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Recurso Adesivo é Vedado e a Informação é Imperfeita

Aplicações da Teoria Juseconômica do Processo Fase Recursal

4.1 Recurso Adesivo

4.1.2 Recurso Adesivo é Vedado e a Informação é Imperfeita

Inicialmente, modelaremos o momento imediatamente posterior à publicação de uma decisão de sucumbência parcial qualquer, contra a qual não caiba recurso adesivo, como um

jogo simultâneo4com informações imperfeitas, ou seja, as decisões de ambas as partes são

tomadas ao mesmo tempo e uma parte sabe quando a outra tem ou não tem interesse recursal, mas desconhecem se elas preferem ou não recorrer. Esse jogo também é chamado de jogo Bayesiano.

Parece claro, contudo, que, se uma das partes preferir recorrer, ela o fará independen- temente do que a outra faça (o custo de recorrer é muito baixo em comparação ao benefício esperado do recurso). Na verdade, essa foi a exata conclusão que chegamos quando discu- timos a inequação 2.22 (página 31), eis que, via de regra, a razão entre as custas recursais e o valor da causa tende a zero. Por seu turno, também parece claro que se uma das partes preferir não recorrer, ela não o fará independentemente do que a outra faça.

4Esse é um contexto verossímil, eis que, com exceção das pessoas elencadas nos arts. 188 e 191 do CPC, todas as partes possuem o mesmo prazo para recorrer.

Os cenários em que a parte prefira recorrer absolutamente ou prefira não recorrer ab- solutamente não interessam para o escopo dessa discussão, uma vez que suas ações inde- pendem da ação da outra parte. Contudo, os cenários em que a decisão da parte em recorrer ou não está condicionada à decisão da outra parte merecem maior discussão, eis que são os únicos casos em que o recurso adesivo traz benefícios, como demonstraremos a seguir.

Por exemplo: vamos supor que, em uma ação de divórcio, a mulher tenha perdido o pedido de pensão alimentícia para si, mas tenha ganhado o reconhecimento à metade do imóvel em comum do casal que, quando alienado, renderá R$ 75.000,00 para cada um. Por outro lado, caso a mulher reverta a sentença em seu favor, poderá obter os R$ 5.000,00 de pensão que havia pedido. Ocorre que um conhecido a abordou para adquirir o imóvel para reformá-lo para um empreendimento, o que renderia a ambos os ex-cônjuges R$ 200.000,00. O prazo, contudo, dessa oferta é muito curto. Por fim, postulemos que estime probabilidade de êxito de seu recurso em 60% e do recurso de seu ex-marido em 30% e que o custo de recorrer é de R$ 700,00.

Dito de outra forma, postulando que a mulher é a autora A da ação e o homem, o réu R, e denotando a ação “não recorrer” como n e “recorrer” como r, podemos ordenar as preferências de A, de modo que:

ua(n, n) ≻ ua(r, n) ≻ ua(r, r) ≻ ua(n, r) (4.3)

Assim, em primeiro lugar, A prefere não recorrer se R não recorrer, eis que obterá os R$ 200.000,00 da venda ao seu conhecido. Em segundo lugar, A prefere recorrer se R não recorrer, pois, apesar de perder a oportunidade de receber os R$ 200.000,00, receberá R$ 75.000,00 da avaliação original e poderá receber a pensão alimentícia. Resultado esperado

75.000+ 12 · 5.000 · 0, 6 − 700 = 110.200. Em terceiro lugar, A prefere recorrer, caso R tam-

bém recorra, pois, estará correndo o risco de perder os R$ 75.000,00 da avaliação. Resultado esperado 75.000 · (1 − 0, 3) + 12 · 5.000 · 0, 6 − 700 = 88.300. E, o pior resultado possível, A não recorre, porém R recorre, eis que corre o risco de perder o imóvel, sem que exista qual- quer chance de obter a pensão alimentícia. Resultado esperado 75.000 · (1 − 0, 3) = 52.500. Ordenando as preferências da autora em uma função temos o resultado apresentado na tabela 4.3.

Tabela 4.3: Payoffs da cônjuge virago que prefere não recorrer se o outro não recorrer

A Valores

ua(n, n) R$ 200.000,00

ua(r, n) R$ 110.200,00

ua(r, r) R$ 88.300,00

ua(n, r) R$ 52.500,00

Supondo que o réu também esteja em um cenário semelhante qualquer em que prefira não recorrer apenas se a autora também não recorrer, mas que nem ele, nem a autora sai- bam conheçam essas preferências mútuas. Temos, assim, um cenário de assimetria bilateral de informação. Como estamos considerando um cenário simétrico, conquanto os resultados

efetivos possam ser diferentes, o raciocínio para ambas as partes é idêntico. Desse modo, estudaremos apenas o ponto de vista da autora.

Denotando por PRecorrer a probabilidade que A atribui à possibilidade de R preferir re-

correr, 1 − PRecorrerserá, portanto, a probabilidade que ele prefira não recorrer. Algumas con-

clusões podem ser extraídas nesse momento. Dizer que A acredita que R recorrerá significa

dizer que PRecorrer > 1− PRecorrer. Desse modo, caso A tivesse certeza que R preferia re-

correr, ou seja, que PRecorrer = 100%, então sua estratégia dominante seria recorrer também.

Por seu turno, se tivesse certeza que R não preferia recorrer, ou seja, que PRecorrer= 0%, en-

tão sua estratégia dominante seria não recorrer, como já discutimos acima. Todavia, como ela não tem certeza, terá de adotar uma estratégia mista. Seu payoff será dado pela multiplicação do payoff de cada jogada possível por sua probabilidade respectiva.

Assim, caso decida não recorrer, seu payoff será dado por:

PRecorrer· ua(n, r) + (1 − PRecorrer) · ua(n, n) (4.4)

PRecorrer· 52.500 + (1 − PRecorrer) · 200.000

Por seu turno, caso decida recorrer, seu payoff será dado por:

PRecorrer· ua(r, r) + (1 − PRecorrer) · ua(r, n) (4.5)

PRecorrer· 88.300 + (1 − PRecorrer) · 110.200

Igualando e manipulando algebricamente as inequações 4.4 e 4.6, chegamos ao ponto crítico P∗

Recorrer = 71, 5% para PRecorrer do exemplo, acima do qual a estratégia dominante

de A será sempre recorrer. Dito de outra forma, se A acreditar que pa > 34, então ela deverá

recorrer, ainda que preferisse não o fazer.

PRecorrer· 52.500 + (1 − PRecorrer) · 200.000 < PRecorrer· 88.300 + (1 − PRecorrer) · 110.200

(4.6) 0, 715 < PRecorrer Entretanto, sabe-se que dificilmente as partes conseguem quantificar suas preferências de sorte a conseguir resolver essa equação. Desse modo, sabendo-se as partes não podem atribuir, com segurança, a probabilidade subjetiva de que a outra prefira recorrer e sabendo- se que os seres humanos, em média, são avessos à ambiguidade (FOX; TVERSKY, 1995) e não estão dispostos a investir para reduzi-la (GROU; TABAK, 2008) é esperado que prefiram recorrer para não se sujeitar ao pior resultado possível, qual seja, não recorrer e a outra parte recorrer.

A essa ambiguidade endógena, envolvendo as preferências das partes, acresce-se a ambiguidade exógena decorrente dos incentivos para que a outra parte que prefira recorrer oculte essa sua preferência, pois, ao assim se comportar, a parte viabiliza o resultado em que recorra e a outra parte não, que ocupa o primeiro lugar em suas preferências. Desse modo, caso uma parte prefira não recorrer, ela tem interesse em enviar um sinal correspondente. Contudo, se preferir recorrer, ela também tem incentivos para enviar (se possível) o mesmo sinal de que não recorrerá (por exemplo, começando a discutir um acordo). Generalizando, nenhuma das partes tem elementos para confiar no sinal enviado pela contraparte.

Por fim, considerando que não somente é muito barato recorrer, como discutimos no tópico 2.4 (página 26), e que a desistência do recurso é incondicionada à concordância do recorrido, a autora tem diante de si o seguinte cenário: i) se eu recorrer e o réu não, posso desistir e chegar ao resultado mais desejável; ii) se eu recorrer e o réu também, mantenho o recurso e evito o pior resultado. Portanto, a estratégia dominante da autora é recorrer. Ocorre que, como estamos estudando um cenário simétrico, o raciocínio esperado do réu é o mesmo e, portanto, espera-se que este adote a mesma estratégia também.

Portanto, ainda que nenhuma das partes prefira recorrer, elas o farão por ser a segunda melhor estratégia disponível de modo a não se sujeitarem ao pior resultado possível em que esta deixe de recorrer, mas a outra recorra. Posto de outra maneira, não havendo forma crível de sinalizar esse fato, elas não chegarão ao resultado ótimo em que nenhuma das partes recorra, tendendo ao terceiro melhor resultado, qual seja, em que ambas recorrem. Vejamos agora como, ao introduzir a modalidade adesiva, resolvemos esse impasse ao transformarmos um jogo de tomada de decisão simultânea com informação imperfeita em um jogo sequencial com informação perfeita.