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PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA E A PRESENÇA DE ELEMENTOS CONSERVADORES

No documento janainaaparecidaparreira (páginas 55-63)

CAPÍTULO I: SERVIÇO SOCIAL E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO: um retrospecto das suas bases sócio-históricas.

1.3 PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA E A PRESENÇA DE ELEMENTOS CONSERVADORES

Conforme elucidamos no item anterior, com base nas análises de Escorsim Netto (2011, p.41) o conservadorismo pode ser compreendido como uma “expressão cultural particular de um tempo e um espaço muito preciso: o tempo e o espaço da configuração da sociedade burguesa”. Neste movimento de entendermos que o conservadorismo não é a-histórico, partimos do pressuposto que a partir de distintos traços da formação social do Brasil e do próprio capitalismo, teremos diferentes expressões do conservadorismo, tendo em vista que ele não é unívoco, e a partir de determinado contexto histórico, político e social pode se manifestar através de novos elementos e valores. Por essa razão, neste item nosso esforço centra-se em compreender os traços conservadores no país a partir das particularidades da sua formação social em sua passagem de uma sociedade escravocrata para a capitalista, a constituição do capitalismo e as revoluções feitas pelo “alto”, excluindo as camadas populares dos processos decisivos do país.

A partir das reflexões de Caio Prado Júnior (1965) e Octavio Ianni (2004) sobre a colonização do Brasil, iniciamos os nossos apontamentos. Segundo Caio Prado Júnior (1965) para compreendermos o sentido da colonização no Brasil é preciso diferenciar as formas de ocupação que aconteceram nas colônias da América Latina dos demais países. Nos países que foram colonizados pelo povo europeu, o sentido da colonização deve-se muito mais às necessidades de povoar este espaço e disseminar os valores e a cultura do europeu do que propriamente um fim econômico. Já nas colônias da América Latina, como é o caso do Brasil, a colonização aconteceu primeiramente por um objetivo econômico: extrair as riquezas naturais do país em proveito do comércio europeu. Ou seja, para Prado Júnior (1965) a colonização entendida a partir de um contexto mundial e internacional pode ser comparada a uma empresa comercial na medida em que explora todos os recursos naturais do país para beneficiar a si mesmos e ao comercio europeu. Este sentido da colonização “explicará os elementos fundamentais, tanto o econômico como o social, da formação e evolução dos trópicos americanos” (p.25).

O Brasil durante o seu processo de colonização especializou-se na produção agrícola que seria de interesse do mercado europeu, utilizando-se da monocultura em diversos momentos e da mão de obra escrava. Em contrapartida importava produtos de outros países. O processo de colonização do nosso país pelos portugueses e jesuítas foi o responsável pela “organização” da economia, política, da sociedade e até mesmo da nossa cultura. Ademais,

instituíram um padrão “característico do modo pelo qual os grupos e classes dominantes, anos e séculos depois, lidam com a maioria do povo. Subsiste na cultura política dominante o espírito da colonização, do conquistador que submete e explora o povo” (IANNI 2004, p. 326).

A utilização da mão de obra escrava remeteu-se a inserção “forçada e predatória de populações indígenas e africanas, sacrificando modos de vida e trabalho, culturas, línguas, religiões, visões de mundo” (Idem, p. 326). Neste processo de submissão da população indígena e posteriormente dos africanos ao trabalho escravo, marcado pela violência contra os seus costumes e tradições (que eram vistos de forma depreciativa), a Igreja Católica esteve presente desde o início a partir da presença dos jesuítas para catequizar os índios e transformá- los em “pessoas do bem”, bem como na própria educação da população que estava sendo formada no país (BONFIM, 2015). Com isso, a partir da colonização foram construídos valores, formas de pensar e agir, que estão enraizados em nossa sociedade mesmo após séculos de abolição da escravatura.

Outro elemento que esteve presente desde a colonização do país foi a forma de dominação conhecida como patrimonialismo. O patrimonialismo está pautado em relações clientelistas, na apropriação privada do que é público, na pessoalidade, “no predomínio constante das vontades particulares que encontram em seu ambiente próprio, em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal”(HOLANDA, 1995, p. 146). Não é difícil de identificar os elementos que corroboraram ao longo da história para esta apropriação do que é público pelo privado, uma vez que os europeus já chegaram ao Brasil objetivando conquistar as terras e as riquezas aqui existentes sem preocupação prévia de saber a quem elas pertenciam e por quem eram ocupadas.

A partir da independência do país em 1822 começa a se constituir uma sociedade nacional. Contudo, este ato de independência não representou uma ação revolucionária: pelo contrário, foi dotado de traços conservadores, objetivando a manutenção da ordem social. O patrimonialismo vigente desde a colônia se estenderia para as demais instâncias da sociedade para garantir “o privilegiamento político do prestígio social exclusivo que eles desfrutavam, material e moralmente na estratificação da sociedade” (FERNANDES, 1976, p. 57). Diante desta necessidade de manutenção dos privilégios, permaneceu, mesmo com a independência do Brasil, o trabalho escravo e a economia agroexportadora.

Portanto, com a independência e a implementação de um Estado nacional, configura-se uma situação nacional que contrasta, psicossocial e culturalmente, com a situação colonial anterior. Os estamentos senhoriais não só tiveram de realizar uma rotação coperniciana em sua concepção do mundo

e do poder, para se adaptarem a essa alteração. Eles tiveram de avançar, lenta e penosamente, em alguns casos, ou rápida e satisfatoriamente, em outros, para ajustamentos psicossociais culturalmente inovadores, que se tornavam mais ou menos inevitáveis a partir do instante em que o domínio deixava de ser uma espécie de mundo social em si e para si, auto-suficiente mais incapaz de beneficiar-se de sua auto-suficiência (FERNANDES, 1976, p.59).

A partir deste prisma, Florestan Fernandes (1976, p. 68) afirma que a formação do Estado nacional serviu para atender aos interesses/privilégios políticos, econômicos e sociais dos estamentos senhoriais. E aparentemente para assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos “tratava-se de um Estado nacional liberal, e nesse sentido, “democrático” e moderno”.

Deste modo, a independência do país possibilitou:

[...] as condições para o florescimento do espírito burguês, mas não em toda sua plenitude, e sem romper com o entrosamento visceral com o mercado externo, do que decorre uma não equiparação entre a autonomização econômica e a autonomização política. Criou-se uma situação de mercado, em acordo com possibilidades e limites socioeconômicos e culturais de expansão do mercado interno, numa economia voltada para a exportação. Nessa nova situação tem-se uma ordem legal e política controlada de dentro e para dentro e uma economia produzindo para fora e consumindo de fora (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 75-76).

Segundo Florestan Fernandes (1976) o processo de independência do Brasil e a constituição de uma sociedade nacional, a entrada dos imigrantes no país, as mudanças proporcionadas pela relação entre o capitalismo internacional e o desenvolvimento da economia e, por fim, a expansão e universalização da ordem social competitiva, são elementos que subsidiam as análises sobre a Revolução Burguesa29 no país. Esses elementos são necessários uma vez que a Revolução Burguesa ocorreu sob condições históricas, políticas e sociais distintas de outros países que já haviam vivenciado o desenvolvimento do capitalismo. O autor ao tratar deste tema, busca compreender “quais foram e como se manifestaram as condições e os fatores histórico-sociais que explicam como e porque se rompeu no Brasil, com o imobilismo da ordem tradicionalista e se originou a modernização como processo social” (1976, p.21).

A independência do país em 1822 e a entrada dos imigrantes30 no Brasil, embora tenha

imposto uma nova maneira de ser, agir e pensar a partir de uma racionalidade econômica que

29Em sua acepção, o conceito de Revolução Burguesa “denota um conjunto de transformações econômicas,

tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial” (FERNANDES, 1976, p.203).

30 Ianni (2004) acredita que a entrada de imigrantes europeus no país foi uma tentativa de “branquear” a nossa

sociedade e utilizá-los como mão de obra. “Ocorre que o escravismo entra em declínio e termina como regime de trabalho escravo, forçado, compulsório, subordinado, totalmente alienado. Simultaneamente, intensifica-se a

estava sendo demandada pelo padrão capitalista, não implicou na abolição da escravidão de forma imediata. Essa nova mentalidade capitalista cresceu internamente a partir de atividades econômicas sucessivas desempenhadas pelos imigrantes e pode-se afirmar que foram difundidos valores e padrões econômicos oriundos das metrópoles hegemônicas (FERNANDES, 1976).

Não obstante, o imigrante seria o nosso tipo humano que encarnaria de modo mais complexo a concretização interna da mentalidade capitalista e iria desempenhar os principais papéis econômicos que estruturam e dinamizaram a evolução do capitalismo no Brasil (FERNANDES, 1976, p.139).

Conforme esclarece Bonfim (2015), as relações autoritárias e as decisões tomadas pelo alto fazem parte da constituição do nosso país desde o período da colonização em concomitância à utilização da mão de obra escrava e à exclusão da população dos processos decisórios da vida política e social, uma vez que apenas os setores dominantes tomavam as decisões de acordo com os seus interesses, e quando as decisões não eram acatadas pela população, a utilização da violência era um importante mecanismo para a manutenção do poder. De acordo com Florestan Fernandes (1976) em sociedades dependentes, como é o Brasil, o capitalismo é introduzido antes de se construir uma ordem social competitiva, corroborando para a existência de traços modernos e arcaicos. “O desenvolvimento capitalista não se operou contra o atraso, mas mediante a sua continua reposição em patamares mais complexos, funcionais e integrados” (NETTO, 2008, p.18). O capitalismo dependente é um “capitalismo selvagem e difícil, cuja viabilidade se decide com frequência por meios políticos e no terreno político” (FERNANDES, 1976, p.293).

[...] A heteronomia, portanto, é a marca estrutural do capitalismo brasileiro, e o processo de modernização (conservadora), consolidando o capitalismo entre nós, tenderá a mantê-la. Até porque, se há uma metamorfose das elites, no sentido de seu aburguesamento, esta foi acompanhada de uma aceitação dos controles estrangeiros na vida econômica do país, a qual ―processava-se sob forte identidade de interesses e, até sob laços profundos de lealdade e de simpatia‖ (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 75).

imigração dos europeus, enquanto “braços para a lavoura”, destinados a substituir o escravo e, ao mesmo tempo, “branquear”, “europeizar” ou “arianizar” a população, a sociedade, a cultura, a civilização” (IANNI, 2004, p.72).

A partir da década de 1930 a burguesia vivenciou diversas pressões, talvez a de maior relevância foi à expansão das relações capitalistas a partir de um “desenvolvimento com segurança” que fosse capaz de assegurar as garantias econômicas, políticas e sociais ao capitalismo internacional. Por outro lado, a pressão do proletariado e das massas populares “expunha a burguesia a iminência de aceitar um novo pacto social”. E, por fim, a pressão advinda também da intervenção direta do Estado na esfera econômica. Como alternativa a este conjunto de pressões que ameaçavam as condições materiais e políticas da burguesia, as classes dominantes organizaram-se “em torno de uma contra-revolução autodefensiva, através da qual a forma e as funções da dominação burguesa se alteraram substancialmente” (FERNANDES, 1976, p. 217).

[...] as pressões dinâmicas do mercado mundial, embora fossem de outra natureza, coincidiam com as pressões dinâmicas do crescimento econômico interno: o mercado capitalista tinha de fazer face às operações comerciais e financeiras que se impunham. [...] O mercado capitalista moderno ou sofreria uma nova transição, para responder as exigências econômicas externas e internas, adaptando-se completamente, assim, aos requisitos do padrão de desenvolvimento inerente ao capitalismo comercial, ou enfrentava um colapso (FERNANDES, 1976, p.231).

É importante frisarmos que a burguesia na sociedade brasileira se moldou a partir do capitalismo competitivo. No entanto, é com a irrupção do capitalismo monopolista que ela adquire maturidade e “revitaliza as suas bases materiais do poder e revoluciona o modo pelo qual ele se equacionava, historicamente, como dominação de classe específica burguesa” (FERNANDES, 1976, p.265).

Com a expansão das relações capitalistas e do projeto de industrialização, surgiu a necessidade de criar estratégias que viabilizassem a expansão e a consolidação do capitalismo monopolista no país31. Entretanto, este processo foi feito com a não alteração da estrutura agrária brasileira, uma vez que a estrutura fundiária no país estava ligada a grandes proprietários de terra cujas relações de dependência se mantinham. Manter a estrutura agrária não impedia o desenvolvimento industrial, já que, pelo contrário, era possível dinamizar todo esse processo de acumulação, desde que suas implicações não penetrassem na área rural. Logo, o processo de modernização do Brasil não foi algo revolucionário, mas sim acordado entre as elites dominantes, sendo esta uma das características mais importantes da formação sócio-histórica brasileira.

31 Existiram três fases de emergência e consolidação do capitalismo no Brasil. A primeira fase demarca a eclosão

de um mercado capitalista moderno, a segunda fase consiste na formação e expansão do capitalismo competitivo e a última fase, a irrupção do capitalismo monopolista que se acentua no final dos anos 1950 e consolida-se após o golpe da ditadura civil-militar em 1964. (FERNANDES, 1976).

Ao invés de ser o resultado de movimentos populares, ou seja, de um processo dirigido por uma burguesia revolucionária que arrastasse consigo as massas camponesas e os trabalhadores urbanos, a transformação capitalista teve lugar graças ao acordo entre as frações das classes economicamente dominantes, com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do Estado. Nesse sentido, todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a independência política ao golpe de 1964, passando pela Proclamação da República e pela Revolução de 1930), encontraram uma solução “pelo alto”, ou seja, elitista e antipopular. (COUTINHO, 2007, p.196).

Segundo Coutinho (2007) essa via “não clássica” para o capitalismo, na qual se mantém traços pré-capitalistas combinados com uma estrutura agrária e um Estado coercitivo, remetem ao denominado capitalismo tardio e dependente, vivenciado não só pelo Brasil, mas também por outros países latino-americanos. No entanto, especificamente no Brasil, essa característica reafirmou, de acordo com Florestan Fernandes (1976) a confusão existente entre os interesses do conjunto da nação com os interesses de uma minoria privilegiada. Nesta conjuntura, interesses da maioria ficaram esquecidos ou até mesmo ignorados pelas classes dominantes.

Esta peculiaridade nos remete a outro traço da formação social brasileira: as transformações ou conciliações feitas pelo “alto” sem a participação da população. Para Ianni (2004), ao longo da história do Brasil temos vários exemplos que ilustram essas transformações pelo “alto” como, a independência do país em 1822, as mudanças na estrutura governamental em 1930 e em 1964, a instauração da ditadura civil-militar. A não participação popular e a vanguarda das classes dirigentes nestes processos que são de suma importância da história do Brasil, são aspectos que perpassam e caracterizam todos estes movimentos citados.

A presença de ditaduras e demais formas de Estado autoritários impedem os processos políticos com a participação das camadas populares, algo que é típico de países de capitalismo dependente e que é característica histórica do Brasil. Este percurso histórico possui como característica “a permanente exclusão dos trabalhadores urbanos e rurais das decisões do Estado e do bloco do poder, sujeitos a repressão centralizadora do Estado e ao arbítrio do poder privativo dos chefes políticos locais regionais” (IAMAMOTO, 2015, p.139).

[...] foi próprio da formação social brasileira que os segmentos e franjas mais lúcidos das classes dominantes sempre encontrassem meios e modos de impedir ou travar a incidência das forças comprometidas com as classes subalternas nos processos e centros políticos decisórios. A socialização da política, na vida brasileira, sempre foi um processo inconcluso [...]. Por dispositivos sinuosos ou mecanismos de coerção aberta, tais setores conseguiram que um fio condutor

costurasse a constituição da história brasileira: a exclusão da massa do povo no direcionamento da vida social (NETTO, 2008, p. 18-19).

A exclusão das camadas populares nos processos decisivos da política brasileira mantém uma relação direta com a conformação do Estado brasileiro e das classes sociais32, com a utilização massiva de aparatos coercitivos e com a presença do paternalismo, estabelecendo assim uma cultura de tutela com o povo brasileiro.

Na prática, o “povo brasileiro ainda não está preparado sociologicamente para gozar de uma democracia plena”. Tanto assim que cabe o Estado proteger, tutelar e disciplinar o cidadão e o povo, pois que a “liberdade e direitos emanam do Estado”. Daí a criação da figura da cidadania regulada, que não tem raízes “em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional”. A lógica do capital impõe-se a todas as relações e poros da sociedade, sem mediações. (IANNI, 2004. p. 236-237).

Diante do exposto, esta breve retomada de alguns elementos da formação social brasileira permite nos estabelecer relação com o conservadorismo. Pois bem, alguns traços do conservadorismo clássico elencados por Escorsim Netto (2011) como a legitimidade da tradição e a desigualdade necessária e natural perpassam o nosso país e constituem as relações sociais. Segundo Bonfim (2015) essas características são perceptíveis especialmente:

[...] nas relações entre os detentores de poder – proprietários de terra e dos meios de produção, na sua maioria “brancos” e descendentes da antiga aristocracia – e a grande parte da população – trabalhadores mestiços, fruto das “antigas” relações de exploração: escravidão negra índia e o trabalho imigrante. Aqui se observa a ênfase nas diferenças, raciais, étnicas e de classe, que legitimam as desigualdades sociais, as variadas formas de violência (incluindo o preconceito), a prática do favor e da tutela [...] (BONFIM, 2015, p.95).

Ao naturalizar as desigualdades existentes e criminalizar um amplo segmento da sociedade civil que vivencia as condições de exploração, “defende-se, mais uma vez, a ordem estabelecida” (IANNI, 2004, p.101). Deste modo, as desigualdades sociais são entendidas como fatalidades, heranças, e que devem ser superadas pelos próprios indivíduos para não afetar o desenvolvimento do modo de produção capitalista.

32 Acreditamos que a conformação das classes sociais no Brasil, também é um elemento que ocasiona rebatimentos

neste processo, uma vez que o processo de constituição da classe operária no país foi fortemente marcado pelo peso do trabalho escravo e da economia agroexportadora, elementos que retardaram a ação política e a atuação mais radical do movimento operário. Além disso, a conformação das classes sociais no Brasil foi mediada pelo interesse do Estado e da burguesia para manter a apropriação privada do capital, contribuir para o apassivamento das lutas sociais e, concomitantemente, para o consentimento das classes dominadas.

Outra característica é a cultura do mando e da obediência, do favor33, da tutela; algo muito comum em sociabilidades que possuem em sua constituição o trabalho escravo, e a partir dos valores calcados no modo de produção escravocrata, a burguesia os utiliza para a manutenção dos seus interesses. Ou seja, a formação sócio-histórica brasileira é marcada por uma cultura política autoritária, contrapondo-se a uma “cultura política democrática, pelo contrário, têm-se caracterizado pela utilização da violência ou de outros modos de coação, como forma de dirimirem os conflitos sociais, econômicos, culturais e políticos” (MOLJO, 2005, p.175).

Então faz se difícil falar de uma “cultura política democrática” quando, de fato, o que se vem construindo é uma cultura que privilegia a apropriação privada do público e isso, não faz mais que solidificar a construção de uma “cultura política autoritária”. Estudos como os de Chauí (1999) ajudam a desvendar as particularidades e especificidades que tem assumido a sociedade brasileira apontando, entre elas, o autoritarismo, com a predominância de relações sociais hierárquicas que reproduzem relações políticas que se baseiam em contatos pessoais, o que sem dúvida, favorece a reprodução de uma “cultura da tutela, do favor e do clientelismo”(MOLJO, 2005, p.181).

Somado a esses elementos, temos “o ecletismo teórico-político, no qual se observa a combinação de perspectivas teóricas com posturas políticas completamente diferentes, e uma forma peculiar de democracia e de autoritarismo que concilia cordialidade com violência” (ORTIZ, 2010, p.71).

Por todas essas questões levantadas, afirmamos a predominância de valores conservadores presentes na formação social brasileira e que se fazem presente na atualidade através de distintas ações:

[...] naturalização, moralização e criminalização da “questão social”, nas mais diferentes formas de desigualdades – racial, econômica, social e de gênero -; na dificuldade em garantir a realização da dimensão pública, especialmente no que se refere às políticas sociais; na persistência da lógica do favor; e na sua expressão mais cotidiana: “o jeitinho brasileiro” (BONFIM, 2015, p.97).

Diante do exposto, concordamos com Bonfim (2015) sobre a necessidade de compreendermos o “conservadorismo a brasileira” a partir das particularidades da formação social brasileira, considerando que no processo de colonização do Brasil “os valores dominantes

33 “O favor é, portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que tem. (...) esteve presente por toda parte, combinando-se as mais variadas

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