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capítulo 4 240 Tentáculos visíveis das invisíveis articulações políticas da igreja

1.3 Concorrência doutrinaria: Maçonaria, Espiritismo e Protestantismo

1.3.3 Quanta Cura

Já outras vezes tenho despertado a atenção dos fiéis para o perigo em que precipitam seus filhos confiando-os a escolas acatólicas; mestres hereges, ímpios, escandalosos, ou infames por fatos conhecidos; e sabemos que nossos cooperadores não têm descuidado, nem se descuidam, de resguardar suas ovelhas neste arriscados perigo66.

Nos séculos XIX e XX, deu-se início, na Santa Sé, a dois projetos importantes para a reorganização do catolicismo, em um mundo considerado pela hierarquia católica como hostil aos preceitos religiosos: a romanização e a filosofia tomista, como paradigma filosófico, nortearam o mundo católico. Esses projetos estavam em pleno desenvolvimento durante a implantação do regime republicano no Brasil. Como já é sabido pela historiografia produzida sobre o período, a constituição sacramenta a separação entre Estado e Igreja e a nivela, juridicamente, a todos os cultos, o que não é bem recebido já pelo catolicismo, que, teoricamente, é a religião da maioria dos brasileiros.

As autoridades eclesiásticas sempre se opuseram a toda difusão de correntes políticas e ideológicas que consideraram heterodoxas, entre elas o protestantismo,

65 DENIS, Léon. O Espiritismo e o clero católicos. 2. ed, Rio de Janeiro: CELD, 1995.

66 ASV. Documentos e Cartas Pastorais - 1897-1922, Dom Silvério Gomes Pimenta. O perigo dos

presente desde sempre no país. Apesar das proibições contidas na constituição de 1824, de não externar seu culto nem por propaganda missionária, nem por exteriorização de suas construções religiosas, não deixaram de difundir sua prática religiosa entre a população, o que sempre gerou conflitos com o catolicismo.

A presença holandesa no nordeste, a abertura dos portos na Colônia com a presença da família real no Brasil e a invasão comercial inglesa no Rio de Janeiro, trazendo muitos comerciantes anglicanos, as imigrações durante todo o século XIX também trouxeram um grande contingente de protestantes ao país, principalmente para o sul, onde estas ondas imigratórias, seja por um motivo ou outro, chegavam ao país com uma cultura protestante arraigada e já bastante desenvolvida para aceitar a religião oficial do país.

Para as missões protestantes originárias dos Estados Unidos havia duas formas de implantar a cultura protestante no país: uma propunha a missão para realizar a conversão do individuo, propondo um rompimento abrupto com seu passado e assumindo uma nova vida; outra, formal, seria através da educação confessional que mudaria aos poucos os padrões de conduta da população através da implantação de uma rede de ensino capaz de produzir este efeito conversor. Estas duas vertentes missionárias viveram em constantes conflitos camuflados, causando dissidências entre os grupos e um profundo mal estar. No entanto, para os metodistas, que também tiveram conflitos a este respeito, nos parece que o bom senso seria o equilíbrio entre os dois modelos de evangelização. Para John W. Wolling,

[...] quase todos são unânimes em colocar a publicação de jornais religiosos [...] literatura evangélica em posição bem alta, como meio de evangelização, e por isso não é necessário que se diga muito [...] Mas a respeito da evangelização ativa, que diremos? É de importância inegável, de certo. Mas que vale o zelo, a atividade do evangelista quando não pode fazer chegar a sua voz ao ouvido do povo [...] Mas afinal suponhamos que o povo vá, e aceite as doutrinas lhes anunciadas. Então que será? Como se pode conservar as famílias desses crentes na fé? Anunciar-lhes o evangelho aos domingos, enquanto por seis diass da semana se acham em escolas adversas ou indiferentes a nossa fé [...] então ao mesmo tempo em que o

evangelistas está se mostrando ativo e zeloso, adotemos igualmente mais um outro meio – a escola evangélica, a obra educadora67.

A queda de braço entre catolicismo e protestantismo foi incessante. Em agosto de 1905, o bispo diocesano de São Paulo fez publicar o regulamento para a fundação do Centro da “Congregação da Doutrina Christã”, onde se versava sobre diversos aspectos para se propagar a doutrina cristã. Assim como para os protestantes, a educação ocupa importante papel nos dispositivos para a aplicação da doutrina cristã, o Regulamento da Congregação da Doutrina Christã apresentou a conduta a ser seguida por seus membros,

Outros Meios de propaganda religiosa,

36. O centro, que tiver director e sócios, cheios de zelo, tratará de diffundir o ensino do cathecismo ainda por outros meios. Aqui se indicam dous: 1º O ensino aos alumnos das escolas publicas, 2º A escola parochial.

37. Para organizar o primeiro, fará o Centro uma combinação com os professores públicos catholicos, os quaes, no caso de acceitarem o nobre encargo de catechistas, terão deante dos olhos estas recommendações: 1º ter, por escripto, o consentimento dos Paes, que querem e pedem o ensino do catechismo; 2º ensinar o catechismo ou historia sagrada durante meia hora cada dia; 3º dar este ensino fora da hora official da escola [...] 6º Mandar os seus alumnos a este catechismo publico e vigilar se elles vão, louvar os que vão, e censurar os que deixam de ir.

38. Outro meio é a escola parochial, tão vivamente recommendada pelos decretos do Concilio Plenario. Nesta escola, o estudo da Religião há de occupar a primeira linha [...] o resto do programma desta escola será egual ao das escolas publicas. Para ambos estes meios de propaganda religiosa, o Centro deve pedir o consentimento e a aprovação do Conselho.

39. Exforcem-se pois os parochos e as zeladoras para terem em seu Centro o maior numero possível de contribuintes afim de que tenham recursos para as despezas do mesmo Centro68.

67 Qual o melhor meio? Expositor Christão, v. 7, 20 de janeiro de 1894.

68 ASV. Documentos e Cartas Pastorais. Regulamento da Congregação da Doutrina Christã. 1897-1922,

Nos Documentos Pontifícios e Pastorais Coletivas pode-se observar a mesma preocupação com o ensino confessional, durante toda a Primeira República. Em uma Pastoral Coletiva do ano de 1921, D. Silvério exorta seus párocos e fiéis a observarem a educação oferecida nos colégios confessionais protestantes e recorda ainda outra pastoral de 1912,

Para avivar a memória dos pais no particular da educação cristã, a qual faz parte do assunto desta carta, pedimos encarecidamente aos reverendos vigários que leiam outra vez, e façam ler aos pais de família, nossa pastoral, de 29 de março de 1912 [...] Há muito trabalham os metodistas, e outras seitas da América do Norte, por atrair e arrastar os brasileiros, mas suas indústrias e esforços estacarão diante da resistência do nosso povo fiel [...] Ainda sem obrigarem os alunos as práticas do culto metodista, ou de outra seita, só a convivência perene com os que seguem e praticam, seria por si um desastre para a fé do menino, porque o exemplo é pregação mais eficaz que as mesmas palavras. Ainda que não pregassem abertamente, uma palavra escapada por acaso, um gesto, um sorriso, basta para envenenar a Fé da pobre criança e torná-la descrente por toda vida [...] Esses pais incorrem na excomunhão maior reservada ao Papa de modo especial, como fatores de heresia, porque confiar alunos a esses colégios é manifesta proteção dada aos mesmos, e a causa que eles propugnam69.

Após a Proclamação da República, não existiria mais uma religião privilegiada pelo Estado, ao menos em teoria. Estava aberto a todos os cidadãos republicanos o direito de escolher seu destino ou sua religião, ou seja, algumas religiões puderam se colocar no livre mercado da disputa das consciências. A hierarquia do catolicismo, durante toda Primeira República, procurou pressionar a sociedade e as autoridades políticas, através de suas cartas pastorais e demonstrações públicas de poder, apontando que seus “inimigos” eram, na realidade, inimigos da Pátria. Com isso, o catolicismo visava manter sua hegemonia na sociedade brasileira, se contrapondo às ideologias políticas que considerava heterodoxas, como as propostas pelo positivismo, maçonaria, protestantismo e o espiritismo.

69 ASV. Documentos e Cartas Pastorais - 1897-1922, Dom Silvério Gomes Pimenta. O perigo dos