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capítulo 4 240 Tentáculos visíveis das invisíveis articulações políticas da igreja

1.2 Pensamento que ameaça: Liberais e Positivistas

1.2.2 Positivismo à brasileira

Figura 5 – ASV. Fasc. 417, p. 25v44

42 O ideário liberal teve diferentes leituras no decorrer da história, onde cada pensador se sobressaia

dependendo do uso político que se desejavam os autores que mais influenciaram as idéias liberais foram os seguintes: Montesquieu, Hobbes, Bentham. VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do

Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 477.

43 ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979, pp. 128-129.

44 Resposta ao relatório envia pela internunciatura as dioceses no ano de 1898 sobre as condições

O Positivismo, filosofia que prevaleceu entre os militares do exército45 brasileiro e que muitos historiadores afirmam ter influenciado ideologicamente a proclamação da República, é um tema complexo, como vimos acima e que, para José Carlos Souza Araujo, o positivismo esteve recluso ao campo da utopia. É interessante notar que, na história política do Brasil o que prevalece, invariavelmente, são as alianças por interesses particulares, havendo, assim, uma troca de favores que parece interminável. Dado o exemplo de nosso contexto, atual, em que as alianças parecem ser feitas, única e exclusivamente, para a manutenção do status quo.

O povo continua sendo o que definiu José Murilo de Carvalho, “para os conselheiros do Império, o Brasil era um sistema heliocêntrico, dominado pelo sol do estado, em torno do qual giravam os grandes planetas do que chamavam “as classes conservadoras” e, muito longe, a miríade de estrelas da grande massa do povo”46. Carneiro Pessoa, no capitulo IV da sua tese de doutoramento (USP), analisou “A linha de ação revolucionaria da propaganda republicana”47 e fez uma observação sobre a propagação deste ideal através dos grupos republicanos e suas divergências:

Isto posto leva-se a crer que não existia, já nessa época, unidade quanto ao encaminhamento que deveria ser dado para se alcançar o objetivo principal, ou seja, a derrubada da monarquia no país. Em 1883, na publicação do opúsculo de sua autoria ‘Combate Republicano n. 1’ (TROVÃO, Lopes. O combate; republicanos brasileiros. Rio de Janeiro, Imp. Contemporânea, 1883. n. 1. p. 27), Lopes Trovão atesta a existência, no município da Corte, de três grupos republicanos distintos. Denomina-os ‘evolucionistas’, ‘evolucionistas revolucionários’ e ‘revolucionários’ que tinham em Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo, e Ferro Cardoso, respectivamente os mais lídimos representantes. Informa ainda existirem duas facções intermediárias, uma simbolizada por Ubaldino Amaral que confederava os ‘evolucionistas’ aos ‘evolucionistas-revolucionários’, e a outra representada por ele mesmo – Lopes Trovão – ou Matias Carvalho que concatenava os ‘evolucionistas- revolucionários’ aos ‘revolucionários’48. [sic]

45 Cf. D.MACCANN, Frank. Soldados da Pátria: história do exército brasileiro 1889-1937.

São Paulo: Cia. das Letras, 2007.

46 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 190.

47 PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico no segundo reinado: 1870-1889. (tese de doutorado em história social), FFLCH USP. São Paulo: AESP, 1983,

(Coleção Monografias 6), p. 169.

A política esteve sempre mais a serviço de interesses particulares e alianças nada etéreas do que na defesa de puros ideais que norteassem a conduta de um partido político. Então, o positivismo foi mais uma defesa acadêmica do que uma ideologia que moveu seus seguidores a implementar mudanças no país. Baseados nessa filosofia, importada do velho mundo sem ser adaptada a nossa realidade, o positivismo foi utilizado por um do grupo para fazer do poder. Agiu como outros grupos pensando apenas em seus interesses,

De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder das idéias pareceu-nos a mais dignificante em nossa difícil adolescência política e social. Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições imporiam. Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda [...] Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios [...] E assim puderam incorporar a situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos49.

Inegável que estas mudanças vieram, gradativamente, com o tempo e com as novas políticas, mas não porque estas mudanças estavam bem fundamentadas em uma ideologia, que pouquíssimos aqui conheciam, com seu devido rigor cientifico, a ponto de propagá-la como fundamento para as reformas políticas no país, no momento da Proclamação da República. Estou de acordo nesse ponto com Ana Luiza Martins, que falou do positivismo no Brasil da seguinte forma,

Fala-se muito na influência do positivismo entre os homens que prepararam a República no Brasil, como se aquela geração conhecesse a fundo a imensa obra do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), seu fundador. [...] Isso precisa ser visto com reservas.

[...] Os livros positivistas, naquela altura sem tradução no Brasil e pouco encontrados no original francês, não constavam do acervo das bibliotecas do país [...] De uma ou outra biblioteca particular talvez, como a de Teixeira Mendes (1855-1927), Pereira Barreto (1843-1923) ou Miguel Lemos (1854-1917), ortodoxos da doutrina. Além do mais, num país de grande maioria analfabeta, os poucos alfabetizados não tinham na filosofia sua leitura predileta50.

Não se deve negar, totalmente, a influência dessa doutrina em alguns meios de influência política, como foi o caso no Rio Grande do Sul, entre um grande número de militares, pois essa doutrina foi aplicada com eficiência por Benjamim Constant na academia militar do Rio de Janeiro e se expandiu fortemente para aquela região de fronteira, onde o Brasil mantinha um grande contingente de soldados para se precaver de invasões e demarcar seu território.

O positivismo51 serviu como um ideal para uma classe esquecida desde a Independência do Brasil pelo governo monárquico. A doutrina foi bem recebida, então, entre os militares que almejavam maior influência no destino do país, principalmente depois da campanha “vitoriosa” na guerra do Paraguai. O positivismo foi uma “tábua de salvação”, na visão deles, para renovar o país, como já aludimos acima. Então, o que aconteceu foi que o meio em que essa doutrina conseguiu penetração propagou, mas não a ponto de ser consenso entre os republicanos. Encantou, no entanto, uma parcela considerável de atores do movimento republicano que conheceu a doutrina positivista. Ana Luiza Martins escreveu ainda que,

50 MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, p. 56-58.

51 Positivismo: “é uma corrente de pensamento cujos princípios básicos foram formulados pelo

pensador francês Augusto Comte (1798-1857). [...] Partindo da tradição romana e da experiência jacobina na Revolução Francesa de 1789, Comte considerava ser a ditadura republicana a melhor forma de governo para as condições de sua época. Opunha-se assim à Republica liberal, que se baseia na idéia de soberania popular, sendo o poder exercido em nome do povo através de um mandato. (onde) Membros do Congresso ou o presidente da República recebem dos eleitores esse mandato periodicamente renovável , por ocasião das eleições. O principio de representação é assim básico no modelo liberal de República. [...] A ditadura republicana concebida por Comte não correspondia ao nepotismo, mas implicava a idéia de um governo de salvação no interesse do povo. Teoricamente, o ditador republicano de veria ser representativo, mas poderia afastar-se do povo em nome do bem da República. Ele seria eleito por toda a vida e poderia influir na escolha de seu sucessor. [...] Nos meios militares brasileiros, a influência do positivismo só raramente se deu pela aceitação ortodoxa de seus princípios. Em geral, os oficiais do Exército, assim como muitos estudantes e professores, absorvem aqueles aspectos mais afinados com suas percepções. A ditadura republicana assumiu a forma de defesa de um Exército forte e intervencionista, capaz de modernizar o país, ou simplesmente a da ditadura militar [...] outros elementos de atração do positivismo eram a separação da Igreja e do Estado e a clara preferência pela formação técnica, pela ciência e pelo desenvolvimento industrial [...] e na neutralização dos políticos tradicionais [...]”. BORIS, Fausto. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 232.

a doutrina positivista - baseada nas ciências exatas, no conhecimento racional e pregando a Ordem e o Progresso - contrapunha-se às idéias românticas e não muito objetivas que caracterizavam o Segundo Império. [...] correspondia de certa forma a um anseio generalizado das camadas letradas do país que esperavam do governo projetos mais consistentes, [...] Oferecendo mudanças, que passavam pela separação entre Igreja e Estado, pelo trabalho e educação para todos [...] combatendo os privilégios [...] positivistas ortodoxos foram poucos, que inclusive propunham uma ditadura republicana para a manutenção da ordem. [...] adotou-se o positivismo como rótulo de uma conduta ideal de oposição a Monarquia52.

Corroborando e concluindo a nossa análise sobre a real influência do positivismo, no início da “velha república”, o diretor do Centro Positivista do Brasil, Miguel Lemos, em 25 de maio de 1889, enviou uma correspondência ao Senador Silveira Martins, na qual os pontos fundamentais seguem,

Permita V. Es. Que oponha algumas observassões a un tópico de seu discurso pronunsiado onten no Senado, en que V. Es. fês algumas referências à dotrina de Augusto Comte [...] não é meu propozito entrar en grandes dezenvolvimentos [...] Não á duvida que a nóssa propaganda, que já conta con nove anos de trabalhoza ezistensia ten nessessariamente modificado a orientassão das aspirassões republicanas entre nós. Esta influênsia á de ir cressendo com o tenpo até tornar-se dessiziva i predominante no dia en que o partido republicano axar enfin un xéfe na altura das sircunstânsias, tão diferente dos retóricos i jornalistas que até oje o ten capitaneado, como dos falsos profétas, que se esforsarão por esplorar en proveito próprio o crédito cada vês maiór da dotrina rejeneradora. Encuanto a situassão não se tornar ben nítida, não será pequena dificuldade para o partido republicano separar en similhante influcso o esforso onésto i convensido da mistificassão xarlatanesca i inepta53. [sic]

52 MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, p. 56-58. 53 ANRJ. Cocac/Bib: microfilme 0017 COD. OR-F-SPO/003 OR 040 4, [sobre o positivismo].

Mesmo o positivismo, na minha visão, não tendo a influência que inúmeros pesquisadores apontam, o catolicismo não deixou de combatê-lo como uma ideologia funesta que poderia desencaminhar, principalmente a juventude devido a ênfase laicista da educação.