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PARADA DE 7 DE SETEMBRO: MANIFESTOS

CAPÍTULO VI ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E ESPAÇO PÚBLICO

Foto 46 PARADA DE 7 DE SETEMBRO: MANIFESTOS

Fonte: Foto do autor (2007)

A partir dessas constatações, somos levados, a pensar no espaço público de forma que não outra: enquanto o lugar da possibilidade. O lugar que se metamorfoseia entre os dissensos e os consensos, entre o conflito e a diversidade. Como ressalta Serpa (2004, p. 32) que, ao tratar do acesso ao espaço público, enfatiza que o uso, a apropriação incluem também o efetivo, o imaginário, o sonho, o corpo e o prazer, que caracterizam o homem como espontaneidade, como energia vital. Enfim, é esse conjunto de estratégias, táticas e ações, das práticas

socioespaciais, que fazem com que o espaço público seja um ponto de equilíbrio entre o desejo e a necessidade dos diferentes sujeitos que vivem na cidade.

Portanto, para melhor expressarmos o sentido do espaço público na cidade, trazemos para a análise a idéia formulada por Queiroga (2003). Para a compreensão do lugar na cidade, do espaço público, mais especificamente da praça pública, o autor criou uma categoria de análise, por ele denominada, de “pracialidade”, que é, na verdade “um estado de praça”. Na perspectiva de Queiroga (2003, p.140), a pracialidade, nada mais é, do que uma prática socioespacial própria da vida pública, que se pode estabelecer em determinados momentos para diferentes sistemas de objetos integrantes do espaço intraurbano, envolvendo desde ações comunicativas do cotidiano da vida pública até as ações políticas e suas representações simbólicas. (...) “pracialidades são, portanto, concretudes, existências que se situam no espaço-tempo, participando da construção e das metamorfoses da vida púbica”.

Essa proposição é importante, principalmente, do ponto de vista que as situações de pracialidade se fazem presentes no espaço público de forma geral, não estão somente restritas ao que conhecemos hoje pela praça pública, enquanto um dos principais espaços públicos da cidade, mas sim, nos diversos logradouros públicos, sejam os largos, jardins, parques e a rua, por meio das práticas socioespaciais e das apropriações eventuais, que extrapolam a suposta funcionalidade específica desses sistemas de objetos, materializados no espaço urbano.

Seguindo, nessa mesma linha de raciocínio, queremos ressaltar, vinculada à idéia de “pracialidade”, de forma paralela, a idéia da “caminhabilidade”. Uma prática socioespacial que, ao mesmo tempo, que nada mais é, do que o simples deslocamento pela cidade constitui-se, também, enquanto elemento mediador das diferentes formas de uso e apropriação da do espaço urbano, por meio do corpo que circula, trabalha ou, simplesmente, observa. Enfim a caminhabilidade trata-se da expressão de parte da vivência da cidade, é a mediação do diálogo entre a casa e à rua, ou seja, entre a privacidade (casa) e a sociabilidade (rua), no contato com o outro em um espaço compartilhado.

No entanto, a consideração do ato de se deslocar pela cidade, significa, antes de tudo, abordar uma prática socioespacial que está intrinsecamente atrelada ao que Caiafa (2007) chama de “aventura das cidades”. Consiste, nesse sentido,

partilha da rua, do espaço público e da cidade. Segundo Caiafa (2007, 58), esta última só existe, a rigor, quando esse espaço de contágio se produz, quando se prioriza o pedestre e o transporte coletivo, quando o ritmo urbano prioriza a ocupação coletiva.

Nesse sentido, chamamos atenção, a princípio, para a crescente tendência da apropriação privada do espaço público associada ao consumo no/do espaço urbano. A privatização dos espaços públicos, em maior ou menor grau e de formas diferenciadas, é um fato recorrente que atinge todas as cidades, sendo que Guarapuava, enquanto uma cidade média, não foge dessa regra. Como ressalta Gomes (2002, p. 176), a apropriação privada dos espaços comuns “trata-se de um processo muito amplo, complexo e com manifestações e aspectos bem variados”. Segundo esse autor, a magnitude desse processo pode compreender desde a simples ocupação da calçada até o fechamento de ruas e bairros. Para tentar ilustrar um pouco dessa situação, enfatizaremos principalmente o caso da “rua”42, por

exemplo, enquanto espaço público maior, além de outros espaços públicos (praças, parques, calçadão e vias), vinculados a questão à acessibilidade, já mencionada anteriormente.

De início, evidenciamos que os espaços para o pedestre são gradativamente menores e menos qualitativos, isso se torna evidente com a priorização do espaço para o automóvel em detrimento de quem tem que circular a pé pela cidade. Como mostra Featherstone (2000, p. 149) “o surgimento do automóvel e o estreitamento e desaparecimento das calçadas é visto como marco do fim do passeio despreocupado pela cidade”. Enfim, uma morfologia caracterizada por uma cidade que traduz as diferenças, intensificando cada vez mais os processos de privatização dos espaços públicos, do individualismo, traços marcantes de um espaço urbano diferenciado socioespacialmente.

Enquanto deveríamos destinar espaço para a circulação das pessoas (pedestres) como praças, parques e calçadas, dentre outros espaços públicos,

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Enfatizamos a “rua” enquanto espaço público, por excelência, o espaço maior na cidade. Não pelo simples fato de que grande parte da cidade é formada pelas ruas, mas sim, pelos atributos que esse espaço público encerra na vida cotidiana das pessoas que vivem e convivem na cidade. Como enfatizou Jacobs (2001), as ruas e suas calçadas, são os principais locais públicos de uma cidade. Nessa perspectiva, tomamos como referência a idéia de Carlos (2004a). Para essa autora, no panorama das ruas podemos evidenciar a vida cotidiana: “seu ritmo, suas contradições, - os sentimentos de estranhamento, - as formas como se trocam mercadorias, - o modo como a solidão desponta a arte da sobrevivência (meninos de rua, mendigos), - as vitrines onde o ritual da

estamos, cada vez mais, estimulando a presença do automóvel particular em nossas ruas, mais espaços para estacionamentos, contribuindo, negativamente para os congestionamentos e a poluição. Enfim, uma série de práticas socioespaciais que evidenciam a má utilização do solo urbano, da cidade enquanto um espaço coletivo.

Nas ruas da área central, não raro, evidenciamos que, a cada dia, os pedestres perdem o espaço público, como no caso das calçadas e da rua, por exemplo, para o comércio e para os automóveis, respectivamente. Em uma cidade, que ainda traz em seu bojo as características da cidade de outrora, em que as ruas e calçadas da área central, com raras exceções (como o Calçadão e a Rua Saldanha Marinho), são muito estreitas, passa-nos a sensação de que não há mais espaço suficiente para transitá-lo a pé, não pela presença nela dos sujeitos sociais, seu objetivo precípuo, mas sim, pela concorrência, muitas vezes desleal pelo consumo do espaço. Como ressalta Lefebvre (2001):

a cidade capitalista criou o centro de consumo. (...) já é bem conhecido o duplo caráter da centralidade capitalista: lugar de consumo e consumo do lugar. (...) nesses lugares privilegiados, o consumidor também vem consumir o espaço; o aglomerado dos objetos nas lojas, vitrinas, mostras, torna-se razão e pretexto para a reunião das pessoas; elas vêem, olham, falam, falam-se (LEFEBVRE, 2001, p. 130).

A idéia de Lefebvre é relevante no sentido de retratarmos parte da experiência da vida urbana ditada pela concorrência na utilização das calçadas pelos comerciantes que desejam expor seus produtos; lanchonetes e sorveterias que se utilizam das calçadas com mesas e cadeiras para acolher seus clientes. Essa constatação corrobora a idéia de Caiafa (2007), para quem a experiência da caminhada na cidade se torna a primeira vítima da cidade que torna-se cada vez mais privatizada. Já, para Serpa (2007), quem arrisca em fazê-la, na cidade contemporânea, deve disputar a rua e a calçada com carros e os comerciantes e suas mercadorias, sejam ambulantes ou não. Enfim, da caracterização da rua, enquanto local da experiência e dos conflitos no espaço público.

Basta uma caminhada pela área mais central de Guarapuava para nos depararmos cotidianamente com situações de privatização de um espaço que, teoricamente, deveria ser de uso de todos, mas que, na verdade acaba sendo apropriado individualmente, ou segundo o interesse de determinados sujeitos. O simples ato de caminhar pela cidade mostra-nos que a calçada passa e ser local de

exposição dos produtos das lojas, muitas vezes até impedindo o transitar do pedestre, ou, em outros casos, observamos guias rebaixadas que dificultam a acessibilidade aos diferentes locais da cidade (Fotos 47, 48 e 49).