercido pressões no percurso individual das pessoas estudadas e que as teria conduzido à condição de vagabundo.

Pela minha parte fiquei entusiasmada por ter encontrado o trabalho deste autor e mais um outro, também reeditado em França, em 1997, no ano da morte de Vexliard, e que fazia igualmente parte da tese de doutoramento do autor: Introduction à la

sociologie du vagabondage. Este livro incluiu ainda uma entrevista realizada nesse

mesmo ano ao autor, em que lhe foi pedido que recordasse as razões que o levaram a estudar aquele grupo de pessoas, como as obras foram recebidas pela academia e pela imprensa e como distinguia a vagabundagem nos anos 1950 com a dos anos 1990. Dado o interesse que as publicações deste autor me suscitaram, tomarei estes dois estudos como ponto de partida e de referência para esclarecer, aprofundar e analisar a história do conceito sem-abrigo. Considero importante na minha pesquisa incluir uma história sobre os usos sociais do conceito “vagabundo”, por este ter ligações estreitas com os termos actuais, sem-abrigo e sem-tecto, e proporcionar informação acerca do modo como este tema foi tratado em épocas anteriores, permitindo estabelecer comparações com as pesquisas realizadas recentemente, tanto a nível nacional como internacional, e com a minha própria investigação.

Importa assinalar ainda o modo como o autor organiza os temas nestes dois livros. No mais teórico, Introduction à la sociologie du vagabondage, reeditado em 1997, faz uma revisão das definições históricas de vagabundo tendo por base as investigações e publicações efectuadas em anos anteriores. Estabelece a distinção entre a vagabundagem elementar, ou natural, e a vagabundagem estrutural, sendo a primeira ocasionada por catástrofes naturais ou sociais, como tempestades ou guerras, que não sendo previsíveis ou evitáveis colocam as pessoas em situação precária, e a

segunda, provocada pelo funcionamento das estruturas ou organizações sociais. Defende, ainda, que as pesquisas sérias que se realizaram acerca deste tema classificam-se em uma de duas categorias, as que defendem os vagabundos e as que os acusam. De facto, ainda hoje se procura determinar as razões pelas quais a pessoa sem-abrigo ou sem-tecto está nessa situação e as explicações também são polarizadas: umas culpando o mau funcionamento da sociedade, que afasta as pessoas das esferas produtivas, económicas e sociais, outras acusando-as de serem culpadas da situação em que vivem.

As teorias explicativas da vagabundagem e, actualmente, das causas do fenómeno sem-abrigo são variadas e Vexliard, 1957, dedica um capítulo da obra à sistematização das várias teorias explicativas deste fenómeno e que assentam, basicamente, na responsabilização do indivíduo ou na culpabilização da sociedade. Uma e outra preconizam soluções diferentes: a primeira, a repressão e a segunda uma resposta colectiva de entreajuda e de rectificação da sociedade que gera pobres. Ambas tiveram uma maior ou menor preponderância em diferentes contextos históricos e as repercussões sobre o destino dos vagabundos foram, evidentemente, distintas. O modo como cada sociedade numa dada época e contexto sociopolítico penaliza ou tolera a diferença, depende das concepções morais acerca do indivíduo, da vida colectiva, do que é valorizado e do que é condenado, quem deve ser rejeitado e quem deve ser aplaudido, quem deve ser ajudado e quem deve ser punido. Estes valores morais variam de época para época e de cultura para cultura.

Vexliard, 1957, identifica quatro tipos de teorias com origem em diferentes poderes, ou autoridades do saber: jurídicas, sociológicas, psicobiológicas e psicológicas. Este capítulo é particularmente interessante, pois o autor analisa as várias teorias em função da responsabilização do indivíduo ou da sociedade.

As teorias mais antigas provêm do campo jurídico, e Vexliard, 1957, refere as grandes tendências que ocorreram em França desde Carlos Magno até à época em que ser vagabundo ou pedinte deixou de ser criminalizado. Na verdade, estas teorias jurídicas procuravam distinguir os errantes inofensivos dos “mendiants forts”. Cada um deles teria o seu destino, os pacíficos deviam ser cuidados por instituições de caridade, religiosas ou laicas, os ociosos deviam ser castigados e forçados a trabalhar.

As teorias com origem na sociologia enfatizam a pressão colectiva sobre o indivíduo como causadoras da vagabundagem. Há variantes destas teorias e a génese da responsabilidade social não é consensual. Uns defendem que as pressões económicas, as crises financeiras e industriais que conduzem ao desemprego, são a causa mais evidente da vagabundagem, outros, porém, defendem que a pobreza e a vagabundagem são os males necessários à prosperidade das nações e ao progresso. Quem não apanha o comboio do progresso fica de fora, não sobrevive, é inadaptado. Esta tese é defendida por Armand Pagnier, em 1910, numa obra intitulada Le

vagabond. Un déchet social, citado por Vexliard, 1957.

“C’est que notre société évolue tous les jours plus rapidement vers une perfection plus grande et élimine pour cette raison plus de déchets et plus de rebuts. Tous les incapables, tous les faibles, tous les arriérés, anatomiquement ou physiologiquement,

restent en arrière dans l’impossibilité matérielle où ils se trouvent de suivre le progrès incessant” (Vexliard, 1957: 76).

Embora esta teoria sustente que o progresso deixa de fora os menos aptos, Vexliard, 1957, não a considera ainda como uma explicação do campo da psicobiologia.

As explicações fundamentadas pelas teorias psicobiológicas, com grande aceitação na Alemanha e Itália nos alvores do século XX, assentam no determinismo biológico e na hereditariedade que marcavam o indivíduo à nascença com características que seriam transmitidas aos seus descendentes. Vexliard, 1957 indica três tipos de correntes da psicobiologia: a escola antropologista, a teoria instintivista e a teoria eugenista. A primeira defendia a existência de características morfológicas que nasciam com o indivíduo e vaticinavam a existência de criminosos de nascença, psicopatas de nascença e vagabundos de nascença. Os instintivistas, por seu turno, defendiam que haveria um “instinct migrateur” fundamental ou genes de “wanderlust” que estariam mais ou menos desenvolvidos em certos indivíduos e que explicariam a existência de pessoas errantes. A corrente eugenista, fundada por Galton, teve influências práticas notórias em alguns estados norte-americanos, na Suécia e na Alemanha, onde se instituiu a esterilização legal ou voluntária dos inaptos socialmente ou dos inadaptados. As correntes radicais eugenistas preconizavam a esterilização dos pobres e favoreciam a reprodução dos mais aptos evitando, assim, uma “catástrofe

biológica”. As mais moderadas, representadas por Rostand e Julian Huxley

propunham um aperfeiçoamento social que facilitasse o desenvolvimento do potencial do indivíduo, minorando o património genético menos favorável.

Os estudos psicológicos foram muito utilizados em criminologia e pretendiam auxiliar os juristas na apreciação dos crimes e aplicação de penas pois permitiam determinar o grau de responsabilidade dos delinquentes, se estes estariam na posse das suas faculdades mentais, ou, pelo contrário, seriam pessoas com patologias de origem psicológica.

A este propósito, da gradual miscibilidade da medicina com a prática judicial, há uma obra coordenada por Foucault, 1997a, particularmente interessante. Trata-se de uma colectânea de textos sobre o crime de Pierre Rivière, um jovem de vinte anos que em 1835 matou a mãe, a irmã e o irmão. Este dossier foi organizado, estudado e anotado por vários autores que frequentaram o Seminário do Curso de Michel Foucault no Collège de France, 1971/72, intitulado Teorias e instituições penais. A questão estruturante deste dossier centra-se na atribuição da responsabilidade do acusado: Alienado ou saudável? Idiota ou malvado? A importância da resposta reside no veredicto judicial e na pena que lhe será aplicada. Se for considerado alienado, não deve cumprir a pena dos parricidas, se, pelo contrário for sadio deve, então, cumprir a pena.

Esta colectânea é constituída por documentos judiciais, pareceres médico-legais, pelo memorial escrito pelo jovem criminoso, onde confessa e explica as razões que o levaram a cometer o parricídio e o fratricídio e ainda por outros documentos da época. Neste trabalho está bem patente o poder médico, o saber da psiquiatria, e a luta pela influência médica no poder judicial, ou a dependência da justiça face a um saber emergente de especialistas que tinha o poder de influenciar o julgamento,

indicando se a pessoa em questão estaria ou não em posse das suas faculdades mentais.

Na introdução desta obra, Foucault afirma que o seu objectivo era “estudar a história

das relações entre a psiquiatria e a justiça penal” (Foucault, 1997a: 7). Esquirol foi um

dos médicos que atestou que Pierre Rivière sofria de alienação mental. Este psiquiatra do século XIX teve grande influência na identificação e descrição das doenças mentais e defendia que os vagabundos eram doentes mentais incuráveis.

Vexliard, 1957, não se baseia somente nos estudos de Esquirol, mas também nas explicações propostas por outros psiquiatras, psicólogos, médicos-legistas e criminologistas que pesquisaram e analisaram a conduta dos vagabundos. Embora nem todos os psiquiatras considerassem que a vagabundagem fosse um tipo de alienação mental, fazia-se o seguinte raciocínio: “le vagabondage est une conduite

jugée «anormale» au point de vue social (et surtout au point de vue économique, cf. Eliasberg), dès lors on en déduit que le vagabond doit être un «anormal» au point de vue psychologique” (Vexliard, 1957: 81).

Do ponto de vista psicológico as principais razões explicativas da vagabundagem estariam ligadas a problemas psicológicos, provenientes da estrutura psíquica de certos indivíduos, como a instabilidade, a tendência para situações de desenraizamento e de desapego ou a instabilidade afectiva e a dificuldade no estabelecimento de laços afectivos. Freud contribuiu com os estudos sobre o inconsciente para a percepção de que há indivíduos que podem fracassar socialmente por razões inconscientes de autopunição, conduzindo os próprios ao fracasso ou insucesso.

“Il n’est pas douteux que les mécanismes inconscients de cette sorte jouent un rôle décisif dans l’existence de certains ‘ratés’ qui sont conduits aux niveaux les plus bas de la vie sociale. Mais il ne paraît pas légitime d’étendre systématiquement cette conception à tous les ratés, à tous les déchus. Une telle explication du vagabondage ne saurait être avancée que dans les cas individuels où il est possible de produire des preuves et non seulement des arguments. Ces preuves peuvent être fournies par des éléments biographique recueillis hors de l’analyse ” (Vexliard, 1957 : 83).

O autor avança ainda com outras teorias de origem psicológica baseadas nos trabalhos de Moreno e Baumgarten que defendiam que certos indivíduos eram associais por não possuírem uma espécie de “dom” que os tornava simpáticos, afectuosos e confiantes nas relações com outros indivíduos, ou seja, estes seriam indivíduos isolados e rejeitados que não suscitavam atracção nem simpatia espontâneas. Dentro do grupo de explicações psicológicas há ainda autores que consideravam o vagabundo como uma pessoa imatura, sem sentido de responsabilidade. Neste tipo de investigações sugere-se que os vagabundos apresentam uma conduta e uma afectividade imaturas.

Por último, Vexliard, 1957, refere os trabalhos de Henri Wallon e Daniel Lagache, o orientador da tese do autor, nos quais estudam os mecanismos de fuga. A vagabundagem adulta pode ser considerada como uma fuga, uma fuga do meio ambiente onde o indivíduo vive, fuga em busca de liberdade ou de novidade, ou ainda fuga de si-mesmo.

Vexliard, 1957, recusa as hipóteses biopsicológicas e valoriza o papel do meio ambiente, assim como Canguilhem. Afirma que, para além destas quatro teorias, haverá ainda muitas outras explicações para justificar as causas da vagabundagem. Assim como Orwell, 2003, Vexliard, 1957, adverte: “II convient de ne pas perdre de vue

que les faits psychologiques n'apparaissent pas de la même façon, selon la position sociale des individus: ‘l'argent change les hommes énormément’, écrit P. Janet ”

(Vexliard, 1957: 91). A diversidade das teorias explicativas da vagabundagem tem origem em várias razões que o autor enumera.

“a) Les causes du vagabondage sont nombreuses; elles sont variées, notamment dans le temps. b) Les différents chercheurs se sont placés a des points de vue différents. c) A chaque époque, les conceptions théoriques, toujours partiales, expriment les conditions complexes et contradictoires d'un état social, des besoins de la société et d'un état des connaissances. d) La signification du vagabondage n'est pas la même pour les individus à différentes époques. e) En général, les diverses théories formulées ne s'excluent pas; elles montrent divers aspects et divers niveaux du fait vagabondage”

(Vexliard, 1957 : 91).

A investigação de Vexliard, 1957, permitiu-lhe criar uma classificação de quatro tipos de causas da vagabundagem. Um, em que as condições sociais predominam e que se subdivide em condições socioprofissionais, socioeconómicas, socioecológicas, sociojurídicas, sociopolíticas e uma outra explicativa da vagabundagem feminina, que Vexliard, 1957, considera de um modo distinto do caso masculino. Um segundo grupo em que predominam os problemas individuais, onde se incluem pessoas com problemas mais ou menos complexos de personalidade. No terceiro grupo inserem-se os vagabundos com problemas evidentes de psicopatologias ou de perturbações psiquiátricas. Finalmente, um último grupo constituído por vagabundos delinquentes, em que as razões da vagabundagem são subsidiárias à delinquência.

Qual a relevância do trabalho de Vexliard e das teorias explicativas da vagabundagem para a minha pesquisa? O que tem em comum com as novas investigações reiniciadas nos anos 1980? O que podemos aprender com os estudos desenvolvidos no passado? Para além do interesse que os trabalhos de Vexliard, 1957 e 1997, me suscitaram, assinalo dois aspectos que me parecem importantes reter e que se ligam ao conjunto de questões que acabo de colocar. Um, refere-se à necessidade sentida pelos investigadores que desde o século XIX procuram as causas da vagabundagem e a consequente responsabilização da pessoa ou da sociedade. Um segundo aspecto relaciona-se com as autoridades que, ao longo do tempo, se têm pronunciado para explicar a existência e persistência do fenómeno.

No que concerne a procura das causas para a origem do fenómeno vagabundagem e, actualmente, sem-abrigo, se é de ordem social ou, pelo contrário, de ordem individual, este é um aspecto, que no meu entender, ainda subsiste hoje, talvez não seja formulado tão claramente, mas está presente, inconscientemente ou não, em muitas práticas e modos de pensar actuais, nas estratégias de conduzir investigações, de problematizar a questão das pessoas em situação de sem-abrigo, de encontrar soluções para a resolução dos seus problemas. Actualmente, viver na rua já não é um crime, ninguém vai preso por dormir na rua, no entanto, esta não é uma prática bem

aceite socialmente. As questões de higiene e salubridade colocam-se, assim como a utilização indevida dos espaços públicos. Não se afirma explicitamente que as pessoas não podem viver na rua, mas poucos cidadãos de direito gostam de ter alguém a dormir na entrada de sua casa, ou à porta da mercearia onde fazem as compras diárias, à entrada do restaurante, na porta do ginásio, ou no jardim, onde seria agradável passear com as crianças aos Domingos pela manhã. Isto é, a pessoa em situação de sem-abrigo suscita inquietação e estranheza, quer nos investigadores, quer na sociedade onde estas pessoas se inserem. Essa inquietação existia e ainda persiste, razão pela qual ainda é um tema que motiva o desenvolvimento de

Documentos relacionados