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Participantes do estudo: Os professores e a carreira do magisterio

Capítulo 2: DAS ESCOLHAS METODOLÓGICAS AOS CAMINHOS PERCORRIDOS

2.3. O Caminho Percorrido

2.3.2. Participantes do estudo: Os professores e a carreira do magisterio

A fim de apresentar os dados coletados, optou-se por organizar e nomear os sujeitos de acordo com as fases da carreira em que eles se encontram, o que torna possível averiguar se determinadas questões emergem vinculadas a uma(s) fase(s) específica.

Para isso, tomamos por base autores como Huberman (2007) e Estrela (2010). O primeiro, por ser um importante referencial no ciclo da carreira do professor; a segunda, por lidar com a formação de professores propriamente dita, com as dimensões afetivas e éticas que a envolvem, a autora considera o trabalho desenvolvido por Huberman (2007), mas traz à tona os estudos de Loureiro (1995) e Gonçalves (2000), incrementando a discussão.

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Huberman (1992) acredita que apesar de diferentes estudos sobre a formação inicial e a carreira terem emergido na segunda metade do século XX, ainda havia poucos que tratava especificamente do ciclo de vida docente. O autor se debruça a investigar esse assunto e acredita que questões muito interessantes o norteiem, tais como:

Será que há um grande número de professores que passam pelas mesmas etapas, as mesmas crises, os mesmos acontecimentos-tipo, o mesmo termo de carreira, independente da “geração” a que pertecem [...]? Terão a percepção que modificam os seus processos de animação, a sua relação com os alunos, a organização das aulas, as suas prioridades, o domínio da matéria que ensinam? [...] O que é que distingue, ao longo das carreiras, os professores que chegam ao fim carregados de sofrimentos daqueles que o fazem com serenidade? (HUBERMAN, 2007, p. 35 – 36).

O autor realiza seu estudo a partir da perspectiva de “carreira”, considerando as questões acima e acreditando que os indivíduos sofrem influências internas e externas, de modo que é necessário considerar aspectos maturacionistas e psicológicos, mas também culturais, históricos e sociais. Sendo que o desenvolvimento do indivíduo se dá a partir desse jogo entre forças internas e externas.

Huberman (2007) ainda considera que “a relação-chave é a que se verifica entre as representações e as acções dos indivíduos em contextos precisos” (p. 55). E que é importante

ouvir o indivíduo, a fim de perceber como ele percebe as situações pelas quais passa em

diferentes etapas de sua carreira.

Dessa forma, ele apresenta também diferentes ressalvas sobre as limitações de seu estudo, como por exemplo, tomar cuidado com as generalizações, pois ao dizer que em determinada etapa os indivíduos passam por uma crise, pode-se camuflar que os fatores que levaram a essa crise são diferentes para cada indivíduo, assim como o teor dela. Outra dificuldade pode ser agrupar as lembranças narradas por um professor de 60 anos com os recentes acontecimentos na vida de um professor de 30. Mas, por fim, ele conclui que seria muito difícil promover um estudo que acompanhasse os mesmos professores e seu desenvolvimento ao longo de suas carreiras, já que isso envolveria pesquisas de cerca de 40 anos de duração. Dessa forma, ele conclui:

O que há, de mais simples, a fazer é estar consciente destes limites, assinalá-los no início do trabalho, tal como nas análises em causa, e, de modo geral, trabalhar o mais objectivamente possível com os dados, que são, para o melhor e para o pior, o fruto de uma subjectividade rica e complexa (HUBERMAN, 2007, p. 59).

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Assim, o autor conclui que existem determinadas “sequências” ou “maxiciclos” que atravessam as carreiras de diferentes indivíduos inseridos em uma mesma profissão. Contudo, ele evidencia que “uma tal sequência se reporta a um grande número, por vezes mesmo à maioria dos elementos de uma população estudada, mas nunca à totalidade dessa população” (p. 37).

Estrela (2010) demonstra que os estudos de Gonçalves (2000) vão ao encontro dos resultados de Huberman (2007), sendo que ele realizou um estudo longitudinal, ou seja, entrevistou 40 professores a fim de identificar se havia fases comuns entre esses. Alguns anos depois voltou a entrevistar 32 professores, verificando se eles estariam na próxima fase apontada pela base teórica de Huberman (2007).

Analisando os resultados, Estrela (2010) aponta: “Interessa sublinhar que as fases detectadas representam uma tendência geral, não constituem degraus obrigatórios, a passagem de um para o outro dependendo de factores biográficos e institucionais” (p. 29).

Por isso levamos em consideração que os participantes desta pesquisa podem apresentar características em comum por estarem em uma mesma fase, mas podem também divergir em função de inúmeros fatores, como seu histórico, seu contexto social, suas crenças, entre outros. Apesar disso, as fases serão um primeiro guia para pensarmos em alguns elementos que podem perpassar a situação vivida por cada um dos professores:

Professores Fase da Carreira Anos de experiência Total

PI1 a PI63 INÌCIO 1-4 63

PE1 a PE40 ESTABILIDADE 5-7 40

PD1 a PD79 DIVERGÊNCIA 8-15 79

PS1 a PS57 SERENIDADE 16 - 24 57

PRD1 a PRD30 RENOVAÇÃO ou DESENCANTO 25 - 40 30

Quadro 2: Professores organizados de acordo com a fase que se encontram em sua carreira.

Para a construção desse quadro consideramos o trabalho de Estrela (2010), que se baseou principalmente nos estudos de Gonçalves (2000). Mas não há grandes variações entre as fases apresentadas por Huberman (2007) e Gonçalves (2000), já que para o primeiro a fase inicial é chamada de entrada e é composta por professores que têm entre um e três anos de experiência; a fase de estabilidade iria do quarto ao sexto ano de experiência; a fase de divergência entre sete e 25; a fase de serenidade entre 25 e 35 e, por fim, a fase de desinvestimento compreendendo professores que trabalham há 35 a 40 anos.

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Tomaremos a contribuição de ambos os autores para trazer os principais aspectos de cada fase.

 O início da carreira: Os autores indicam que essa fase é marcada pela tentativa de

sobreviver no ensino, onde pode haver um choque com o real: pois as dificuldades

em lidar com a realidade emergem e o professor coloca-se a questionar: darei conta deste compromisso? Como lidar com a distância entre os ideais e situação real vivida no cotidiano? Como lidar com a fragmentação do trabalho, como conciliar o trabalho pedagógico e a transmissão do conhecimento, como organizar material adequado e se relacionar com os alunos que causam problemas?

Por outro lado, a fase é marcada pelas descobertas que costumam entusiasmar os professores iniciantes, pois finalmente possuem a sua sala, seus alunos, seu programa, seu material, fazem parte de um corpo profissional!

Alguns professores vivenciam ambas as situações, outros priorizam o choque com a realidade e outros acabam ficando encantados com as descobertas que fazem. Mas a exploração da nova realidade é marcante nesses diferentes perfis e poderá ser mais longa ou mais breve dependendo da situação em que o professor se encontra, pois alguns logo se estabilizam em uma escola, outros passam por inúmeras instituições; alguns se encontram profissionalmente e desejam seguir a carreira docente, outros ainda estão tentando descobrir se é isso mesmo que desejam fazer... Esses e outros fatores poderão interferir na duração dessa fase inicial.

 Fase de estabilidade: Huberman (2007) indica que para autores que acreditam em uma tendência psicanalítica essa fase é marcada pela escolha de uma identidade profissional, proporcionando uma autoafirmação. Para o autor, trata-se da fase em que o docente compromete-se definitivamente com o ensino e geralmente reebe uma nomeação oficial. Essas questões tendem a gerar sentimentos de pertença a um grupo profissional e independência para organizar o seu trabalho, perpassando a ideia de libertação ou emancipação. Crescem os sentimentos de competência pedagógica, confiança e conforto, levando os docentes a focarem mais nos objetivos didáticos do que em si mesmos.

Gonçalves (2000) indica que os professores que lidam com a docência de forma negativa passam por sentimentos de mera continuidade, onde há uma desilusão do que se esperava; ou mesmo o sentimento de estagnação.

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 Fase de diversificação: Huberman (2007) indica que há maior variação entre as respostas dos professores nessa fase. Passadas as inseguranças e incertezas da fase inicial, agora o professor tende a consolidar seu estilo pedagógico, cada um vai

desenvolvendo e experimentando novas situações pedagógicas dentro do que acredita. Tendo uma maior compreensão dos fatores institucionais que

influenciam em suas escolhas pedagógicas, tendem a ser mais motivados,

dinâmicos, empenhados nas discussões pedagógicas e nos processos de reforma:

“[...] o comprometimento coletivo com actividades colectivas corresponde também a uma necessidade de manter o entusiasmo pela profissão [...]” (HUBERMAN, 2007, p. 42, grifos nossos).

Gonçalves (2000) destaca que numa perspectiva negativa pode emergir a . Para Huberman (2007) esse é um período de por-se em questão, sendo que muitos começam a fazer um balanço de sua carreira profissional. Em meio a essa avaliação podem ser desencadeados aspectos relacionados a questionamentos, aos engajamentos pontuados acima, mas também pode se deparar com um grande desencanto quando se contato fracassos de experiências ou das reformas estruturais.

 Fase de serenidade: Para Huberman (2007), geralmente chega-se à essa fase após uma sequência de questionamentos, apesar de haver exceções. Os professores tornam-se menos sensíveis e menos vulneráveis à avaliação de outras pessoas, seja seu diretor, coordenador, seus pares ou seus alunos.

Por um lado, o entusiasmo tende a diminuir – muitos lamentam por não terem mais a energia que tinham quando jovens; por outro lado, os problemas diminuem, sendo que se aceitam como são e não como os outros desejam.

Também pode haver um distanciamento afetivo dos alunos, o que pode decorrer “da sua pertença a gerações diferente e, portanto, das suas diferentes “subculturas”, entre as quais o diálogo é mais difícil” (HUBERMAN, 2007, p. 45).

Gonçalves (2000) pontua que numa perspectiva positiva emerge a reflexão, a ponderação referente aos anos vividos, o sentimento de ter valido a pena. Mas numa perspectiva negativa pode ser salientado o desencanto, o desinvestimento na carreira e o conformismo com a situação em que se encontra.

 Fase da renovação do interesse ou desencanto: Muitos professores, nessa fase,

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menos interessados e menos motivados. Percebe-se maior rigidez, dogmatismo e

prudência, resistência com relação às transformações, nostalgia com relação ao

passado.

Alguns se libertam da profissão sem se lamentar, dedicando maior atenção a si mesmos, à sua vida fora da escola, a uma reflexão do percurso vivido. Alguns podem se sentir marginalizados com relação aos acontecimentos que conduzem a escola e o sistema escolar. Certas pesquisas indicam que quando as experiências vividas não correspondem às expectativas, quando há muitas frustrações, os professores podem iniciar o processo de desinvestimento já no meio da carreira. Gonçalves (2000) mostra que numa perspectiva positiva os docentes podem

demonstrar um (re)interesse pela atividade docente, buscar uma (re)atualização profissional e mesmo o desejo de acompanhar os novos professores. Numa

perspectiva negativa perpassam a falta de entusiasmo; sentimento de frustração;

um caráter penoso de sua função e a obsessão pela aposentadoria.

Consideramos essas perspectivas, pois entendemos que poderão nos ajudar a compreender os professores, nas especificidades de cada fase. Mas sempre lembrando que alguns podem não se enquadrar no quadro delimitado por Huberman (2007) ou Gonçalves (2000), que podem também desenvolver uma trajetória própria, deixando de passar por determinada fase ou apresentando características divergentes.