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Regras de Prequestionamento para o Recorrido

Aplicações da Teoria Juseconômica do Processo Fase Recursal

4.2 Prequestionamento e o estímulo à recorribilidade

4.2.2 Regras de Prequestionamento para o Recorrido

De início, o leitor mais atento pode estranhar a discussão a respeito das regras de prequestionamento para o recorrido, pois este não tem interesse recursal algum, por definição. Portanto, se ele não pode recorrer, qual o sentido de se criar regras de prequestionamento para o recorrido? Existe um cenário em que essas regras se mostram necessárias.

Vamos supor que o autor ajuíze uma ação de cobrança contra um réu qualquer e que este apresente duas defesas autônomas e suficientes: i) a dívida está prescrita; e ii) a dí- vida foi remida. O Juiz acolheu o primeiro argumento de defesa e julgou a ação do autor improcedente, nada mencionando com relação à remissão (até porque absolutamente desne- cessário). O autor, irresignado, apela da sentença e o réu apresenta contrarrazões com os mesmos argumentos. O tribunal, por seu turno, a mantém por seus próprios fundamentos, negando provimento à apelação.

Perceba que, até o momento, o argumento ii) não foi apreciado pelas instâncias or- dinárias porque o argumento i) é suficiente para a improcedência da ação. O autor, ainda irresignado, recorre para um dos tribunais superiores e o réu apresenta contrarrazões desse recurso usando, novamente, os mesmos argumentos.

recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

9Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração.

10Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.

Contudo, o tribunal ad quem dá provimento ao recurso do autor e condena o réu à pagar a quantia pedida. O réu, irresignado, recorre dessa decisão, alegando que não foi apreciada o argumento da ocorrência de remissão. O autor, em contrarrazões ao recurso do réu, afirma que esse tema não foi prequestionado, eis que não fora apreciado pelas instâncias ordinárias. Há, aqui, duas regras que podem ser adotadas pelo tribunal: i) afastar a exigência do prequestionamento para o réu e conhecer o seu recurso; ou ii) exigir o prequestionamento para o réu e não conhecer o seu recurso.

Esse cenário foi observado in concreto no julgamento do EREsp no 595742 pelo STJ,

em que, inicialmente, o relator do REsp no 59574211 não havia conhecido os argumentos

trazidos pela parte recorrida por falta de prequestionamento pelo tribunal a quo, mesmo tendo sido reiterados em contrarrazões a esse recurso. A solução encontrada por aquele tribunal superior foi, justamente, afastar a exigência do prequestionamento nesse caso, uma vez que não se podia exigir a oposição de embargos de declaração pela parte não sucumbente. O

STF, no julgamento do RE no 282120, adotou o mesmo posicionamento, eis que, não sendo

“possível que se recorra apenas para discutir teses jurídicas, fundamentos pelos quais o pedido poderia ser atendido”, não haveria se exigir o prequestionamento dos argumentos da parte recorrida.

Solução diversa é adotada, entretanto, pelo TST que, fundado nos termos do enun-

ciado no 297, item III, de sua Súmula (já mencionada acima), exige a oposição de embar-

gos de declaração para fins de prequestionamento dos argumentos alternativos do recorrido, ainda que não exija o pronunciamento expresso do tribunal de origem sobre a questão. Ape-

nas a título de exemplo dessa hipótese, veja-se o resultado do julgamento do RR no 17940-

20.1993.5.04.0702:

O reclamante sustenta a inexigibilidade de prequestionamento de matéria de de- fesa, consistente no fato de que a dispensa seria inválida em razão do não aten- dimento de requisitos previstos em norma regulamentar, tendo em vista que a vio- lação teria nascido da decisão ora recorrida, bem como porque era vencedora na demanda e estava ausente o interesse recursal. Aduz divergência jurisprudencial, contrariedade à OJ 119/SDI-1/TST e Súmula 297/TST e traz aresto a cotejo. [. . . ]

Isso porque a alegação recursal é de que era desnecessário o prequestionamento de matéria que pretendia opor como óbice ao conhecimento do recurso de revista. Todavia, a c. Turma foi expressa ao considerar que, quando do julgamento do recurso ordinário, era possível antever a reversão do julgamento, mormente porque já editada a OJ 247/SDI-1/TST, pelo que havia interesse recursal em provocar o pronunciamento do eg. TRT sobre a existência de norma interna sobre despedida imotivada.

Desse modo, temos que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal 11Os embargos de divergência têm a mesma numeração processual do recurso especial originário, porém não necessariamente o mesmo relator.

entendem que a oposição de embargos de declaração pela parte não sucumbente é, não somente desnecessária, como vedada ante a inexistência de interesse recursal (art. 499 do CPC e art. 909 do ACPC). O Tribunal Superior do Trabalho, por outro lado, exige que a parte vencedora os oponha apenas para fins de prequestionamento ficto.

Vale dizer, conquanto entendamos que o TST tenha adotado a regra correta com re- lação ao recorrente, incentivando-o a embargar apenas quando exista omissão e julgando, desde logo, a matéria que lhe é posta, errou com relação ao recorrido. É que, como o recor- rido não tem como antecipar resultado do julgamento do recurso do recorrente, sua estratégia dominante será opor embargos de declaração para que o tribunal a quo se pronuncie sobre todos os seus argumentos de defesa. Ocorre que o tribunal não está obrigado a fazer isso, eis que não é, de fato, um órgão de consulta, mas jurisdicional. Sua função é decidir uma questão, escolhendo um fundamento para fazê-lo.

Desse modo, a exigência desse tribunal para que haja prequestionamento dos argu- mentos do recorrido incentiva-o a opor uma espécie de “embargos de declaração preventivos”, ou seja, “para o caso de o recurso principal ser julgado procedente”, cujo tema será, em sua maioria, prequestionado apenas fictamente, inexistindo qualquer ganho para as partes ou para o processo. Não há, portanto, nenhuma diferença real em se exigir o prequestionamento ficto dos argumentos do recorrido e dispensar o prequestionamento para este.

4.2.3 Conclusão

A análise acima não deixa dúvidas quanto ao fato de que a regra adotada pelo STJ para prequestionamento efetivo dos argumentos do recorrente, bem como a regra adotada pelo TST para prequestionamento ficto dos argumentos do recorrido que é ineficiente, pois torna mais complexo o trâmite processual, sem trazer nenhum ganho real para a resolução do litígio.

Ademais, a regra de prequestionamento adotada pelo TST para o recorrido induz a oposição de embargos de declaração mesmo quando a parte não for sucumbente o que, para além de se tratar de frontal violação à exigência legal de interesse recursal para oposição de embargos de declaração, a extrapolação desse cenário pode levar à conclusão de que o tribunal a quo se pronuncie sobre todas as teses jurídicas apresentadas pelas partes, o que aumentará os custos para que um processo seja julgado em definitivo. Dos três tribunais ana- lisados, portanto, apenas o STF adota as regras eficientes e que incentivam o comportamento adequado das partes.

Capítulo 5

Conclusão

Inauguramos esta dissertação com um trecho da obra de Kelsen onde este reconhece as limitações de sua ciência jurídica para investigar as motivações por trás das ações huma- nas. Procuramos apresentar uma resposta a esse desafio, modelando as principais decisões que partes e juízes têm diante de si durante a fase de conhecimento e a fase recursal do pro- cesso civil. O objetivo foi apresentar aos leitores uma forma diferente de enxergar a realidade jurídica, utilizando o rigor lógico da análise econômica do direito para compreender e prever o comportamento desses agentes. Alterações do Código de Processo Civil estão em andamento enquanto redigimos este trabalho, mas não temos notícia de uma única pesquisa sequer que tenha levado em consideração o problema pensado pelo jurista no início do século passado: quais as consequências das normas vigentes no comportamento dos cidadãos? Problema este, inclusive, que se mostra bastante atual para o escopo do presente trabalho, eis que te- mos a chance de identificar e corrigir problemas no texto do Novo Código de Processo Civil, de sorte a evitar erros estruturais e lógicos que induzam comportamentos indesejados sobre os jurisdicionados, como os identificados por Barossi-Filho (2012) na vigente Lei de Falências. Escolhemos, assim, diversos tópicos para aplicar a Teoria e identificamos diversos pro- blemas e fontes de desperdício que podem ser solucionados por simples mudanças na estru- tura de incentivos dos agentes. Mudanças que, muitas vezes, prescindem de alteração legis- lativa. Na verdade, como mostramos na discussão sobre a gratuidade de justiça (tópico 3.1), a legislação existente é adequada para promover os comportamentos socialmente desejáveis. Basta que sua aplicação seja feita de maneira criteriosa e objetiva pelo magistrado.

É bastante provável que algumas das conclusões apresentadas pareçam óbvias de- mais e que o leitor pense “há, realmente, necessidade de tudo isso?” Nossa resposta é a seguinte: a escolha desses problemas menos complexos foi proposital. Muitos cenários apresentados são apenas espécies de casos mais amplos. Pressupomos que, em todas as decisões, as preferências e incentivos do advogado estão em consonância com os de seu cliente, o que nem sempre é verdade e não discutimos nenhum cenário envolvendo litiscon- sortes ativos ou passivos, apenas para exemplificar como os modelos podem se tornar bem mais sofisticados.

monstrar à comunidade jurídica o poderoso instrumento que é a análise econômica do direito para investigar criteriosamente o processo civil Brasileiro, convidando outros pesquisadores a utilizar alguns dos modelos apresentados para solucionar seus próprios problemas.