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Participantes da pesquisa: quem são as professoras experientes?

CAPÍTULO 2 APRESENTANDO O PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO

2.3. Participantes da pesquisa: quem são as professoras experientes?

Escolhemos como participantes desta pesquisa seis professoras experientes, que, em 2016, atuavam nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede pública de ensino de São Carlos. Essas professoras participaram de todas as atividades desenvolvidas na ReAD: das atividades virtuais e dos encontros presenciais. Nessa escolha, ser experiente segue o critério adotado por Reali et al. (2008, p. 83-84), no qual “mais experiência não se relaciona diretamente com mais anos de prática ou com melhores práticas”, mas pode favorecer a construção de conhecimentos e saberes situados a partir das vivências e realidades dessas professoras.

Apresentar o perfil das participantes da pesquisa é fundamental para compreendermos quem são e o lugar de onde emergem suas narrativas. Esse movimento é importante para que as análises dos dados possam ser contextualizadas, oferecendo elementos para realizarmos as interrelações entre as narrativas em seus aspectos particulares e gerais. Esse perfil foi traçado e analisado a partir das respostas do formulário respondido pelas professoras experientes quando da inscrição na ReAD. Os nomes utilizados

nesta pesquisa foram escolhidos pelas próprias professoras participantes, com o objetivo de assegurar a identidade das mesmas e ao mesmo tempo para que ao lerem esse trabalho se reconheçam nele pelo nome escolhido.

Os dados do formulário preenchido pelas professoras ao que se refere aos dados pessoais, de formação acadêmica e de atuação profissional.

Quadro 8 - Perfil: dados pessoais e de formação acadêmica.

Professo ra

Idade Cor/raça Gênero Formação

acadêmica/a no de conclusão

Instituição Pós-graduação (área) e ano

Ana Luiza 42 anos

Branca Feminino Magistério e Pedagogia - 2001 UNESP- Araraquara Mestrado em Educaçao Escolar (UNESP) 2004 Ana Carolina 45 anos

Branca Feminino Magistério e Pedagogia 2014 UNESP- Araraquara Especialização em Educação Infantil e Séries iniciais Verônica 37 anos

Branca Feminino Magistério e Pedagogia 2008 UNESP Araraquara Especialização Psicopedagogia 2010 (UNICLAR) Mestrado em Educação Escolar (UNESP) 2013 Paula 32 anos

Branca Feminino Pedagogia 2007

UFSCar Especialização Educação Infantil, Psicopedagogia e Ética de valores Mestrado em Educação UFSCar 2015 Olívia 31 anos

Parda Feminino Pedagogia 2007 UNESP Araraquara Especialização (2011 e 2015) Cursava mestrado em Educação na UFSCar Sofia 31 anos

Branca Feminino Pedagogia 2007 UFSCar Especialização Psicopedagogia (UNICEP) Mestrado em Educação Especial 2015

Fonte: Elaboração da autora.

Os dados fornecidos pelas professoras experientes apontam que a maioria declarou-se branca com relação ao quesito cor/raça e que tem idades nas faixas etárias dos 30-37 anos e 40-45 anos. Todas as professoras se

autodeclararam como do gênero feminino21. É importante frisar, que essa

pergunta não apresentava múltipla escolha, ou seja, não havia nenhuma indicação das palavras masculino ou feminino. Deixar a resposta como livre, possibilitou que as professoras pudessem expor, caso quisessem, uma identidade de gênero diferente da relacionado ao sexo (feminino ou masculino).

21 Gênero é uma marca de diferenciação social, construída histórica, social e culturalmente, que incide em todas as relações humanas, não podendo ser ignorada.

Assim, elas poderiam apontar outras identidades de gênero, como a transexual ou transgênero, por exemplo.

Historicamente, no Brasil, o magistério voltado ao ensino de crianças foi pensando para as mulheres. No Império, a docência era destinada ao gênero feminino, por meio das primeiras Escolas Normais. É importante lembrar que se tratava à época de uma profissão voltada para formação das mulheres das elites brasileiras, as quais não podendo ingressar em outras carreiras tinham como "opção" a docência. Da mesma forma, as escolas primárias não eram para toda a população.

As alterações na economia brasileira dos anos 30 até 50 foram essenciais para a demanda por educação para a população.

A partir da década de 40 até a de 70, com as reformas educacionais, notadamente a Capanema, a estruturação de uma rede de escolas fomentou a formação de professoras. Com o objetivo de atender à essa demanda, a consolidação das Escolas Normais teve um papel fundamental: formar professoras para atuarem nas escolas primárias, como apontado por Saviani (2009).

De acordo com Vianna (2002), ao longo do século XX a atuação de mulheres nas escolas, em especial nas de Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental foi tornando-se cada vez mais presente.

A autora indica que no final do século passado, a educação básica (que atualmente inclui Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) apresentava um caráter fundamentalmente feminino. Tal fenômeno é observado em diferentes países, implicando na importância da discussão de gênero e docência.

A partir de diferentes autores, Vianna (2002) indica que a expansão do ensino no Brasil afastou os homens dos cursos de formação docente e iniciou o processo de feminização do magistério. O magistério passa, então, a ser também uma via de formação para as mulheres pobres, principalmente após a LDB nº 5.692/71, que dispôs sobre a habilitação específica de segundo grau para o exercício do magistério.

O processo de feminização do magistério ocorre em um contexto de precarização das condições de trabalho, do rebaixamento salarial e da estratificação sexual da carreira docente. Assim, quando o Estado expande o

ensino primário, em meados do século XX, ocorrem várias mudanças que promovem a precarização do trabalho docente, quais sejam: existência de professores leigos, facilitação dos cursos normais para formar mais docentes, construção de escolas precárias.

Dessa forma, o recorte de autodeclaração do gênero das professoras participantes desta pesquisa é importante porque faz parte de suas constituições identitárias, as quais podem influenciar a forma como se constróem enquanto professoras e como se relacionam em/com seu ambiente de trabalho, uma vez que:

Nossa socialização interfere na forma como nós – homens e mulheres – nos relacionamos, interfere nas profissões que escolhemos e na maneira como atuamos. Não se trata de afirmar que sempre foi assim ou que é inerente à nossa “natureza”. Trata-se, sim, de afirmar que as expressões da masculinidade e da feminilidade são historicamente construídas e referem-se aos símbolos culturalmente disponíveis em uma dada organização social, às normas expressas em suas doutrinas e instituições, à subjetividade e às relações de poder estabelecidas nesse contexto. (VIANNA, 2002, p. 90).

De acordo com Vianna (2002), discutir essas duas categorias pode possibilitar a ampliação do entendimento da profissão docente e os

mecanismos pensados para a formação22. Neste trabalho, ainda que o foco

não seja a referida relação entre gênero e docência, algumas análises podem se ver compreendidas por este viés, pois aqui, trazemos um estudo sobre seis professoras mulheres e seu desenvolvimento profissional docente.

Com relação à formação continuada, como apresentado no quadro na seção sobre o perfil das professoras, todas as participantes possuem pós- graduação, sendo que quatro delas são mestres em Educação (uma delas estava participando do processo seletivo para ingresso no Doutorado) e uma cursava mestrado à época da pesquisa. As áreas de interesse pela pós- graduação latu-sensu indicam a predominância de cursos em Psicopedagogia e Educação Infantil.

Podemos afirmar, assim, que se trata de um quadro de professoras muito bem qualificado e que buscam formação continuada, constantemente, por meio de cursos de pós-graduação, por exemplo. O fato de aceitarem o convite para participar do ReAD, denota a preocupação dessas professoras

22 Ressaltamos que, atualmente, há uma crescente produção de pesquisas que abordam as relações entre gênero e docência.

com seu desenvolvimento profissional, independentemente do seu tempo de atuação profissional (vide a professora Ana Luiza com 21 anos de experiência). Com o objetivo de traçar o perfil das professoras experientes, apresentamos os dados com relação à atuação profissional. Ainda que estes dados estejam também relacionados à inserção na carreira e ao tempo de atuação das professoras, é importante que saibamos sobre seus lugares de fala à época da pesquisa.

Quadro 9 - Atuação profissional Professora experiente Tempo de atuação profissional Atuação em 2016 Atuações anteriores Ana Luiza 21 anos

16 anos (Ensino Fundamental- Prefeitura de São Carlos) 5 anos (Educação Infantil)

Professora apoio e substituição nos 1ºs e 2º anos Educação Infantil (turmas de 4 a 5 anos) Ensino Fundament al (1º e 2º ano) Ana Carolina 15 anos

15 anos (Ensino Fundamental- Prefeitura de São Carlos)

2º ano 3º e 4º anos

Ensino Fundam ental Verônica 14 anos

14 anos (Ensino Fundamental Prefeitura de São carlos) 3 meses Educação Infantil

Coordenadora Pedagógica Educação Infantil (turmas de 4 a 5 anos) Ensino Fundament al ( 1º,2º,3º, 4º e 5º ano) Paula 13 anos

3 anos (Ensino Fundamental – Prefeitura de São Carlos) 1 ano (Ensino Fundamental- Ibaté)

10 anos (Educação Infantil)

Educação Infantil (0a 3 anos)

Ensino Fundamental 2º ano

Educação Infantil (0 a 3 anos e 4 a 5 anos) Ensino Fundament al (1º e 2º ano) Olívia 10 anos

Ensino 8 anos ( Ensino Fundamental- Prefeitura de São Carlos)

2 anos Educação Infantil

3º ano Educação Infantil (4 a 5 anos) Ensino Fundament al (2º, 3º e 4º anos) Sofia 8 anos

8 anos (Ensino Fundamental- Prefeitura São Carlos)

2º ano 2º e 3º anos

As seis professoras deste estudo atuavam à época nos anos iniciais do

Ensino Fundamental, notadamente, no primeiro ciclo23 (do 1º ao 3º ano). Duas

dessas professoras não atuavam em turmas regulares: uma delas atuava como professora de apoio/substituição (professora que substitui em diferentes turmas quando há falta de professoras ou realizam atividades de apoio às outras das turmas regulares, em momentos determinados) e outra atuava como professora coordenadora. Apenas uma das professoras ocupava dois cargos como docente (na Educação Infantil e no Ensino Fundamental), as outras cinco trabalhavam em regime de 33 horas, em um período e apenas em uma escola.

O tempo de atuação profissional varia de 08 a 21 anos de experiência docente. Assim, temos professoras que estão consolidando sua experiência docente e outras com mais experiência reunidas no mesmo contexto de atuação (a rede municipal de São Carlos) e que se encontram em momentos distintos de seu desenvolvimento profissional. Evidencia-se aqui, o encontro intergeracional que ocorre de forma espontânea nas escolas e na ReAD de forma dirigida a um objetivo formativo. (SARTI, 2009).

A professora com mais tempo de vínculo empregatício com a rede de ensino municipal, era a professora Ana Luiza (com 16 anos) e as demais com vínculos entre 8 e 14 anos. Isso indica que se trata de um corpo docente que já conhece o sistema de ensino no qual atua, o que pode impactar também em seu desenvolvimento profissional, por terem construído um sentimento de pertencimento a uma rede de ensino.

As professoras experientes atuavam há mais de cinco anos na mesma escola. Apenas a professora Sofia atuava na mesma escola há 8 anos, desde sua inserção na carreira docente. Esses dados indicam que, exceto a professora Sofia, todas as demais professoras tiveram outras experiências docentes em outras escolas, dentro da mesmo rede de ensino e fora dela também. Veremos adiante que esta característica pode ter um impacto na construção da identidade docente dessas professoras e em seu

23 A rede municipal de ensino de São Carlos é responsável pelas escolas de Educação Infantil e pelo Ensino

Fundamental 1 e 2. São 47 CEMEIS (Centros Municipais de Educação Infantil) e 08 EMEBs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental). Na Educação Infantil estão matriculadas 8.389 estudantes e no Ensino Fundamental 5.521 estudantes. A rede possui ainda o Ensino de Jovens e Adultos, com 560 estudantes na EJA e 190 nos polos de atendimento do MOVA (Movimento de Alfabetização de Adultos). O Ensino Fundamental 1 engloba os anos iniciais do 1º ao 5º ano. Este é dividido em dois ciclos: do 1º ao 3º, o qual centra-se na alfabetização e o 4º e 5º ano seguem o processo de aprofundamento e consolidação da leitura e da escrita e demais conteúdos escolares. O Ensino Fundamental 2 (anos finais) é ofertado em duas escolas apenas, nas quais estão os estudantes de 6º ao 9º ano. Fonte: http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/educacao-em-numeros.html- Acesso em setembro de 2017.

desenvolvimento profissional docente, tomando como referência o caráter situado da docência, apontado por Marcelo Garcia (2000).

Os dados evidenciam ainda, que essas professoras mantém vínculos com a mesma unidade escolar, o que é um fator importante na elaboração e no desenvolvimento do projeto político pedagógico das escolas nas quais atuam. Indica ainda, uma certa estabilidade com as comunidades escolares nas quais estão inseridas.

De acordo com os dados do perfil, a atuação dessas professoras é, predominantemente, no primeiro ciclo dos anos iniciais, ou seja, tratam-se de professoras que lidam, principalmente, com o processo de alfabetização.

O conhecimento das professores a respeito do ambiente virtual de aprendizagem era básico. Todas tinham acesso à internet em casa, por meio

de computadores; uma professora indicou nunca ter feito cursos a distância e

duas afirmaram não conhecer a plataforma Moodle.

Esses dados apontam para o crescente acesso à tecnologia nas escolas públicas do estado de São Paulo. Isso representa um avanço e pode possibilitar o uso de novas tecnologias com as turmas nas quais lecionam. Representa ainda, a possibilidade de melhorar as condições de trabalho docente, na medida em que, essas professoras podem utilizar a internet para planejar aulas, buscarem e realizarem formação continuada.

Quatro participantes indicaram não apresentar nenhuma dificuldade no uso de ferramentas utilizadas em ambiente virtual e duas não responderam essa questão. Ao serem perguntadas sobre as expectativas em relação ao programa, todas indicaram nunca ter participado de algo como o ReAD. Isso sugere, como apontado pela literatura, sobre a importância da formação de redes constituídas por professoras. Marcelo Garcia (2000) nos assessora nesta discussão ao apontar que:

O termo ‘rede’ se entende como uma malha de pessoas conectadas por laços em torno dos quais fluem coisas como objetos, trabalho, afetos, avaliação, conhecimento, prescrições, influência e poder, e nas quais a maioria dos participantes estão conectados uns com os outros. As redes enlaçam diferentes pessoas com diferentes propósitos utilizando uma variedade de formas” (MARCELO GARCIA, 2000, p. 50).

A respeito das contribuições que a ReAD traria às participantes, os principais termos e palavras foram: espaço de reflexão, trocas de experiências,

formação continuada, ampliação dos conhecimentos acerca da formação de professores, melhoria da prática pedagógica, conhecer as dificuldades que as professoras iniciantes enfrentam, conversar sobre as dificuldades da profissão e como as outras professoras lidaram com isso. Essas expectativas corroboram o explicitado por Marcelo Garcia (2000) sobre a importância das redes de aprendizagem docente.

O formulário também buscou saber quais questionamentos e dúvidas, as professoras experientes consideravam importantes a serem tratadas. Isso possibilitou o planejamento das atividades de intervenção, buscando identificar, de certa forma, algumas das necessidades formativas daquele grupo.

Assim, as professoras evidenciaram que o programa deveria abordar sobre: as dúvidas sobre os cursos de formação de professores, o que é ser professor, o distanciamento entre a formação e a prática nos cursos de Pedagogia, a construção da carreira docente, as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, a importância da formação continuada, as dificuldades do início da carreira docente (lidar com conteúdos, avaliação e inclusão), necessidades de formação para a sala de aula, as expectativas profissionais no curso de formação inicial, articulação entre conhecimentos teóricos e os saberes experienciais da prática pedagógica.

É importante destacar que os apontamentos relacionados pelas professoras constituíram os eixos da intervenção. Isto mostra que a proposta de formação de uma rede que reúna professoras em diferentes fases da carreira pode ser uma forte aposta para a formação continuada.

Os assuntos/temas indicados pelas professoras experientes reafirmam o que a literatura sobre a área de formação de professoras vem apontando: a necessidade de se conhecer a especificidade da profissão docente e a busca pela compreensão de sua complexidade. Chama a atenção ainda, o fato de a maioria das professoras apontar a necessidade de se abordar sobre as dificuldades do início da docência. Ou seja, as professoras experientes indicam esse período da carreira como fase que deve ser discutida e analisada.

Após apresentarmos o perfil das professoras participantes do estudo, passamos aos dados e suas análises a partir dos eixos aqui explicitados. Escolhemos apresentar os dados simultaneamente com as análises a fim de tornar os aspectos mais articulados e para sermos coerentes com os

pressupostos teórico-metodológicos, buscando as relações entre o todo e as partes, entre o macro e micro, como indicado por Minayo (1993).

CAPÍTULO 3 - FORMAÇÃO INICIAL E A CONSTRUÇÃO DA BASE DO