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A sentença é o ato por meio do qual o magistrado acolhe ou rejeita, no todo ou ape-

nas parcialmente, o pedido formulado pelo autor17, concluindo sua função jurisdicional. Nada

obstante, no nosso sistema, a regra é que todo demandante tenha o direito de ver a decisão

revista no que lhe for desfavorável18. Dito de outra forma, a parte eventualmente sucumbente

17Art. 459. O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz decidirá em forma concisa.

18Importante lembrar que existem diversas exceções a essa regra, tais como a ação penal ajuizada contra o Presidente da República diretamente no STF.

pode requerer uma “segunda opinião” de um órgão do Judiciário de hierarquia superior19. O termo “recurso” é, assim, utilizado para denominar todos os meios disponíveis às partes para provocar o reexame de determinada decisão judicial dentro do mesmo processo

em que esta foi proferida20. É importante ressaltar que não são todos os atos praticados

pelo magistrado que estão sujeitos a reforma por meio de recursos, mas apenas aqueles

que possuam algum conteúdo decisório21. Ademais, para que uma parte esteja autorizada a

recorrer de uma decisão judicial, é imprescindível a existência de interesse recursal oriundo da sucumbência, parcial ou total, na ação. Exige-se, portanto, que a parte em questão tenha sofrido algum prejuízo com a decisão que pretende reformar por meio do recurso cabível, disciplinados nos arts. 496 e seguintes do CPC (arts. 907 e seguintes do ACPC).

Não é incomum, todavia, uma decisão judicial de procedência parcial, em que nem o autor teve sucesso em tudo o que havia pedido, nem o réu teve sucesso em rechaçar todos os pedidos deduzidos. Nesse caso, ambas as partes têm interesse recursal e comungam de prazo simultâneo e idêntico para recorrerem. É importante deixar claro, contudo, que o recurso de cada parte visa a obtenção de algo para si, e não para se defender do recurso da parte contrária. Para esse último intento, existe a previsão legal para que o recorrido apresente sua resposta, comumente chamada de contrarrazões.

A parte, entretanto, não está obrigada a recorrer22, sendo lícito conformar-se com o re-

sultado desfavorável e as eventuais consequências dali decorrentes. É possível, portanto, que a parte sucumbente prefira que o processo se encerre imediatamente, a recorrer. É possível, ainda, que a parte recorrente prefira desistir do recurso interposto antes de seu julgamento, momento em que a sentença transitará em julgado. Essa decisão não está condicionada à

aceitação da parte recorrida23.

Assim, simplificando para permitir maior clareza do raciocínio pretendido, em um pro- cesso cível, uma sentença do magistrado de primeira instância é revista por um colegiado de magistrados (Desembargadores) no Tribunal. O acórdão do Tribunal é potencialmente revisto por um colegiado de magistrados (Ministros) no Superior Tribunal de Justiça (matéria infra- constitucional) ou no Supremo Tribunal Federal (matéria constitucional). A parte sucumbente, seja o autor, o réu ou ambos (em caso de sucumbência recíproca), tem, então, duas opções à sua disposição: i) recorrer da decisão desfavorável ou ii) não recorrer e deixar a decisão transitar em julgado. Caso recorra, a parte adversa tem, também, duas opções: i) apresentar suas contrarrazões ao recurso interposto, isto é, apresentar sua defesa contra os argumentos do recorrente, ou ii) não apresentar suas contrarrazões (inexistindo, aqui, os efeitos da revelia). Independentemente da decisão da parte recorrida, o recorrente tem, ainda, a opção de desistir do recurso interposto. Desistência esta que não está condicionada à concordância da parte recorrida. A figura 2.2 ilustra essa etapa processual.

19Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. 20A ação rescisória, portanto, não é considerada um recurso, mas um meio autônomo de reforma de decisão. 21Art. 504. Dos despachos não cabe recurso.

22Não estamos tratando das hipóteses de remessa obrigatória, disciplinadas no art. 475 do CPC, pois não são recurso, mas prerrogativa do Estado de ter sentenças contra si analisadas em duas instâncias.

23Art. 501. (art. 911 do ACPC) O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.

Figura 2.2: Estrutura Recursal em uma Ação Recorrente

Recorrido

Recorrente

Trânsito em Julgado Acórdão

Recorrente

Acórdão Trânsito em Julgado

Trânsito em julgado Recorrer Não recorrer Contr arraz oar Não contr arr az oar Desistir Não desistir Não desistir Desistir

Por fim, independentemente dos motivos que levaram uma parte a preferir não recor- rer, caso a outra parte o faça, o nosso sistema recursal autoriza a primeira parte a recorrer adesivamente nas hipóteses previstas no art. 500, II, do CPC (art. 910, II, do ACPC), a saber, na apelação, nos embargos infringentes (hipótese eliminada no ACPC), no recurso extraordi- nário e no recurso especial. Demonstraremos como o mesmo método que utilizamos no tópico anterior é adequado para modelar a decisão de interpor ou não um recurso.

Para alguns recursos, existe a possibilidade de recorrer adesivamente (art. 500 do CPC), ato que pode ser interpretado como uma “segunda chance” para a perda do prazo de recorrer ou um “contra-ataque”. Maiores detalhes na discussão do tópico 4.1.3.

Desse modo, vamos denotar por (URecorrer) os benefícios que a parte espera obter

com o recurso, por PRa probabilidade subjetiva de êxito do recurso e por (CRecorrer), que se-

rão indenizados caso haja inversão dos ônus sucumbenciais. Importante destacar que, como na sistemática processual brasileira é vedado que o julgamento do recurso piore a situação do recorrente (reformatio in pejus), afora as custas de recorrer e ignorando, para fins de simplifica- ções do raciocínio, os custos do tempo, inexiste prejuízo adicional decorrente do indeferimento ou do não conhecimento do recurso. Assim sendo, caso o benefício esperado com o recurso, ponderado pela probabilidade de êxito, seja superior aos custos de recorrer, ponderados pela probabilidade de fracasso do recurso, há incentivos para que a parte sucumbente recorra. A inequação 2.22 modela essa decisão:

PRecorrer· (URecorrer) ≥ (1 − PRecorrer) · P rejuizo + CRecorrer

PRecorrer· (URecorrer) ≥ (1 − PRecorrer) · 0 + CRecorrer

PRecorrer· (URecorrer) ≥ CRecorrer

PRecorrer ≥

CRecorrer

URecorrer → 0 (2.22)

É esperado, portanto, que a parte sucumbente recorra caso atribua uma probabilidade subjetiva de sucesso do recurso, PRecorrer, superior à razão das custas processuais do re- curso pelo retorno que espera obter com o recurso. Novamente, um exemplo pode tornar claros esses pontos.

Supondo que as partes dos exemplos tratados nos tópicos anteriores tenham levado sua ação até a sentença, que deu procedência total para o autor e, consequentemente, conde- nou o réu ao pagamento de R$ 20.000,00, mais honorários fixados em 10% do valor da con- denação e nas custas processuais de R$ 366,10, totalizando um prejuízo de R$ 22.366,10. Supondo, ainda, que o advogado do réu não lhe cobre honorários adicionais para recorrer. Por fim, como estamos utilizando o regime de custas do TJDFT, o preparo da apelação é de R$ 11,15. Substituindo esses valores na inequação 2.22, temos que o réu recorrerá se atri- buir uma probabilidade de êxito de, pelo menos, 0,05%. Apenas a título de ilustração, essa

probabilidade é vinte vezes inferior do que acertar um número na roleta24.

PRecorrer≥ CRecorrer URecorrer (2.23) PRecorrer ≥ 11, 15 22366, 10 PRecorrer ≥ 0, 0005

Nada obstante, supondo que o recurso tenha sido interposto, sabemos que o recorrente

pode desistir a qualquer momento do recurso25 e essa desistência não está condicionada

à aceitação da parte recorrida26. Utilizando o mesmo raciocínio desenvolvido no tópico 2.4

quando modelamos a tomada de decisão do autor referente a desistir ou não de sua ação (inequação 2.17 - página 26), vamos propor um modelo da tomada dessa decisão.

Como discutimos acima, se o recurso foi interposto, é porque a inequação 2.22 foi satisfeita, ou seja, inicialmente, o recorrente atribuiu probabilidade subjetiva de êxito de seu recurso superior à razão entre os custos de recorrer e o benefício que pretende obter do re- curso. Contudo, após a apresentação das contrarrazões do recorrido, é possível que a crença 24Na verdade, para que a decisão de recorrer envolvesse uma probabilidade razoavelmente sensível, digamos, 10%, o denominador da inequação deveria ser de, no mínimo, R$ 1.115,00, segundo nosso exemplo.

25Art. 501. (art. 911 do ACPC) O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.

a respeito dessa probabilidade de êxito se modifique (Bayesian update) de tal maneira que desistir do seu recurso se torne a melhor estratégia. Para tanto, o retorno esperado do recurso deve ser inferior ao que terá de arcar caso opte por desistir. Considerando, contudo, que não existem consequências adicionais decorrentes da desistência, eis que os custos de recorrer já foram pagos e, portanto, se tornaram fundo perdido e é vedada a chamada reformatio in pejus, temos que o recorrente somente preferirá desistir se a sua nova expectativa quanto às

chances de êxito de seu recurso, P1

Recorrer, for inferior à expectativa anterior, PRecorrer, de tal

maneira que o retorno esperado de seu recurso seja inferior a zero. Formalmente,

PRecorrer1 · (URecorrer) − CRecorrer≤ 0

PRecorrer1 · (URecorrer) − 0 ≤ 0

PRecorrer1 ≤ 0 (2.24)

Entretanto, como P1

Recorrer é uma probabilidade, a inequação 2.24 somente será sa-

tisfeita quando P1

Recorrer = 0. Conquanto inexistam trabalhos acerca do índice de desistência

de recursos, em pesquisa de jurisprudência realizada no sítio eletrônico do TJDFT no dia 02.09.2012 (decisões monocráticas) utilizando-se a expressão “Desistência”, não encontra- mos sequer uma única decisão homologando desistência formulada pelo recorrente, o que corrobora a previsão do modelo.

Em conclusão, verificamos que, via de regra, nosso modelo teórico indica que a parte sucumbente tem grandes incentivos a recorrer e, uma vez feito, praticamente nenhum incentivo para desistir de seu recurso.

2.6 Conclusão

Neste capítulo, modelamos todas as decisões que as partes em litígio têm diante de si durante a fase de conhecimento e a fase recursal, representadas, respectivamente, pelas figuras 2.1 e 2.2.

Mostramos que, partindo do pressuposto que as partes se comportarão racionalmente, é possível modelar a sua estrutura de incentivos de sorte a prever o seu comportamento du- rante um litígio e permitir uma melhor compreensão da interação entre estes e avaliar a ade- quação da estrutura do processo brasileiro com os objetivos do Processo.

Demonstramos, também, a correlação entre o valor da causa, os custos de se litigar e o encerramento prematuro do processo por meio de um acordo, bem como o modo como é esperado que a parte recorrente se comporte antes e após a interposição de seu recurso.

No próximo capítulo, vamos aplicar a abordagem construída em determinados tópicos da realidade processual brasileira.

Capítulo 3

Aplicações da Teoria Juseconômica