• Nenhum resultado encontrado

TEATRO SANTO ANTONIO (INAUGURADO NA DÉCADA DE 1880)

CAPÍTULO VI ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E ESPAÇO PÚBLICO

Foto 28 TEATRO SANTO ANTONIO (INAUGURADO NA DÉCADA DE 1880)

Fonte: Arquivo Histórico da Unicentro

Realizavam-se, no local, espetáculos de teatro amador e música ao vivo. Relata Tembil (2004) que:

O Teatro Santo Antonio, integrava, portanto, esse centro. Além de peças teatrais, eram realizados em seu espaço os concertos musicais, que também eram efetivados nas casas das famílias mais abastadas. Atividades dessa natureza, no que refere às residências, inauguraram um cômodo que a princípio só era utilizado pelo fazendeiro proprietário quando recebia homens de negócio: a sala de visitas.

(...) A partir disso, as mulheres, que ficavam a maior parte do tempo nas alcovas, passaram a fazer uso desse local, uma vez que em geral eram as moças da casa que tocavam piano, liam poesias e trechos de romances para os convidados (TEMBIL, 2004, p. 113 - 114).

No início do século XX, o teatro foi adaptado para ser o cine Santo Antonio, passando mais tarde para o Cine Pimpom. Essas ações estiveram vinculadas ao surgimento dos primeiros clubes e associações na cidade. É, nesse período, que surge o mais tradicional clube guarapuavano para abrigar os tradicionais eventos sociais e políticos da elite de guarapuavana, “Clube Guayra”, o qual perdura ainda nos dias de hoje, enquanto o “Guaíra Country Clube”. Enfim, como relata Teixeira

(1999), é nesse período que a cidade atinge o apogeu cultural, ao fazer referência às intensas atividades musicais, literárias e jornalísticas.

É nessas fronteiras flexíveis entre o público e o privado que a cidade se define enquanto um espaço produzido pelas práticas socioespaciais que lhes são específicas. Assim como a casa, também a rua, a igreja, a praça, o clube enquanto locais de experiência dos homens na cidade traduzem “modos de ler, explicar e falar do mundo”, ou seja, inscrevem uma trajetória temporal cuja densidade reflete as crenças e costumes de uma cidade (TEMBIL, 2004).

Embora seja visível a tendência da sociedade guarapuavana de se organizar em torno de espaços como os clubes, teatros e cinemas, onde as atividades se destinavam a determinado público, notadamente a elite local, observamos que, nos espaços públicos como a “rua”, por exemplo, as práticas socioespaciais se apresentavam com maior dinâmica, pelo fato de que a cidade ainda era vivenciada em sua totalidade.

Era, pois, na rua, também, que aconteciam as tradicionais “avenidas”. Fazendo referência à “rua” e à “praça” mais central da cidade, Tembil (1984, p. 23) relata que os alto-falantes irradiavam uma programação de discos diretamente do sobrado em frente à pracinha (praça da matriz), onde um cronista local atendia aos pedidos, espiando da janela do sobrado os pares e grupos que passavam e fofocavam na praça. E vai além,

lembro-me de quando era garoto, a satisfação que tinha em participar das famosas “Avenidas” nas noitinhas de domingo na Rua Quinze de Novembro e na Praça 9de Dezembro.

Naquela época, todos os domingos, ao começar pela tarde e se prolongando até o mais tardar nove e meia da noite, era hábito do povo, fazer, como se dizia: “a avenida”.

(...) Era, ali, nas “Avenidas”, que muitos olhares eram trocados. Muitos lencinhos caiam para serem apanhados. E, no serviço de alto-falantes os “pedidos” funcionavam. Quando Santoros guarapuavanos ali estavam lançando seus lânguidos olhares sobre as Firminas. (TEMBIL, 1984, p. 23 -25).

Esse costume foi uma das principais funções dos espaços públicos nas cidades coloniais, que eram os lugares nas cidades destinados a que a sociedade pudesse “ver e ser vista” (SEGAWA, 1996). Esse costume, na cidade de Guarapuava, permaneceu até o final da década de 1940.

Segundo Teixeira (1999, p. 49), essa prática socioespacial ocorria com movimentação da população local pela Rua XV de Novembro, desde o Clube Guaíra até a Praça Nove de Dezembro. Permaneciam até o início da noite, num vai e vem constante. Era o dito “fazer avenida”. Essa prática também é evidenciada quando ressaltamos a entrevista do Senhor Josoel de Freitas, com 68 anos, ao Jornal Diário de Guarapuava21

, por ocasião da comemoração do aniversário da cidade pelos seus 186 anos.

A avenida era ponto de encontro dos jovens e local para passear no domingo com a família. (...) quando a gente gostava de uma moça, marcava encontro na avenida, que era de chão batido. Muitos guarapuavanos faziam esse passeio, com a família. As mulheres estendiam uma colcha na janela e ficavam observando o movimento na rua (DIÁRIO DE GUARAPUAVA, 2005, p. 13).

Enfim, tratava-se de um footing onde se desenrolavam as práticas socioespaciais na cidade, os relacionamentos, inclusive familiares, que permitiram o surgimento de vários namoros, noivados e futuros casamentos, revelando os hábitos e costumes da sociedade guarapuavana, no referido período.

No entanto, se por um lado é certo que o espaço público, a rua e a praça são os locais destinados ao encontro, ao viver/conviver juntos na cidade, por outro lado, esses locais, ditos como terra que pertence ao governo ou ao povo, também são considerados como perigosos, mundanos e, portanto, propícios para atos ilícitos que escapam ao domínio e ao controle possível de ser estabelecido no espaço privado, no espaço vigiado enquanto símbolo da vida (DA MATTA, 1991).

Em matéria publicada pelo Jornal Folha do Oeste, no final da década de 1930, com destaque para sua primeira página, podemos evidenciar que a relação entre o púbico e o privado ora se apresenta como complementar e ora como algo dicotômico, característico das contradições e dos conflitos. Com destaque para a “rua” e com a preocupação em alertar os pais em relação aos perigos que esse espaço público pode representar para seus filhos, enfatizava que uma das mais importantes regras da educação é a vigilância.

21

E que, nesse sentido, os pais deviam vigiar seus filhos, não os perder de vista, não os abandonar aos “perigos” da rua22

.

A palavra “rua” abrange nesse sentido todo lugar que está fora da vigilancia ou do controle dos paes ou dos educadores, de modo que não se refere apenas á via e a praça publica, mas tambem a outros lugares fora da casa paterna, onde os jovens ficam subtrahidos ao olhar dos seus. O jovem que se sente livre de qualquer vigilancia, sente desde logo inclinado e decidido a entregar-se ás suas inclinações, a sua natural vivacidade e leviandade que o leva a travessuras, chegando muitas vezes a roubar, a meter-se em discussões e brigas, a descuidar-se dos trabalhos e de sua obrigação (FOLHA DO OESTE, 1938, p. 1).

Essa matéria é importante do ponto de vista do espaço público tido como oposição ao espaço privado, ou seja, uma inversão do sentido clássico do espaço público enquanto o “espaço da liberdade” (HABERMAS, 1984 e HARENDT, 1983), embora, aquela noção de liberdade estivesse supostamente subsidiada por meio de referenciais comuns, do diálogo e da coletividade, diferentemente da tendência à sobrevalorização do espaço privado na cidade moderna.

Nesse sentido, queremos evidenciar que essa análise se desdobra em outra questão que merece destaque, aquela do espaço público enquanto local propício para transgressões de supostas regras de convívio que estão postas para a utilização do espaço público. Não tomando aqui o espaço púbico enquanto uma área juridicamente delimitada, visto que também representa um conjunto de idéias e vontades coletivas e que não necessariamente estão descritas em normas de uso.

No entanto, e onde queremos chegar com essa reflexão, é que a noção do espaço público enquanto um espaço de todos, pode levar também a uma noção totalmente contrária dessa desejada, ou seja, aquela não rara em nossas cidades de espaço público enquanto “terra de ninguém” e, aqui, queremos chamar atenção, principalmente para um efeito maléfico dessa noção, que é a aquela da “erosão do espaço público” (SENNET, 1998) e, conseqüentemente, da depredação do patrimônio público enquanto bem da coletividade. Nossa pesquisa em jornais demonstrou que isso é uma tendência na cidade, não que seja uma particularidade

22

PJB, A rua. Folha do Oeste. n. 51, Ano I, Guarapuava, Paraná, 6 de março de 1938. p. 1. O leitor deve estar atento para o fato de que os trechos da matéria sobre a “rua” e seus perigos, aqui apresentados, são fiéis ao original: FOLHA DO OESTE. A Independência do Brasil: alcançaram brilhantismo invulgar as comemorações do < Dia da Pátria > em nossa cidade. n. 102, Ano 3, Guarapuava - Paraná, 13 de Setembro de 1942. p. 1. Essa ressalva é válida também para todas as reportagens apresentadas na tese de forma literal, notadamente àquelas alusivas ao Jornal Folha do Oeste nas décadas de 1930 e 1940, que se referem ao primeiro período da estruturação urbana de

de Guarapuava, mas que aqui se apresenta com muita freqüência em todos os períodos por nós analisados, os atos de vandalismo contra o espaço público.

Segundo o Jornal Folha do Oeste (1946, p. 1)23

, em matéria publicada no final do referido ano, eram grandes as dificuldades da Prefeitura Municipal para plantar e conservar o único jardim público da cidade que é a Praça 9 de Dezembro. “Presenciamos diariamente atos de vandalismo como a destruição dos jardins, a quebra das lâmpadas e os fusíveis das luminárias da praça. Além, da escrita de obscenidades nas paredes e muros da cidade”. Em outra matéria, Folha do Oeste (1947)24, constatamos que a cidade, já naquele período, padecia com as atitudes

depreciativas de determinados indivíduos que se davam o prazer de praticar atos de vandalismo nas vias públicas:

Não raro é uma rua inteira que fica às escuras, com a destruição, a pedradas, das lâmpadas da sua iluminação. Outras vezes são os bancos de cimento da Praça que amanhecem grosseiramente danificados. Outras, ainda, é um prédio recém construído, que apresenta as vidraças quebradas as paredes esburacadas e as molduras destruídas (FOLHA DO OESTE, 1947, p. 1).

Enfim, as formas de apropriação da cidade não podem ser analisadas sem levarmos em consideração as relações entre espaço e tempo, o tempo da ação e seus reflexos socioespaciais. Existe, para determinados momentos e para determinadas sociedades, um conjunto de condições que se traduzem nas mais variadas maneiras de vivenciar e compreender as oportunidades oferecidas pela configuração espacial, ao mesmo tempo em que o espaço, em sentido pleno, expressa as formas de apropriação dessas condições (EGLER, 2000). Enfim, tais pressupostos permitem-nos enfatizar que a cidade era vivida, de forma mais totalizante, embora, com todas as opressões e diferenciações socioespaciais, que lhes são inerentes, fato que não é específico da cidade de Guarapuava, mas que em maior ou menor grau caracterizavam as cidades de modo geral.

Um dos fatores importantes e que, certamente, refletiu na estruturação da cidade foi a própria crise da atividade tropeirista na região, extinta completamente no final da década de 1930 início de 1940 (SILVA, 1999), quando muitos fazendeiros deixaram o campo e passaram a residir na cidade. A casa na cidade simbolizava,

23

FOLHA DO OESTE. Vandalismo. n. 28, Ano V, Guarapuava - Estado do Paraná, 1º de Dezembro de 1946. p. 1.

para os fazendeiros, o status adquirido por meio da comercialização do gado e muares, ou seja, a cidade passa a ser o local onde gozavam do poder econômico e político subsidiado pela concentração da renda (MARQUES, 2000). É, a partir desse período, que a cidade passa a ser alvo do discurso sincrônico entre o poder público e a elite local em busca da modernização por meio das melhorias urbanas.

Essa preocupação mostra-se evidente quando constatamos as preocupações com a estética da cidade por ocasião das comemorações alusivas ao seu aniversário na segunda metade da década de 1940. Ao referir-se às comemorações, a direção do Jornal Folha do Oeste25 publicou a seguinte matéria:

Este ano como nos anteriores, a data 9 de Dezembro será comemorada com grande brilhantismo, estando a Prefeitura confecionando primoroso programa de festejos, para os quais já forma convidadas altas personalidades do Governo do Estado e demais pessoas gradas da sociedade paranaense. Resta que a nobre gente guarapuavana saiba cooperar com a administração municipal principalmente, no sentido de que os proprietários de casas e de terrenos situados nas ruas centrais da cidade, mandem pintar suas casas, muros e cêrcas, para melhor aspécto oferecer aos olhos de nossos vizitantes, a fisionomia colonial de nossa cidade. Cidade é mulher... E mulher por mais modesta que seja, deve sempre estar com as vestes limpas, para agradar e mostrar o gráo de educação e galhardía (FOLHA DO OESTE, 1946, p. 1).

Essa matéria é importante no sentido de que expressa uma necessidade de confirmar e legitimar o tradicionalismo por meio da imagem da cidade, notadamente o seu centro. Uma cidade que se espelha nas suas formas urbanas mais aparentes e têm nos rituais festivos e comemorativos, corroborando com a idéia de Martins (2000, p. 33), “que o mundo da tradição foi e tem sido entre nós muito mais o mundo da fé e da festa que o mundo das regras nas relações do trabalho, do direito costumeiro aos privilégios ligados às corporações profissionais”. Ainda, segundo esse autor, “aqui o tradicionalismo foi sem dúvida referência mais de uma consciência nacional que uma consciência social”.

É importante evidenciar aqui, que a partir da década de 1940, a exploração da madeira passou a ser o fator determinante, do ponto de vista socioeconômico da região e por conseqüência da cidade, visto que, segundo Silva (1999), até aquele momento era a maior reserva florestal da América do Sul, trazendo como resultado a instalação de aproximadamente 300 serrarias ao redor de Guarapuava. Eram

25

FOLHA DO OESTE. Melhoramentos para nossa terra. n. 26, Ano 5, Guarapuava - Paraná, 17 de Novembro de 1946. p. 1.

comuns os comboios de caminhões transportando a madeira para os grandes centros de comercialização (Foto 29).

Foto 29 - COMBOIO DE CAMINHÕES NO TRANSPORTE DA MADEIRA