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PRAÇA NOVE DE DEZEMBRO E CATEDRAL NOSSA SENHORA DO BELÉM

CAPÍTULO VI ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E ESPAÇO PÚBLICO

Foto 26 PRAÇA NOVE DE DEZEMBRO E CATEDRAL NOSSA SENHORA DO BELÉM

(Festa da padroeira na década de 1930)

Foto 27 -PRAÇA NOVE DE DEZEMBRO: CAVALHADAS (Início da década de 1930)

Fonte: Arquivo Histórico Municipal

Há que se levar em consideração que era, nesse espaço, que ocorria: as festas da padroeira caracterizadas por um momento de encontro e interação da população do núcleo urbano e da sua região; as comemorações cívicas como as paradas de 7 de Setembro e do Dia da Bandeira; as práticas religiosas como as quermesses; e, de lazer, como por exemplo as cavalhadas17

, que foram muitas vezes realizadas no local em frente à Matriz, onde hoje é a Praça Nove de Dezembro. Em matéria publicada pelo jornal Folha do Oeste18

, alusiva ao início da década de 1940, observamos como se desenrolavam as festividades referentes às comemorações do Dia da Pátria, com a concentração na praça da matriz:

Após a missa realizada na Igreja Matriz, que teve cunho expressivo de religiosidade e de fé nos destinos da Pátria, teve início o programa das comemorações. As altas autoridades se reuniram na Praça da Matriz e, ali, conjugou com o povo diante do Altar da

17

As cavalhadas são uma manifestação folclórica que, desde idos de 1870, ocorrem atreladas as festividades da padroeira em fevereiro, durante a Semana da Pátria, ou então, durante a comemoração do aniversário da cidade no mês de dezembro. Incorporadas pela presença portuguesa no povoamento dos campos de Guarapuava, representou, segundo Teixeira (1999, p. 71 e 72), por um longo tempo, uma verdadeira odisséia para os habitantes da pequena cidade favorecidos pelas atividades campesinas, provocando intensas vibrações nos lances emocionantes das inúmeras evoluções daquela teatralização, que tinha por característica, a evocação da luta entre mouros e cristãos. As cavalhadas, geralmente, aconteciam após a missa, precedendo os fandangos que aconteciam no início da noite. Essa tradição ainda perdura em Guarapuava, mesmo que o acontecimento seja esporádico, as cavalhadas ainda acontecem enquanto rememoração, enquanto

Pátria, onde estavam sob a Bandeira, as efigies de Tiradentes, o proto-martir da Independência; de Caxias, o patrono glorioso de nosso Exercito; e do Dr. Getulio Vargas, o benemérito e inconfundivel Presidente do Brasil.”

(...) Às dez horas, presente grande massa popular, vendo-se tambem os nossos colégios e o grupo escolar, formados garbosamente em tôrno do mastro juntamente com os escoteiros, foi solenemente hasteado o pavilhão nacional pelos drs. Mário Pimentel de Camargo e Lauro Fabrício de Mello Pinto, Prefeito Municipal e Juiz de Direito da Comarca.

(...) O povo que enchia literalmente as dependências da praça homenageou, nesse instante magnífico, o símbolo sagrado da Pátria com calorosa salva de palmas. (FOLHA DO OESTE, 1942, p. 1).

Considerando tais aspectos, constatamos que a noção de espaço público, naquele período, era aquela voltada para o uso, estritamente associado aos aspectos culturais, cívicos e religiosos, que determinavam uma identidade de cunho “legitimadora” de poder (CASTELLS, 1999). Denotam o perfil da sociedade tradicional campeira e as características que lhes eram peculiares no uso dos seus espaços consoantes às suas necessidades vividas ao longo do tempo.

Nessa perspectiva, ressaltamos a idéia de Egler (2000, p. 215), enfatizando que “encontrar e festejar são elementos de um mesmo processo de apropriação social do espaço. Significa em sua essência, ser potencialmente incluído, participar de forma igualitária de um evento”. Na concepção dessa autora, o “encontro” está sempre associado ao “acontecimento”, que constitui uma forma de refazer o cotidiano, de reinventar e de reviver, interrompendo, ainda que, por pouco tempo, a reprodução da exclusão, ou seja, trata-se de um momento de renovação da vida (EGLER, 2000).

Tembil (1984), em sua crônica, assim narra o desenrolar dos momentos festivos no pequeno aglomerado urbano em torno desses espaços públicos:

Nossa Senhora de Belém. De fevereiro, no seu segundo dia.

A imagem aqui chegou conduzida por Laura Rocha de França Loures esposa do Brigadeiro Rocha, no lombo do cavalo, sob ataque de índios.

Nesse dia, Guarapuava amanhece engalanada, céu anilado. Lindíssimo. À tarde: chuva. Barraquinhas roda da sorte, prisão, cavalinhos, correio sentimental. O bingo era com Onofre.

Churrasco: dezenas de vacas ofertadas pelos fazendeiros, minga da boa. Bolos de diversos tipos - saborosos.

Apostolado da oração. Dona Nenê Schamber, Mamãe, dona Agueda, tia Mila, lá estavam. O padre vigário. Tudo observava e comandava. Dona Nhanhã era um símbolo. Matrona respeitável. No leilão. A vibração do Fontoura. A banda do Pedroca com um belo dobrado. Nelson Guiné firme no seu instrumento musical.

Uma bela lembrança foi a apresentação da família de Jonathas Cruz. Pai e irmãos. Uníssonos com seus violões gaitas e pandeiros. (TEMBIL, 1984, p. 12 -13).

Não casualmente, são essas parcelas da cidade que mantêm aspectos marcantes dos momentos de ruptura com rotina urbana marcada pelo cotidiano repetitivo. Carregando os sentidos não só da história da cidade, mas de retratar a diversidade de comportamentos, estilos e interações que ocorrem em fronteiras flexíveis da dinamicidade socioespacial que lhes são inerentes (LEITE, 2004).

As festas marcavam, de forma significativa, os momentos de ruptura e o ritmo da vida da população em torno das práticas socioespaciais estabelecidas no núcleo urbano, o momento da interação dos diferentes atores sociais em torno de um único espaço partilhado. No dizer de Da Matta (1991, p. 45), estes são os momentos “extraordinários”, curtos interregnos de tempo em que nos transformamos em agentes exemplarmente coletivos, momentos esporádicos em que nos incorporamos a uma multidão ou público, mesmo que temporariamente.

Em relação a esses momentos festivos na cidade, relata o cronista:

Vestidos e saias rendadas, lamês, Iaquês, anáguas... Namoros para um casamento futuro. A fazendeirada com roupa nova, alegres e joviais.

Uvas deliciosas do Jordão. A italianada faturava.

Na procissão, sacristão na frente abria o cortejo. Turíbulo aspergindo o aroma de incenso.

Todos contritos acompanhavam o andor da Santa Padroeira que em tempos idos possuía um colar de ouro e brilhante.

(...) Os cedros plantados na década de vinte, rodeiam a Matriz, Frondosos, cheirando a resina. Um abrigo para o povaréu. Após a procissão quase sempre chovia.

O bar América (portas cerradas). Respeito. Foguetes, cor, barulho, retreta, girândolas que espoucam.

Nove dias. Nove noites, Novenas, Festeiros, Fé e devoção. (TEMBIL, 1984, p. 13).

experimentadas, a cada momento, visto que são um reflexo dos gostos e costumes da sociedade. Tais espaços carregam consigo suas peculiaridades enraizadas na história e nas experiências das práticas socioespaciais cotidianas de neles estar, permanecer, passar, observar, sentir.

As modificações ocorridas no núcleo urbano, nesse período, estiveram estreitamente ligadas à evolução da economia tropeirista, não proporcionando modificações significativas à estruturação interna da cidade. A infra-estrutura era rara, exigindo da administração da época providências para cuidar da estética da cidade. As medidas tomadas pela Câmara Municipal proibiam a construção de casas de madeira no centro da cidade, obedecendo à tendência geral de valorização do estilo arquitetônico europeu. Segundo Teixeira (1999), as casas de madeira serrada surgiram somente, no final do século XIX, quando apareceram os primeiros engenhos e exímios serradores na feitura de tábuas, principalmente a imbúia, retiradas manualmente.

Enfatiza Marques (2000), que as posturas municipais no período passaram a ser observadas no sentido de garantir uma aparência do estilo colonial português à vila. Padronizou-se o número de janelas, a altura dos pavimentos e a porta da frente passou a ser disposta no alinhamento da rua. O ferro importado da Europa passou a ser utilizado nas varandas, portões e sacadas das residências.

Teixeira (1999, p. 40) afirma que os edifícios que se construíssem dentro dos limites do quadro urbano deveriam apresentar 24 palmos de pé direito portas com 13 palmos nas ombreiras e janelas com 8 e meio de vão. Os proprietários obrigavam-se a calçar defronte de sua propriedade e a caiarem a frente das casas de dois em dois anos.

A simplicidade da cidade do início do século passado era resultante da concentração da maioria da população no campo, em função das atividades econômicas ligadas à agricultura de subsistência e à criação extensiva de gado, comandadas pela sociedade tradicional campeira19

. Na cidade, concentravam-se as instâncias de poder, marcadas sempre pela estreita relação entre o poder público e a igreja, e também o comércio.

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Segundo Abreu (apud SILVA, 2005, p. 41), o termo sociedade tradicional campeira é um misto da sociedade tradicional, constituída pelos “descendentes do branco-português, negros e índios”, com a sociedade campeira, composta por aqueles que se dedicavam à pecuária, como criadores e invernadores do gado vindo do Sul. Para esta autora, ao longo do tempo, o termo passou também a agregar toda a sociedade originária desses pecuaristas, mesmo aquela que teve sua atividade

Enfim, nas palavras de Silva (2004), a cidade era apenas um “apêndice do campo”, expressando um tímido crescimento, com as atenções voltadas sempre para questões regionais, ou então, para o surgimento da linha férrea que, desde o início do século passado, era uma esperança de maior integração com outros centros maiores. Além de representar um grande impulso para a cidade, era também uma via para assimilação da vida moderna (TEMBIL, 2004), embora isso só tenha vindo a concretizar-se na década de 1950.

No entanto, considerando essas características do núcleo urbano e sua relação com o espaço público de outrora, observamos que tanto a Praça Nove de Dezembro, como os Largos dos Alves e o Largo Sete de Setembro, onde hoje estão respectivamente as Praças Coronel Luiz Daniel Cleve e o Colégio Francisco Carneiro Martins (TEIXEIRA, 1993), eram os característicos locais de encontro da população (MARCONDES, 1998), tanto para quem residia no núcleo urbano, quanto para quem se deslocava das fazendas para a realização de negócios, compras e passeios.

É interessante enfatizarmos, também, naquele momento, as funções básicas da rua “Larga” como se refere o cronista ao narrar às formas, funções e os fatos ao longo da Rua Larga, Rua Direita, Rua Benjamin Constant:

Na minha Guarapuava, a sua via mais central. Acontecimentos. Desfiles cívicos e familiares. Cochichos. Cavalos atados nas soleiras das portas. Vacas soltas. Barro e poeira. Polainas, chapéus côco, bengalas.

No alto do Ramalho, avistávamos a chegada das diligências do Mezzomo. Azuis, magrelas, malas sobre o teto. Passageiros ilustres. Ao poente a casa de João do Prato - agrimensor. Manoel Santo Hilário - delegado e dono de empresa funerária. Glicínias em toda a área; vivenda de Alexandre Cleve. Cartório, documentos e registros. Para nascente: Jerônimo Abreu. Na porta o Ford bigode do Juca Abreu. Carnes, lingüiças e “xaxixo” do bom, com o palheiro na boca e a cuspida atrás do balcão: Hipólito Gomes.

Mais uvas e vinhos caseiros: Miguel Passarelli. Trajano Caldas. Salim - casa de comércio. No Tuffi Saab: retrós, banana, guloseimas, secos e molhados. O Pharol saia da tipografia do Lustosa, na casa seguinte. Posteriormente: Comercio do Singer. Praça 9 de Dezembro. Festas da Padroeira. Cavalhadas, Solenidades cívicas. Cel. Lustosa Dangui, Rosa Siqueira, Eugenio Branco, Arlindo e Emilia Saldanha. Eram os proprietários das casas enfileiras, unidas, completando a visão da praça central.

Tijolos à vista, sem reboco, destacando-se num estilo arquitetônico diferente: José Correia Júnior - Coletor e dono de Olaria. Chimarrão.

Discursos. Solenidades. Posses. Discussões na Câmara. Inúmeros Prefeitos Cadeia no térreo. Prédio da Prefeitura Municipal.

Defronte, o casarão do seu Brunsfeld. O nego Jair servindo taças de sorvete com um copo de água.

No início do Miquilino e depois do Chico Demario - lendário Bar América. Em frente o agente do correio - Joaquim Nascimento. Hospital na revolução de 1924.

Bailes em traje a rigor. Imponente. Clube Guairá. Lisboa & Filhos. “Armarinhos, ferragens, fazenda, chapéu. Drogas. Etc.” com filial no alto cascavel.

Uma das casas mais antigas, dizem ter sido do Capitão Rocha. Lembramos dona Romanita e filhos sua presteza e atenção.

Após o Bar América, casa de Generoso Teixeira Bento de Camargo Barros e do outro lado da rua, Sergio Taques. (TEMBIL, 1984, p. 17 - 19).

A narrativa acima faz referências à Rua XV de Novembro, principal rua da cidade de outrora, que ainda hoje exerce essa função ao nos reportarmos ao atual “Calçadão da XV”, onde se concentravam as principais atividades, notadamente, as de comércio, com exceção do Mercado Municipal, que se localizava onde hoje está situado o terminal de ônibus central. Nesse caso, essa via assumiu a conotação de espaço efetivamente público ao passo que se constituiu e se constitui ainda hoje, como o principal local do encontro, do movimento e da interação socioespacial expressão maior da centralidade urbana.

Foi também em torno desses espaços, ditos públicos, vinculados ao centro de poder como a Igreja, Prefeitura, Câmara, Cadeia e a praça principal, que se estabeleceram as principais residências de um centro constituído pela elite guarapuavana. Já, na década de 1880 (retornando um pouco na seqüência que vimos desenvolvendo), em terreno doado pela Prefeitura foi fundado pela elite local o Teatro Santo Antonio como expressão da força cultural local (Foto 28).

Com aproximadamente 120 lugares, saguão de entrada, palco, amplos camarins e oito camarotes20, seu prédio figurava entre os melhores existentes no Estado do Paraná (TEIXEIRA, 1999).

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De acordo com Teixeira (1999) e Krüger (1999) o camarote número um era de exclusividade de Antônio de Sá Camargo “Visconde de Guarapuava”, dada a sua grande colaboração financeira para a