• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 5: A DIMENSÃO HUMANA DO TRABALHO DO PROFESSOR

5.2. As Contribuições de Maurice Tardif: Dos Saberes Docentes às Interações Humanas

5.2.2. O Professor enquanto pessoa

Como discutimos anteriormente, ao interagir com os alunos, usar de suas emoções, experiências e estratégias, muitas características pessoais do professor acabam vindo à tona, de modo que os processos de formação docente não podem apenas depositar sua atenção para os conhecimentos técnicos e científicos, mas precisam ressaltar os valores, crenças e experiências que delineiam a personalidade e a identidade dos professores (TARDIF, 2010):

Há uma parte de cientista no trabalho do professor: a aquisição de novos conhecimentos, o estudo aturado, o rigor da planificação e da avaliação. Mas há

164

também uma parte de artista: a reacção a situações imprevistas, a pedagogia-da- situação, a resposta a comportamentos inesperados. Como diz Daniel Hameline, os professores têm uma parte de geómetras e outra de saltimbancos. E estas partes têm de estar ligadas, construindo uma maneira própria de cada um ser professor (NÓVOA, 2012, p. 77).

Nóvoa (1992; 2012), como destaca no trecho acima, também defende a importância de se considerar a dimensão pessoal do professor, pois valoriza o fato do professor ser uma pessoa e de uma parte importante dessa pessoa ser o professor. Afirma isso ao perceber o papel fundamental que a história de vida dos docentes desempenha sobre sua atuação profissional, de modo que suas experiências pessoais, seus valores e suas crenças influem em seus posicionamentos assumidos durante a prática pedagógica.

Tardif (2000) corrobora essa questão quando ressalta que os professores frequentemente falam sobre si mesmos quando são interrogados sobre suas práticas, antes de falarem sobre suas competências profissionais, contam sobre seus talentos e habilidades pessoais, mostrando que esses contribuem muito para seu sucesso profissional.

Outro exemplo da força que a dimensão pessoal exerce sobre a docência é o fato dessa ser incorporada até mesmo nos instrumentos e locais de trabalho do professor, a começar pelas salas de aula, que são organizadas e decoradas segundo as suas preferências e intenções. Ao mesmo tempo, o professor transpõe seu estilo, sua personalidade para sua maneira de ensinar, para o modo como se organiza em cada época do ano, para lidar com a disciplina dos alunos, entre outros aspectos. “Todos esses fenômenos e muitos outros do mesmo tipo revelam que a personalidade dos professores impregna a prática pedagógica: não existe uma maneira objetiva ou geral de ensinar; todo professor transpõe para a sua prática aquilo que é como pessoa” (TARDIF, 2010, p. 144).

Para o autor, todas essas decorrências do trabalho do professor ainda os coloca como

artesãos, pois assim como eles, os professores precisam elaborar seus instrumentos e locais

de trabalho.

Tardif e Raymond (2000) mostram que essa marca da personalidade no trabalho faz com que muitas experiências de épocas anteriores à formação inicial sejam consideradas durante a formação e até mesmo durante o exercício da docência. Isso ocorre devido ao fato dos saberes experienciais serem também temporais, ou seja, são construídos ao longo do tempo, o que leva a crer que a trajetória por trás de cada professor (história de vida) pode assumir grande significado, ainda mais quando pensamos que “os professores são

165

trabalhadores que foram mergulhados em seu espaço de trabalho durante aproximadamente 16 anos [...], antes mesmo de começarem a trabalhar” (TARDIF, 2000, p. 13).

Nesse caso, os autores revelam a força dos afetos e das experiências pessoais nos processos de formação e de constituição identitária. Tardif e Raymond (2000) destacam que experiências pessoais anteriores ao processo formal de formação docente podem gerar fortes influências sobre a postura e o modo de ser do professor.

Desse modo, diferentes espaços, vivências e pessoas que, em algum momento, cruzaram a vida dos docentes, podem ter sido propícios para uma socialização que contribuiu com a construção de sua identidade, de modo que os valores e aprendizagens adquiridos nesses contextos tornaram-se significativos e continuam a ser legitimados ao longo da carreira, a não ser que sejam ressignificados por algum outro processo de socialização e constituição identitária.

Um dos contextos conhecidos por serem significativos e participarem da construção da identidade é a própria escola básica e as experiências inerentes a essa. As pesquisas mostram que é comum, nos momentos de urgência, que os professores se lembrem de soluções adotadas por seus antigos professores e acabem realizando-as novamente. Ao mesmo tempo, tendem a julgar seus futuros alunos a partir de suas próprias experiências como alunos.

(TARDIF; RAYMOND, 2000).

Outro ponto de referência citado por muitos professores é a própria família, pois muitas das vivências e dos valores aprendidos com essa são levados para a profissão. Segundo as pesquisas, experiências marcantes com outros adultos, em contextos extraescolares, especialmente na época da adolescência, também foram muito recorrentes como momentos de aprendizagem ou de inspiração para pensar a docência (TARDIF, 2010).

Ao perceber que experiências anteriores são tão importantes para os professores, Tardif e Raymond (2000) reconhecem que os cursos de formação de professores dificilmente são capazes de romper com as experiências e crenças fortemente impregnadas de afetos, que foram consolidadas ao longo da trajetória de vida, a partir de vivências da infância ou da adolescência.

Assim, indicam que esses esquemas de ação construídos pelos professores resistem às reflexões críticas realizadas na formação inicial e continuam a prevalecer durante o exercício da docência, de modo que: “[...] o tempo de aprendizagem do trabalho não se limita à duração da vida profissional, mas cobre também a existência pessoal dos professores, os quais, de um

166

Outro aspecto que traz à tona a dimensão pessoal do professor é o fato de muitos professores destacarem sua paixão pela profissão, pois muitos justificam suas escolhas profissionais apontando que esse sentimento nasceu por terem vivido em uma família de professores; outros salientam que seus antigos professores fizeram-nos gostar tanto do que fazem; outros pontuam que sentiam muito prazer em ajudar os colegas de sala. Há também aqueles que dizem que sua paixão advém das crianças, do carinho que sentem por elas, pois gostam de estar com elas (TARDIF; LESSARD, 2012).

Esses aspectos levam alguns docentes a acreditarem que sua paixão pelo ensino é anterior à profissão e depositam um grande valor sobre sua pessoa, sendo que entendem que “foram feitos para ensinar”, “nasceram professores”, possuem “o dom para exercer a profissão”.

Tardif (2010), apesar de chamar a atenção para a influência da pessoa sobre o trabalho do professor, entende que essas concepções possam reduzir o verdadeiro teor da profissão. Para o autor, essas pessoas não “nasceram professores”, mas aprenderam técnicas e traquejos da profissão ao longo de sua própria história de vida.

Essa naturalização das práticas sociais ignora que o papel do professor também é definido em um contexto, de acordo com organizações e normas institucionalizadas. Desse modo, o “saber-ensinar” seria a correspondência entre o que se espera do professor na instituição e sua atuação docente. Para o autor, isso se dá em decorrência de uma racionalização da personalidade, que é construída devido ao sucesso do sujeito como aluno e como professor, pois “mostra como o indivíduo responde às normas institucionalizadas e como a equipe de trabalho, em troca, seleciona e valoriza essas “personalidades” que se acham em conformidade com os papéis institucionalizados” (TARDIF, 2010, p. 78, grifos do autor).

Nessa perspectiva, Tardif (2010) mostra que essa concepção pode apresentar dois riscos principais: o primeiro é que ao se acreditar que “foi feito para ensinar” pode-se julgar que tanto suas práticas, quanto a organização e os objetivos institucionais são os ideais, levando a uma postura de manutenção de antigas práticas, deixando de valorizar ou de considerar que o ensino possa ser aprimorado, que as instituições possam se transformar de acordo com o contexto que as envolvem.

O segundo risco é que, embora essa concepção destaque a importância da personalidade e da história de vida no trabalho do professor, esses saberes por si só não possibilitam a aprendizagem efetiva do trabalho docente: “[...] esses saberes sozinhos não

167

permitem representar o saber profissional: eles tornam possível o fato de poder fazer carreira no magistério, mas não são suficientes para explicar o que também faz da experiência de trabalho uma fonte de conhecimentos e de aprendizagem” (TARDIF, 2010, p. 79).

Nessa medida, apesar do autor demonstrar a importância da dimensão pessoal para o desenvolvimento profissional do professor, valorizando suas experiências e a aprendizagem que é adquirida com essas, ele também realiza algumas ressalvas, mostrando os riscos de restringir a aprendizagem da docência à experiência, ou mesmo em acreditar que ‘nasceu pronto para ensinar’.

Com isso se retoma uma preocupação que já foi pontuada acima: os cursos de graduação não tem contribuído para fazer com que os futuros professores ressignifiquem suas crenças, seus saberes e seus valores, de modo que muitos continuam a crer “que foram feitos para o ensino” e outros continuam a utilizar saberes ou ações que aprenderam no meio familiar, na escola básica com antigos professores, em experiências que lhes foram marcantes na infância ou na adolescência (TARDIF, 2000).

Para Tardif (2000), isso acontece principalmente porque o modelo dos cursos de formação é disciplinar – orientado pela lógica aplicacionista, onde o foco é o cumprimento das disciplinas, e não é profissional – onde seria centrado na realidade e saberes pertinentes

ao trabalho do professor.

Na lógica disciplinar, o curso é fragmentado e especializado, sendo que não há relações entre as diferentes disciplinas, cada uma delas é uma unidade autônoma de curta duração, oferecendo pouco impacto sobre os alunos. A lógica disciplinar também é guiada por questões de conhecimento em vez de questões de ação. “Em uma disciplina, aprender é conhecer. Mas, em uma prática, aprender é fazer e conhecer fazendo” (TARDIF, 2000, p. 19).

A lógica embutida é aplicacionista, pois se ensina que primeiramente é preciso conhecer bem, para posteriormente aplicar seu conhecimento às suas ações: “O modelo tradicional de formação de professores enfatiza a tradução do conhecimento acadêmico em práticas. Os licenciandos devem aprender o que e como lecionar em seus cursos e, em seguida, aplicar nas escolas, durante os estágios, o que aprenderam” (ZEICHNER, 2013, p. 200).

O problema é que essas características não se coadunam com o trabalho que de fato é exercido pelo professor, pois, como vimos ao longo do capítulo, um professor em sua prática não pensa de acordo com essa lógica aplicacionista. Além disso, nesse modelo não se

168

considera as crenças e representações que os alunos construíram ao longo de toda a sua vida sobre o ensino.

Dessa forma, a formação inicial tende a não ter um grande impacto sobre o que os alunos acreditam, compreendem e sentem no início do curso.

Na verdade, eles terminam sua formação sem terem sido abalados em suas crenças, e são essas crenças que vão se reutilizar no momento de aprenderem a profissão na prática, crenças essas que serão habitualmente reforçadas pela socialização na função do professor e pelo grupo de trabalho nas escolas, a começar pelos pares, os professores experientes (TARDIF, 2000, p. 20).

Assim, o autor sugere romper com a lógica disciplinar para desenvolver a lógica profissional, propondo quatro tarefas principais para que essa se desenvolva:

1) Primeiro, seria necessário reconstruir o repertório de saberes que fundamentam os cursos de formação, de modo a valorizar os saberes profissionais dos professores. Para tanto é preciso realizar uma reflexão crítica sobre os aspectos que fundamentam as crenças dos professores com relação a seus conhecimentos profissionais.

2) A segunda tarefa seria desenvolver dispositivos na formação que sejam orientados pela prática profissional do professor. De forma a considerar as necessidades dos docentes e se relacionar a seus saberes, suas representações e suas ações.

3) A terceira tarefa, considerada utópica pelo autor, é fazer com que a formação inicial dos professores seja compartilhada com as escolas, que universidade e escola se co-responsabilizem por essa formação. Zeichner (2013) vai além dessa proposta, sugerindo também que a comunidade tenha participação nessa formação:

Defendemos a criação de novos “espaços híbridos” na formação universitária de professores, por meio dos quais o conhecimento acadêmico, a escola e a comunidade se relacionam de maneira menos hierárquica e acidental para apoiar o aprendizado do professor (p. 203).

Incluindo ou não a comunidade, essa tarefa é considera difícil por Tardif (2000), pois exige uma nova organização dos cursos universitários e uma remodelação das carreiras dos professores universitários, pois a sugestão é dividir a responsabilidade da formação com outras instâncias parceiras.

4) A quarta tarefa, por fim, é que os professores universitários pesquisem e reflitam sobre suas próprias práticas, levando em consideração que eles também são

169

professores, pois, para o autor, na universidade muitas vezes há a ilusão de que os professores universitários não possuem práticas de ensino. “[...] essa ilusão faz com que exista um abismo enorme entre nossas “teorias professadas” e nossas “teorias praticadas”: elaboramos teorias do ensino e da aprendizagem que só são boas para os outros, para nossos alunos e para os professores” (TARDIF, 2010, p. 21).

De acordo com Tardif (2010), ao refletir sobre modelos de formação de professores, “o que está em jogo [...] é a identidade profissional tanto dos professores quanto dos

formadores universitários” (p. 301, grifos do autor). Ao optar-se por um determinado modelo

de formação priorizam-se determinados saberes e colocam-se outros em segundo plano; priorizam-se determinadas experiências e deixa-se de vivenciar outras, de modo que os processos experienciados ao longo da formação exercerá maior ou menor influência sobre a ressignificação da identidade dos futuros professores.

Nesse sentido, Tardif (2000, 2010) reivindica uma formação na qual os saberes

experienciais e o próprio trabalho docente sejam considerados, pois considera que os professores construam seus saberes a partir de sua experiência profissional e não apenas

aplicam os saberes apreendidos na universidade. Nessa construção, não emerge apenas a dimensão profissional, mas também valores, crenças e saberes oriundos da dimensão pessoal. É nesse contexto que a epistemologia da prática profissional pode corroborar para melhor compreendermos a prática e os saberes que são inerentes ao trabalho do professor, o que pode servir como base às reflexões e às análises dos futuros professores.

Com isso se assume que a universidade e os saberes por ela produzidos não dão conta de propiciar ao professor todos os saberes necessários para ensinar, sendo que a valorização dos saberes experienciais e uma parceria entre escola e universidade seria um caminho possível para superar inúmeras barreiras que marcam a formação de professores e o próprio exercício da docência: a barreira entre teoria e prática; escola e universidade; formação e trabalho; dimensão pessoal e profissional. Caminho que necessita romper com a lógica disciplinar de formação para que se assuma a lógica da socialização profissional (TARDIF, 2000, 2010):

A lógica da socialização profissional, com seus ciclos de continuidades e de rupturas, suas experiências de iniciação (a primeira lição, a primeira turma, o primeiro início de ano letivo etc.), seus questionamentos identitários e éticos, sua relação complexa com os saberes de diversas fontes, suas urgências na tomada de decisões, seus momentos reflexivos mesclados de afetos e de proselitismo deve

170

progressivamente excluir a lógica disciplinar como fundamento da formação (TARDIF, 2000, p. 21).

Nessa nova lógica, os saberes experienciais ganham centralidade, assim como as experiências docentes – sejam elas realizadas em estágios de regência ou por meio da observação de pares. Os fundamentos da educação e os saberes pedagógicos teriam o papel de contribuir para que se compreenda a profissão docente em suas múltiplas dimensões, para que se perceba a função social da escola, do professor, do ensino e se reconheça os diferentes papéis que esses desempenharam ao longo dos anos. Mas ao possibilitar que a escola seja também um espaço de formação, abrem-se as portas para que os estudantes reflitam sobre as reais funções do professor, a real organização da escola e dos currículos, os reais desafios encontrados na prática docente.

Como dito, na formação guiada pela lógica da socialização profissional, o estágio e as reflexões acerca das práticas docentes não são compreendidos como espaços de aplicação de uma teoria, mas sim como espaços de aprendizagem da profissão, nos quais ocorre uma socialização profissional na medida em que o saber, o saber-fazer e o saber-ser vão sendo incorporados por meio de experiências, trocas com os pares e com professores experientes, reflexões e análises críticas de sua prática e da de seus pares.

A socialização profissional abre espaço à ressignificação dos saberes, crenças, valores, concepções e habilidades adquiridas anteriormente, na medida em que possibilita a vivência, a reflexão e a ação sobre novas crenças, valores, concepções e habilidades inerentes à profissão, sendo que muitos desses se consolidam nos saberes experienciais que:

[...] abrangem igualmente aspectos como bem-estar pessoal em trabalha nessa profissão, a segurança emocional adquirida em relação dos alunos, o sentimento estar no seu lugar, a confiança nas suas capacidades de enfrentar problemas e de poder resolvê-los (alunos difíceis, conflitos etc.), o estabelecimento de relações positivas com os colegas e com a direção etc (TARDIF; RAYMOND, 2000, p.).

E nesse ponto entende-se que essa socialização profissional, na medida em que possibilita esses processos de ressignificação, contribui para que a identidade dos estudantes e

professores seja reconstruída. Como vimos, para Dubar (1997), a identidade é produto de

sucessivas socializações, pois se reconstrói ao longo da vida de acordo com as experiências, instituições e as interações que perpassam o sujeito.

171

O autor utiliza o termo identidade como espaço-tempo geracional para definir essa concepção relativa à identidade, a qual se constrói ao longo do tempo e do espaço (processos

biográficos e relacionais).

Dessa forma, para que a formação do professor contemple esses dois processos é essencial que eles possam aprender com as interações humanas que se estabelecem determinados ambientes, onde seja possível confrontar as concepções que são atribuídas aos professores por quem atua na escola ou na universidade e as concepções que o professor em formação reivindica para si (processo relacional). Nesse processo, ocorre uma negociação entre as diferentes identidades, sendo o fator relacional muito importante para a contínua reconstrução da identidade do sujeito, para que haja uma confrontação entre a identidade para si e a identidade para os outros.

Dessa forma, faz ainda mais sentido que a formação dos professores não fique restrita aos saberes e ao espaço da universidade, mas que contemple outros espaços e saberes, em especial os inerentes à escola. Dubar (1997) coloca que a cada novo espaço vivenciado pelos sujeitos, novas socializações ocorrem, pois é preciso compreender as normas e valores vigentes na instituição, havendo a confrontação entre esses e suas próprias normas e valores, de modo que:

[...] se é verdade que a experiência do trabalho docente exige um domínio cognitvo e instrumental da função, ela também exige uma socialização na profissão e uma

vivência profissional através das quais se constrói e se experimenta pouco a pouco uma identidade profissional, onde entram em jogo elementos emocionais,

relacionais e simbólicos que permitem que um indivíduo se considere e viva como um professor e assuma, assim, subjetivamente e objetivamente, o fato de fazer carreira no magistério (TARDIF; RAYMOND, 2000, p., grifos nossos).

Vivenciar, refletir e analisar as normas, valores e concepções relacionadas à instituição escolar e aos seus diversos agentes torna-se um processo muito importante para a própria formação, na medida em que exige que os professores em formação passem por uma

socialização profissional e reconstruam, assim, sua própria identidade.

Mas as identidades também se reconstroem em função do tempo, na negociação entre a identidade herdada até o momento e a identidade visada – o que se pretende ser (DUBAR, 1997). Para tocar nesse processo é essencial que o trabalho com as histórias de vida aconteça, para que sejam levadas em consideração as crenças, os valores, os saberes e as experiências adquiridos em fase anterior à formação profissional:

172

Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. [...] Urge por isso (re)encontrar espaços de interacção entre as dimensões pessoais e profissionais,

permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro de suas histórias de vida (NÓVOA, 1992, p. 25, grifos

nossos).

Nóvoa (1992) chama a atenção para dois aspectos que viemos defendendo até aqui: a importância de relacionar a dimensão pessoal do professor à sua dimensão profissional; e considera que para isso o trabalho com as histórias de vida seja pertinente, acessando experiências marcantes da vida dos professores em formação, buscando compreender suas concepções, valores e crenças a partir dessas. Com isso, pode-se acessar o caráter temporal dos saberes, confrontando a identidade herdada e a identidade visada profissionalmente.