• Nenhum resultado encontrado

Teoria dos Jogos e a atribuição do ônus probatório

Aplicações da Teoria Juseconômica do Processo Fase de Conhecimento

3.2 A Subutilização do Despacho Saneador

3.2.3 Teoria dos Jogos e a atribuição do ônus probatório

Um jogo estratégico com informações completas e imperfeitas, também chamado de jogo Bayesiano, é utilizado para modelar as situações em que os jogadores conhecem os payoffs envolvidos, mas não conhecem as preferências uns dos outros. Essa assimetria de informação pode ser unilateral, quando apenas uma das partes conhece as preferências da outra, ou bilateral, quando ambas as partes desconhecem as preferências mútuas. Para o problema em questão, postularemos que a assimetria é unilateral, ou seja, as partes não sabem a quem será atribuído o ônus probatório, porém o juiz sabe.

Nesse caso, e considerando que o cenário é idêntico (do ponto de vista da insegurança acerca da atribuição do ônus) para ambas as partes, estudaremos apenas o ponto de vista do autor A, mas deixamos claro que o mesmo raciocínio se aplica ao réu. Assim, chamaremos

de pˆonus a probabilidade que A atribui à possibilidade de que o ônus lhe seja atribuído e de

1− pˆonus a probabilidade de que o ônus não lhe seja atribuído (lembrando que essas proba- bilidades são subjetivas). As ações possíveis no nosso modelo são “provar” ou “permanecer inerte” para A e “atribuir o ônus” ou “não atribuir o ônus” para o Juiz.

Sabendo que A prefere não desperdiçar recursos com diligência probatória, caso o ônus não seja seu, mas também prefere diligenciar em hipótese contrária, podemos ordenar suas preferências por meio de uma função. Assim sendo, adotando a notação ua(γ, ι), em que

γ representa a ação de A e ι a ação do Juiz, e denotando a decisão de “provar” por Provar,

“permanecer inerte” por Inerte, “atribuir o ônus” por Ônus e “não atribuir o ônus” por Livre, a inequação 3.19 representa a ordenação das preferências do autor (da preferida para a menos preferida), de acordo com a expectativa da distribuição do ônus pelo Juiz.

ua(Inerte, Livre) ≻ ua(P rovar, ˆOnus) ≻ ua(P rovar, Livre) ≻ ua(Inerte, ˆOnus) (3.19)

A forma de ler essa inequação é a seguinte: em primeiro lugar, A prefere permanecer inerte se o ônus não lhe for atribuído (ua(Inerte, Livre)); em segundo lugar, A prefere provar

se o ônus lhe for atribuído (ua(Provar, ˆOnus)); em terceiro lugar, A prefere provar se o ônus

não lhe for atribuído (ua(Provar, Livre)); em último lugar, A prefere permanecer inerte se o

ônus lhe for atribuído (ua(Inerte, ˆOnus)).

Vamos supor o seguinte cenário: caso A opte por permanecer inerte (Inerte), não terá qualquer despesa com diligências probatórias. Todavia, caso opte por realizar a diligência (Provar), incorrerá em despesas de R$ 500,00. Se o ônus probatório lhe for atribuído (Ônus), as despesas lhe trarão um benefício de R$ 200,00, correspondentes ao aumento de chances de êxito de sua ação, o que lhe dará um payoff de R$ 300,00. Caso o ônus probatório não seja seu (Livre), não haverá nenhum benefício adicional com a dilação probatória. Por fim, caso o ônus probatório seja seu, mas A não tenha diligenciado, arcará com o prejuízo da perda de sua ação, que postularemos em R$ 10.000,00.

A tabela 3.6 organiza essas informações em ordem decrescente de preferências. Tabela 3.6: Payoff - Insegurança quanto ao ônus probatório - Autor

Cenários Resultado (payoffs)

ua(Inerte, Livre) R$ 0,00

ua(P rovar, ˆOnus) -R$ 300,00

ua(P rovar, Livre) -R$ 500,00

ua(Inerte, ˆOnus) -R$ 10.000,00

Por seu turno, temos duas ações possíveis para o Juiz, eis que o autor desconhece se

este preferirá15lhe atribuir o ônus ou não, quais sejam, “atribuir o ônus” (Ônus) e “não atribuir

o ônus” (Livre). Inexiste, contudo, uma ordem de preferências para ao magistrado como a que descrevemos na inequação 3.19, eis que este é indiferente quanto à ação do Autor em 15Conquanto tenhamos usado o vocábulo “preferir” para fins de uniformidade conceitual, não estamos fazendo qualquer inferência a alguma parcialidade do magistrado hipotético.

diligenciar ou não.

Lembramos que esse é um modelo extremamente simplificado da realidade, cunhado com a única intenção de atribuir rigor lógico ao nosso raciocínio. Em nenhum momento es- tamos afirmando que os Juízes distribuem o ônus probatório dinamicamente com o intuito de proteger ou favorecer uma ou outra parte. Desse modo, nosso método permite que o leitor que não concorde com nossas conclusões ou com as premissas das quais partimos para ordenar as premissas do Autor e do Juiz possa reconstruir o raciocínio e construir ouros cenários de sorte a abrir uma rica discussão que vá além da retórica e da dialética erística.

De posse dessas informações, analisaremos a figura 3.7, onde cada bimatriz repre- senta uma das preferências do Juiz.

Tabela 3.7: Ônus probatório fixado em sentença Juiz

Ônus Livre

Autor ProvarInerte -10.000,0-300,0 -500,00,0

A forma de interpretar a tabela 3.7 é a seguinte: supondo, inicialmente, que o Autor ti-

vesse certeza que o Juiz entendesse que o ônus probatório é seu, ou seja, que pˆonus= 100%.

Nesse caso, o jogo se restringirá ao lado esquerdo da tabela. Desse modo, o Autor deverá provar, eis que −300 > −10.000.

Supondo, agora, que o Autor tivesse certeza que o Juiz entendesse que o ônus proba-

tório não é seu, ou seja, que pˆonus= 0%. Nesse caso, o jogo se restringirá ao lado direito da

tabela. Desse modo, o Autor deverá permanecer inerte, eis que 0 > −500. Assim, retornando ao cenário original, qual seja, aquele em que o Autor não tem certeza se o Juiz entende que o

ônus probatório é seu, ou seja, que 0 ≤ pˆonus≤ 100%, ambos os lados do diagrama deverão

ser considerados em conjunto.

Nesse caso, se o Autor optar por Provar, seu payoff será a soma de -R$ 300,00 com

probabilidade pˆonus de que o Juiz entenda que o ônus probatório seja seu com -R$ 500,00

com probabilidade 1 − pˆonusde que o Juiz entenda que o ônus probatório não seja seu. Por

outro lado, caso opte por permanecer Inerte seu payoff será a soma de -R$ 10.000,00 com

probabilidade pˆonuscom R$ 0,00 com probabilidade 1 − pˆonus. Formalmente,

pˆonus· (−300) + (1 − ponus) · (−500), caso opte por “provar”ˆ (3.20)

ponusˆ · (−10.000) + (1 − pˆonus) · 0, caso opte por “permanecer inerte” (3.21)

Manipulando algebricamente as inequações 3.20 e 3.21, chegamos ao ponto crítico p∗

ˆ

nosso exemplo, é de 5%. p∗

ˆ

onus· (−300) + (1 − p∗ˆonus) · (−500) = p∗onusˆ · (−10.000) + (1 − p∗onusˆ ) · 0 (3.22) p∗

ˆ

onus= 0, 05

Vamos verificar esse resultado. Supondo pˆonus= 15%, temos que a estratégia domi-

nante do Autor será provar se o resultado da equação 3.20 for maior que 3.21.

ponusˆ · (−300) + (1 − pˆonus) · (−500) > ponusˆ · (−10.000) + (1 − ponus) · 0ˆ (3.23) 0, 15 · (−300) + (1 − 0, 15) · (−500) > 0, 15 · (−10.000) + (1 − 0, 15) · 0

−45 − 425 > −1.500 + 0 −470 > −1.500 1.030 > 0 Verdade

A estratégia dominante, portanto, é provar. Verifiquemos, agora, o que acontece se pˆonus= 4%:

ponusˆ · (−300) + (1 − pˆonus) · (−500) > ponusˆ · (−10.000) + (1 − ponus) · 0ˆ (3.24) 0, 04 · (−300) + (1 − 0, 04) · (−500) > 0, 04 · (−10.000) + (1 − 0, 04) · 0

−12 − 480 > −400 −92 > 0 Inverdade

A inequação não é satisfeita, devendo o autor, portanto, permanecer inerte. Verifica- mos, assim, que os resultados encontrados são coerentes com a teoria proposta.

Porém, não é sempre que a parte terá condições de quantificar suas preferências de sorte a conseguir resolver essas equações e inequações. Desse modo, sabendo-se que os agentes, em média, são avessos à ambiguidade (FOX; TVERSKY, 1995) e não estão dispostos

a investir para reduzi-la (GROU; TABAK, 2008), caso as partes não possam atribuir pˆonus ou

p∗ ˆ

onus com segurança, tenderão a diligenciar Provar para não se sujeitarem ao pior resultado

possível (Inerte,Onus). Assim sendo, acreditamos que, havendo insegurança a respeito do ônus probatório, é mais provável que as partes diligenciem para provar todos os fatos, em vez de permanecerem inertes, como defendeu o Ministro Relator.

3.2.4 Conclusão

Iniciamos esta seção relembrando que o mecanismo de revelação de informação pri- vada propiciado pelo processo é crucial para a sua extinção prematura e socialmente dese- jável por meio de acordos. Demonstramos o papel importante que um despacho saneador

completo, claro e abrangente possui para que essa revelação de informação seja eficiente, norteando a dilação probatória das partes para onde é necessária.

As partes, diante de um despacho saneador lacônico do tipo “Digam as partes as pro- vas que desejam produzir”, se sentem compelidas a pedir todo o tipo de produção probatória admissível em direito (depoimento de testemunhas, perícia, oitiva das partes, etc.). O ma- gistrado, por seu turno, único detentor da informação do que considera controverso na lide, indeferirá aquelas provas que entender desnecessárias (depoimento de testemunhas em uma ação revisional de contrato bancário, por exemplo). A parte, por fim, diante do indeferimento, agravará dessa decisão para evitar a preclusão! Todo esse cenário deixaria de ocorrer se a parte soubesse, de antemão, quais os fatos que o magistrado considerou controversos e aque- les que são incontroversos. Pela mesma razão, é o despacho saneador o momento adequado para a distribuição dinâmica do ônus probatório.

O que importa passar aos leitores é que a adoção das sugestões postas nesta seção independem de qualquer mudança legislativa, eis que tais procedimentos se encontram pre-

vistos nos arts. 331, §§ 2oe 3o16, e 45117 do CPC. A recomendação que se deixa, portanto, é

que os magistrados sigam a lei. Simplesmente.