• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA

3.3 Passos da análise

Conforme apresentado na fundamentação teórica, na concepção de Fairclough (2001 e 2008), todo discurso, enquanto prática social, deve ser analisado em três níveis. Nessa proposta, a análise deve ser descritiva e interpretativa: da descrição dos recursos léxico-gramaticais, foco deste trabalho, partimos para a interpretação dos dados e ao estabelecimento de relações entre as representações dos personagens manifestas linguisticamente e os contextos de situação e cultura em que as fábulas estavam inseridas na época em que foram produzidas.

Na Figura 7, representamos as etapas de análise empreendida neste trabalho, distribuídas nos três níveis de análise estabelecidos por Fairclough (2001):

Figura 7 – Etapas da análise distribuídas e visualizadas no modelo tridimensional de Fairclough (adaptada de MEURER, 2005, p. 95 com base em FAIRCLOUGH, 2001)24.

Na análise contextual, inicialmente atentamos para a análise do contexto de interação autor-leitor entre os participantes denominados por Thompson & Thetela (1995) como o escritor e o autor. Em seguida, correspondente à análise dos outros dois participantes concebidos pelos autores, o escritor-no-texto e leitor-no-texto, o contexto de interação dos personagens, analisamos a Configuração Contextual do conjunto de fábulas de cada autor, utilizamos as variáveis do contexto de situação propostas por Halliday (1989), que são: campo, relações e modo.

No que se refere a gênero textual, considerando a perspectiva de Bakhtin (1999 e 1981), adotamos o modelo proposto por Meurer (2002) para a organização retórica e por Hasan (1989), cuja corrente teórica filia-se à Linguística Sistêmico- Funcional (LSF). Para descrever a caracterização básica da fábula como gênero, utilizamos o modelo de Potencial de Estrutura Genológica, de acordo com o proposto por Hasan (1989) e a partir das contribuições de Motta-Roth & Heberle (2005). Assim, dividimos a análise inicial em duas etapas: análise da CC e análise do PEG da fábula, para, na sequência, analisar os elementos léxico-gramaticais que materializam representações e avaliações nas fábulas que constituem o corpus deste trabalho.

24

Agradecemos à Professora DR. Luciane Ticks pela sugestão dada durante o Exame de Qualificação, orientando para a utilização do modelo de Fairclough na organização da metodologia de análise.

Discurso como prática social

valores ideológicos e representações sociais que permeiam os textos e refletem e representam os contextos em que foram produzidos.

Discurso como prática discursiva

produção, distribuição e consumo: descrição e análise das situações de interação escritor-no-texto e leitor-no-texto e análise da Configuração Contextual (CC) da fábula.

Discurso como texto

identificação do Potencial de Estrutura Genológica (PEG) da fábula e verificação da sua organização retórica;

análise linguística: descrição, interpretação e discussão do sistema de transitividade e do sistema de avaliatividade.

Para a LSF, texto e contexto são inseparáveis: um texto sempre se inscreve em um contexto. É a partir de como o contexto se configura, que o texto se constitui. Assim, o ponto de partida da análise da fábula como gênero está na identificação das três variáveis do contexto de situação (HALLIDAY, 1989), descritos na Figura 8:

Figura 8 - Figura representativa dos elementos de análise da CC das fábulas, com base em Halliday (1989) e Thompson & Thetela (1995).

Após a retomada das principais marcas do contexto sócio-histórico de Esopo e Millôr Fernandes, verificamos a CC do conjunto de fábulas de cada autor.

A linguagem é responsável por permitir a interação entre as pessoas e a organização social. Assim, as manifestações léxico-gramaticais e semântico- discursivas que constituem os textos, refletirão as características individuais e também do grupo, do social, do contexto. Disso resulta a importância da análise da CC para o estudo de textos e, consequentemente, de gêneros.

De acordo com a CC, um texto pode apresentar variações na sua estrutura e no seu conteúdo, não deixando, porém, de pertencer a um mesmo gênero. Conforme Hasan (1989), tanto a presença de certos movimentos retóricos, quanto de estágios ou passos que os constituem podem ser variáveis, bem como a ordem. Desse modo, a segunda etapa deste trabalho constitui-se da identificação e análise dos movimentos retóricos e dos estágios que integram cada um dos movimentos e,

CONFIGURAÇÃO CONTEXTUAL DA FÁBULA

Variáveis do contexto de situação

campo relações modo

Contexto da situação de interação autor/leitor e dos personagens no texto

autor/ leitor autor-no-texto/ leitor-no-texto

por fim, a classificação desses estágios em elementos obrigatórios, opcionais e iterativos nas fábulas que constituem o corpus.

Inicialmente, verificamos a atualização do PEG de cada texto que constitui o corpus25, como exemplificado no Quadro 6. Feito isso, para cada autor, a partir das sete atualizações, chegamos a um PEG para as respectivas fábulas. Definido o PEG para os textos dos dois autores, juntamo-los em apenas um para definirmos, enfim, o PEG da fábula.

Demonstração da atualização do PEG de um par de fábulas O CORVO E A RAPOSA [FE4] O MACACO E O CORVO [FMF4] 1. APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO:

Estágio [E#1.1] Um corvo, tendo roubado um pedaço de carne, pousou sobre uma árvore. Uma raposa o viu e,

1. APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO:

Estágio [E#1.1] Andando na floresta, um macaco avistou um corvo com um pedaço enorme de queijo no bico.

2. PROBLEMATIZAÇÃO DA SITUAÇÃO:

Estágio [E#2.1] querendo apoderar-se da

carne, Estágio [E#2.2] pôs-se diante dele, elogiando seu tamanho e sua beleza, dizendo que ele, mais que todos os pássaros, merecia ser rei e que isso realmente aconteceria se ele tivesse voz.

2. PROBLEMATIZAÇÃO DA SITUAÇÃO:

Estágio [E#2.1] “Vou comer aquele queijo ou não me chamo macaco”, vangloriou- se o macaco. Estágio [E#2.2] E berrou para o corvo: “Olá compadre! Você está bonito hoje! Lindo, maravilhoso! Jamais o vi tão bem! Negro, brilhante, luzidio. Penso que hoje, se quisesse cantar, sua voz seria a mais bela de toda a floresta. Gostaria de ouvi-lo cantar, compadre corvo, poderá dizer a todo mundo que você é o Rei dos Pássaros”.

3. RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO:

Estágio [E#3.2] Querendo mostrar-lhe que também voz ele tinha, o corvo deixou cair a carne e pôs-se a soltar grandes gritos. Estágio [E#3.3] A raposa precipitou-se e, tendo pegado a carne, disse: “Ó corvo, se tu tivesses também inteligência, nada te faltaria para seres o rei de todos os pássaros”.

3. RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO:

Estágio [E#3.3] Naturalmente, o queijo caiu no chão e imediatamente foi devorado pelo macaco astuto. “Obrigada pelo queijo!”, gritou feliz o macaco.

4. FECHAMENTO:

Estágio [E#4.1] MORAL: A fábula é apropriada ao homem tolo.

4. FECHAMENTO:

Estágio [E#4.1] MORAL: Jamais confie em puxa-sacos.

Quadro 6 – Demonstração da atualização do PEG de um par de fábulas.

25

A descrição das atualizações do PEG das fábulas esopianas pode ser encontrada no Apêndice E. Já a descrição das atualizações do PEG das fábulas de Millôr Fernandes pode ser encontrada no Apêndice F.

Com relação à análise textual, para a análise léxico-gramatical, utilizamos as contribuições da LSF. Como já mencionamos anteriormente, focalizamos a linguagem desempenhando as metafunções ideacional (experiencial) e interpessoal. Da metafunção ideacional, ocupamo-nos de seu sistema de transitividade (HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004), que nos fornece os subsídios para a análise das representações que são feitas nas fábulas. Assim, como primeira etapa da análise lingüística, procedemos à identificação e classificação dos três componentes da oração: processo, participante e circunstância.

Derivado da metafunção interpessoal, o sistema de avaliatividade, proposto por Martin & White (2005), é utilizado na segunda etapa da análise linguística. Dos três subsistemas que o constitui, serão contemplados na análise dois deles: o de atitude e o de gradação, haja vista a relação entre o uso da linguagem e os comportamentos humanos tipicamente tematizados nas fábulas. Do subsistema de atitude, observamos as marcas linguísticas e a natureza das ocorrências dentre suas categorias semânticas de afeto, julgamento e apreciação. Do subsistema de gradação, observamos as marcas linguísticas de força, utilizadas como aliadas para a construção dos significados e das representações, colaborando para verificar como as marcas de atitude são intensificadas. A Figura 9 ilustra esses dois subsistemas e as categorias que utilizaremos de cada um.

Figura 9 – Categorias de análise dos subsistemas de Atitude e Gradação (com base em MARTIN & WHITE, 2005) utilizadas na análise.

apreciação SISTEMA DE AVALIATIVIDADE Atitude julgamento afeto Gradação força

Realizadas as análises mencionadas acima, tanto em relação à avaliatividade quanto em relação à transitividade, procedemos a uma análise quantitativa para identificar quais categorias de cada sistema sobressaem. Feito isso, partimos a uma análise qualitativa, ou seja, observamos o que os dados léxico-gramaticais e semântico-discursivos nos revelam não só sobre a construção das representações dos personagens e dos contextos de cultura em que as fábulas analisadas se inserem, como também sobre as avaliações manifestadas para tais representações. Dessa forma, a análise do discurso como texto e como prática discursiva poderá identificar valores sociais predominantes na época de Esopo e Millôr Fernandes.

A Figura 10 sintetiza o percurso metodológico adotado:

Figura 10 – Síntese do percurso metodológico seguido no trabalho.

Na sequência, no Capítulo 4, apresentamos os resultados obtidos após a aplicação das teorias discutidas e do percurso metodológico há pouco apresentado.

descrição e análise da CC; descrição e análise da situação de interação escritor-no-texto e leitor-no-texto exame e interpretação dos resultados: análise quantitativa; análise qualitativa;

relações entre texto e contexto.

FÁBULA descrição e análise do PEG. descrição do sistema linguístico: transitividade e avaliatividade.

Ao longo das análises, podemos vivenciar e avaliar a pertinência e eficácia de ambos para a satisfação dos objetivos propostos, como apontamos nas Considerações Finais do trabalho.