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O procedimento investigativo em Marx: a mediação como uma categoria reflexiva

No documento janainaaparecidaparreira (páginas 119-124)

CAPÍTULO II: SERVIÇO SOCIAL E EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO/DA ASSISTENTE SOCIAL: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE OS

2.1 COTIDIANO: LOCUS EM QUE SE DESENVOLVE O EXERCÍCIO PROFISSIONAL

2.1.2 O procedimento investigativo em Marx: a mediação como uma categoria reflexiva

Baseando-nos em Marx (2011) e nas suas reflexões a partir da análise do concreto, pontuamos que seu objeto de estudo está posto na realidade e é produto da história e não uma idealização do pensamento, conforme percebemos nas análises de Hegel.

Como bom materialista, Marx separa claramente o que é da ordem da realidade, do objeto, do que é da ordem do pensamento (o conhecimento operado pelo sujeito): começa-se “pelo real e pelo concreto”, que aparecem como dados; pela análise, um e outro elemento abstraído e, progressivamente, com o avanço da análise, chega-se a conceitos, a abstrações que remetem a determinações as mais simples. Este foi o caminho ou, se quiser o método (NETTO, 2009a, p. 19).

Os estudos de Marx (2011) tomam como base o processo produtivo, onde os indivíduos produzem socialmente dentro de um determinado contexto histórico. Ao estudar o processo de produção material, Marx faz um processo de intensificação analítica, partindo de uma categoria61, para depois articulá-la com as demais. Um exemplo que elucida de maneira clara, é o fato de Marx não analisar primeiramente a teoria do valor e posteriormente a mercadoria, mas sim o contrário, devido à necessidade de começar de algo concreto, que existe na realidade e não de ideações. “Por isso, quando se fala de produção, sempre se está falando de produção em um determinado estágio de desenvolvimento social - da produção de indivíduos sociais” (MARX, 2011, pág.41).

O autor em seus estudos sobre a produção material esclarece que não existe uma produção em geral, mas elementos comuns que facilitam o processo de compreensão deste objeto. A produção em geral nada mais é do que uma abstração necessária. No entanto é preciso estabelecer as diferenças específicas, não se limitando apenas ao geral. As determinações que valem para a produção em geral “tem de ser corretamente isoladas de maneira, que além da unidade – decorrente do fato de que o sujeito, a humanidade, e o objeto, a natureza, são os mesmos - não seja esquecida a diferença essencial” (Ibidem, pág.41).

As aproximações sucessivas da realidade e do objeto a ser estudado são fundamentais para conhecer e apreendê-los, uma vez que no nível da imediaticidade suas reais determinações

61 Para Marx (2011) as categorias não são simplesmente conceitos construídos pela razão, pelo contrário, são

não estão postas de forma clara, estando travejadas pela positividade. Por isso, a negação é um importante recurso para chegar a essência e até mesmo desvelar as próprias mediações presentes neste processo investigativo.

Daí surge a polêmica, em face da positividade e da objetividade do conhecimento científico, que, na, perspectiva predominante, nas vertentes positivistas e neopositivistas, esta intenção de totalidade vai ficando cada vez mais esbatida, tendendo sempre a triunfar o caráter particularista do conhecimento, em que as mediações vão sendo atiradas para o campo do subjetivismo – portanto, consideradas como desimportantes para o processo cognitivo -, ou caem naquela visão das “mediações acidentais” (PONTES, 2010, p.84).

A fim de ilustrar melhor os elementos e a forma de investigar presente na obra do autor, recorremos à sua análise crítica ao abordar o método da economia política. Para o autor,

Se considerarmos um dado país de um ponto de vista político-econômico, começamos com sua população, sua divisão em classes, a cidade, o campo, a mar, os diferentes ramos de produção, a importação e a exportação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias, etc. (Ibidem, p.54)

No entanto, segundo o autor:

Parece ser correto começarmos pelo real e pelo concreto, pelo pressuposto efetivo, e, portanto, no caso da economia, por exemplo, começarmos pela população, que é o fundamento e o sujeito do ato social de produção como um todo. Considerando de maneira mais rigorosa, entretanto, isso se mostra falso. A população é uma abstração quando deixo de fora, por exemplo, as classes das quais é constituída. Essas classes por sua vez, são uma palavra vazia se desconheço os elementos nos quais se baseiam. Por exemplo, trabalho assalariado, capital, etc. Estes supõem troca, divisão do trabalho, preço, etc. (Ibidem, p.54).

Diante disso, Marx esclarece que se partíssemos da população como uma representação imediata da totalidade, teríamos uma visão caótica do todo, o que percebeu no estudo de economistas contemporâneos à época em que viveu, que basearam suas análises em uma totalidade imediata sem utilizar das mediações e das reflexões necessárias que constituem o processo investigativo. Para o autor, se começasse sua investigação pela população, ainda que uma representação caótica do todo, e por meio de uma “determinação mais precisa, chegaria analiticamente a conceitos cada vez mais simples; do concreto representado, chegaria a conceitos cada vez mais finos, até que tivesse chegado às determinações mais simples” (MARX, 2011, p.54). Seria necessária a viagem de volta para que novamente chegássemos à

população como uma totalidade de múltiplas determinações, e não mais como uma visão caótica do todo, sendo este o método investigativo correto.

O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade. Por essa razão, o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, não obstante seja o ponto de partida da intuição e da representação. Na primeira via, a representação plena foi volatizada em uma determinação abstrata; na segunda, as determinações abstratas levam a reprodução do concreto por meio do pensamento (Ibidem, p.54).

Ou seja, no âmbito do pensamento a razão reconstrói o real para que se possa fazer o caminho de volta, conforme destaca Marx. Cabe nos afirmar que na busca do conhecimento é necessário partir do concreto/ real para buscar ultrapassar a aparência e chegar à essência do objeto. Para tanto, lançamos mão do uso da abstração, “capacidade intelectiva que permite extrair da sua contextualidade determinada (de uma totalidade), um elemento, isolá-lo, examiná-lo” para posteriormente retirar do “elemento abstraído as suas determinações mais concretas, até atingir determinações mais simples” (NETTO, 2009a, p. 18).

Neste processo, ao partir do real, do aparente, o negamos para que possamos chegar a essência mediatizada pelos fenômenos. Atingimos a essência “através da superação da positividade dos fatos, negando-os para agarrar, através de múltiplas mediações, a totalidade concreta que em última análise, se constituiu na própria essência das coisas” (PONTES, 2010, p.83).

Marx (2011) nos aponta que a produção material é um processo de duplo consumo, pois o indivíduo para produzir necessita de desenvolver as suas capacidades. No entanto, neste mesmo processo de produzir, ele as consome. Já o consumo, por sua vez, determina o processo de produção e, inversamente, determina o modo pelo qual os homens consomem. É uma relação dialética presente neste processo: as coisas se determinam mutualmente.

Logo, a produção produz o consumo, na medida em que 1) cria o material para o consumo; 2) determina o modo do consumo; 3) gera como necessidade no consumidor os produtos por ela própria postos primeiramente como objetos. Produz, assim, o objeto do consumo, o modo do consumo e o impulso do consumo. Da mesma forma, o consumo produz a disposição do produtor, na medida em que o solicita como necessidade que determina a finalidade (MARX, 2011, p.47).

A partir deste campo de pensamento, temos uma categoria fundamental para compreender o processo de investigação em Marx: o momento preponderante. É certo de que produção, consumo, distribuição e troca estão imbricados. Todavia, há um desses momentos que prepondera sobre os outros e, inclusive, é o elemento articulador com os outros fatores: o momento preponderante consiste na própria produção.

O importante aqui é apenas destacar que, se produção e consumo são considerados como atividade de um sujeito ou de muitos indivíduos, ambos aparecem em todo caso como momentos de um processo no qual a produção é o ponto de partida efetivo, e, por isso, também o momento predominante. (MARX, 2011, p.49)

O processo de produção material descrito por Marx é assim uma totalidade composta por momentos diferenciados: produção, distribuição, troca e consumo. Marx (2011) entende que a totalidade é composta por momentos diferenciados e que não podemos eliminar as particularidades deste processo e que “o resultado a que chegamos não é que produção, distribuição, troca e consumo são idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade, diferenças dentro de uma unidade” (MARX, 2011, p.53). Porém, não se trata de um conhecimento total sobre o objeto pesquisado, uma vez que o conhecimento é sempre aproximativo, haja vista que a realidade está em movimento e quando fazemos sucessivas aproximações ao objeto, descobrimos novas determinações.

Segundo Marx (2011) no processo de busca do conhecimento sobre a realidade o universal, o singular e o particular constituem uma relação dialética, existem interligados entre si, sendo um erro automizar uma dessas categorias e não as considerar como determinações da realidade. Lukács (1970) esclarece que Hegel foi o primeiro autor a trabalhar com questões sobre universalidade, singularidade e particularidade, colocando-as no cerne do debate como momento determinante de todas as formas lógicas. Entretanto, conforme explicitamos anteriormente, as análises de Hegel eram baseadas no idealismo e, por essa razão, o tratamento dessas categorias foi fundamentado em uma valorização acentuada do pensamento e da consciência face a realidade existente. “Hegel cai na ilusão de conceber o real como o automovimento do pensamento que se abraça e se aprofunda em si mesmo” (LUKÁCS, 1970, p.69).

Diferentemente de Hegel, Lukács (1970) ao discutir essas categorias a partir do materialismo histórico dialético, afirma que a universalidade é uma abstração feita pela própria realidade, porém, só se torna uma “justa ideia” se a ciência for capaz de reproduzir o

desenvolvimento da realidade a partir de suas complexificações e de suas determinações. Marx (2011) nos esclarece que o trabalho anterior à sociabilidade burguesa era de uma forma, uma categoria simples, mas nesta sociabilidade ele será outro, com novas determinações. Logo, as abstrações mais gerais “surgem somente quando se dá um mais rico desenvolvimento do concreto, quando uma característica se revela comum a um grande número, a uma totalidade de fenômenos” (MARX, 2011, p.25).

A singularidade pode ser entendida como o plano do imediato e, desta forma, as mediações e determinações estão ocultas aos sujeitos. Segundo Lukács (1970) a singularidade, por ser esse momento do imediato, pode ser entendida como uma aparência do objeto. Para transpor esse momento do singular ao universal são necessárias mediações que permitam desvelar as múltiplas relações presentes na sociedade, sendo este movimento dialético mediado pela categoria da particularidade.

O âmbito da mediação, de que falamos acima, é naturalmente articulado, cada etapa que o conhecimento alcança em tal âmbito pode- também aqui, é claro, apenas de um modo aproximado -ser claramente determinada e fixada, do mesmo modo que podem ser determinadas e fixadas a universalidade e a singularidade (LUKÁCS, 1970, p.107).

A particularidade representa a “mediação concreta entre os homens singulares e a sociedade”. Desta forma, “é um espaço onde a legalidade universal se singulariza e a imediaticidade do singular se universaliza” (PONTES, 2010, p.86).

Conforme vimos, Marx (2011) ao explicar o ponto de partida do seu conhecimento investigativo e as categorias que permeiam este processo a partir do materialismo histórico- dialético, necessariamente altera o sentido da categoria mediação atribuída por Hegel, ao situá- la como uma categoria histórica e concreta. A mediação é um construto da razão para aprender o movimento do objeto, ou seja, a mediação no processo de compreensão dialética é a responsável por captar os nexos existentes entre os complexos que estão em constante movimento e também articulá-la as variadas estruturas sócio-históricas. Por isso, podemos afirmar que devido a mediação é possível ter uma compreensão dialética da realidade a partir de uma perspectiva de totalidade (PONTES, 2010).

Nesse sentido, a mediação aparece neste complexo categorial com um alto poder de dinamismo e articulação. É responsável pelas moventes relações que se operam no interior de cada complexo relativamente total e das articulações dinâmicas e contraditórias entre estas várias estruturas sócio-históricas. Enfim, a esta categoria tributa-se a possibilidade de trabalhar na perspectiva de totalidade. Sem a captação do movimento e da estrutura ontológica das

mediações através da razão, o método, que é dialético, se enrijece, perdendo, por conseguinte, a própria natureza dialética (PONTES, 2010, p.81)

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