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Paris: les éditeurs du livre des esprits –

capítulo 4 240 Tentáculos visíveis das invisíveis articulações políticas da igreja

1.3 Concorrência doutrinaria: Maçonaria, Espiritismo e Protestantismo

1.3.2 Paris: les éditeurs du livre des esprits –

Não é pequeno, por todo país, o número de pessoas que pensam conciliáveis a sua profissão de adesão ao catolicismo com crenças do espiritismo de Alan Kardec, as quais têm alcançado uma extraordinária difusão; os “centros espíritas” são freqüentados por muitas pessoas, especialmente dos estratos médicos e inferiores da população, desiludidas de encontrar cura para as suas moléstias ou a solução para as dificuldades morais, econômicas e psicológicas. Não somente escritores católicos, inclusive alguns bispos que têm escrito cartas pastorais sobre o perigo do espiritismo, mas também autores protestantes como Erasmo Braga e K. G. Grubb encaram essa difusão do espiritismo com apreensão60.

58 DOCUMENTOS DA IGREJA: Documentos de Gregório XVI e de Pio IX. n. 6. São Paulo: Paulus,

1999, p. 328-332.

59 CAMINO, Rizzardo da. Introdução à maçonaria. São Paulo: Madras, 2006, p. 61-112.

60 AZEVEDO, Thales de. O catolicismo no Brasil: um campo para a pesquisa social. Salvador:

Na Bahia, a notícia de grupos espíritas, segundo Divaldo Pereira Franco remonta ao ano de 1849, com o registro de um conflito entre espíritas e católicos no distrito de Mata de São João, que precisou da interferência da força policial. Segundo Mauro Quintella, no ano de 1881, já existiam vários grupos espíritas no Rio de Janeiro; nesse ano houve um congresso e a tentativa frustrada de unir todos os grupos existentes, não só no Rio, mas também em outras regiões do país, “Nesse Congresso foi criado o Centro da União Espírita do Brasil, a primeira instituição unificadora do movimento espírita nacional, cuja instalação oficial deu-se no dia 3 de outubro, sob a direção de Afonso Angeli Torteroli”61.

Havia uma divisão clara entre os ideais espíritas neste período de gestação da doutrina, e “o Centro da União não passou de mera tentativa. Devido à própria insipiência do movimento e da luta ideológica que, àquela época, já dividia os espíritas em místicos e científicos, a instituição acabou se desorganizando”62.

A sobrevivência da doutrina espírita parecia fadada ao fracasso, nem mesmo a liberdade religiosa lhe garantiu o direito da liberdade religiosa, pelo contrário, esta dúvida pairava entre seus seguidores e os dividia. As autoridades republicanas, na elaboração do código penal de 1890, no seu artigo 157 diziam: “É crime praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancia (...), inculcar curas de moléstias (...) e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão celular de 1 a 6 meses e multa de 100 a 500 $"63, para Célia da Graça Arribas,

A partir de 1890, ser espírita no Brasil era crime punido com multa e detenção de 1 a 6 meses, nem a declaração do país como estado laico, em 1891, ajudou, Antes da República, os espíritas eram alvos costumeiros de ataques da imprensa, reclamações médicas e oposição da Igreja Católica. Depois, com a constituição republicana e tudo, ficou ainda pior. Espíritas também teriam sido usados como bode expiatório para diminuir a oposição do catolicismo ao regime republicano (...) a norma que associa o espiritismo a rituais de magia e adivinhações refletia a pressão do clero católico, dos positivistas e até mesmo da classe médica, “temerosa da disseminação sem controle do curandeirismo” (...) vários espíritas foram presos a partir de 1891.

61 QUINTELLA, Mauro. História do Espiritismo no Brasil. 62 Ibid.

Em muitos processos, foram acusados de “atentar contra a saúde pública”64.

Durante a Primeira República, os espíritas apresentaram algumas representações ao governo, reclamando de sua situação de ilegalidade perante a lei. O relator do Código Penal, João Batista Pinheiro, chegou a alegar que a norma se referiria ao “baixo espiritismo”, o que não convenceu os espíritas, que protestaram junto a Campos Sales, então ministro da justiça, pois se sentiam perseguidos em relação a quem definiria o que seria um ou outro espiritismo, como se houvesse dois espiritismos. Existiam as divisões, sim, nos seguidores do espiritismo: uns preconizavam um espiritismo “cientifico”, enquanto outros o espiritismo “místico”, mas o que seria diante da lei o “baixo espiritismo”? Bezerra de Menezes figura de destaque da época no universo espírita brasileiro, enquanto presidente do “Centro da União Espírita do Brasil”, apresentou um oficio reclamando do novo Código ao Presidente da República, no ano de 1890.

As perseguições aos “Centros Espíritas” e as publicações de periódicos endureceram mais ainda no ano de 1893 com a segunda Revolta Armada. A revista da Federação Espírita Brasileira, Reformador, teve suas publicações suspensas neste ano devido às grandes dificuldades internas e externas, voltando a circular somente no final do ano de 1894, com o abrandamento da situação política. O espiritismo teve que enfrentar, nas primeiras décadas do novo regime, fatores político-ideológicos, além da perseguição sistemática do catolicismo. Léon Denis escreveu que,

A artilharia pesada do Vaticano entrou no combate. Numa reunião plenária, os cardeais inquisidores do Santo oficio, em Roma, proíbem que os fiéis freqüentem reuniões e os estudos espíritas [...] o Papa Benedito XV aprovava essa resolução [...] o arcebispo de Paris, na Semaine Religieuse solicitava que seus diocesanos lhe dessem a mais séria atenção. Assim todos os canhões da Igreja trovejam em conjunto contra o Espiritismo, que nem por isso sofre qualquer mal [...] Seus adversários podem voltar-se contra ele, mas só conseguirão chamar a atenção do público a seu favor e aumentar o número de seus adeptos [...] Só nos cabe desejar que nossos contraditores continuem tão

64http://tnonline.com.br/noticias/especial/7,2721,06,04,espiritismo-era-crime-no-codigo-penal-de-

eficaz propaganda [...] Ficamos limitados a nos socorrermos dos argumentos dos pregadores da imprensa católica para descobrirmos os motivos que originaram tal resolução65.

Com a constituição republicana deixando em pé de igualdade todos os cultos religiosos no país, o catolicismo recebe essa igualdade como uma afronta a sua “superioridade” moral e doutrinária, passando a combater as outras crenças que considerava heréticas e não verdadeiras. O espiritismo foi acusado de práticas demoníacas, no qual, lógico, se “identificava” a participação do demônio. Não teve vida fácil os divulgadores de Kardec ou os descendentes de africanos no país e, mesmo camuflando seus rituais atrás das práticas do catolicismo popular, sofreu constantes ataques do catolicismo romanizador.