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CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.2 Representação Social

Os estudos sobre representação têm como fundamento teórico inicial a concepção proposta por Durkhein no campo da Psicologia Social. Para esse filósofo, segundo Jodelet (2001), representação era definida a partir de dois conceitos: representação individual e representação coletiva.

As representações individuais são próprias de cada pessoa e são variáveis, habitando a consciência de cada um. As representações coletivas, ao contrário, são impessoais e carregam um significado universal, estando presentes na sociedade como um todo. São entendidas como uma ampla classe de formas mentais (tal como espaço, tempo, religião, ciência, mitos), opiniões e saberes que tem certa estabilidade, já que são um conceito, e certa objetividade, já que são partilhadas e reproduzidas e com o poder de penetrar nos indivíduos e se impor a eles. Nesse sentido, conforme destaca Jodelet (2001), para Durkhein, as representações coletivas não são o resultado das representações individuais, mas antes a origem delas. A partir do que é cultivado por um grupo social (valores, crenças, por exemplo), cada um constroi sua impressão sobre o que o cerca.

Cada um de nós está sempre envolto por um mundo de palavras, imagens, ideias, crenças, valores, pessoas e coisas. Tudo isso, de acordo com Moscovici (2009), tendo como pressuposto as considerações de Durkhein, muitas vezes sem que percebamos, interferem em nosso modo de ser, agir, expressar e pensar. Do mesmo modo, outras pessoas são sensibilizadas, compartilhando ou não conosco das impressões que fazemos.

Essas impressões são representações, de acordo com Jodelet (2001, p. 22), “formas de conhecimento socialmente elaboradas e partilhadas que colaboram para a construção de uma realidade comum a determinado grupo social”. Pesquisadores da área da Psicologia Social, a exemplo de Jodelet (2001), acreditam que elas regulam nossa relação com o mundo, com a sociedade e o modo como nos construímos e construímos o outro.

[...] as representações sociais são abordadas concomitantemente como produto e processo de uma atividade de apropriação da realidade exterior ao pensamento e de elaboração psicológica e social dessa realidade [...] De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto (JODELET, 2001, p. 22).

As representações sociais, para Moscovici (2009), devem ser entendidas como uma maneira específica de compreender e comunicar aquilo que já conhecemos construindo significações e transformar algo não familiar e algo familiar. Essas significações passam a ser compartilhadas coletivamente e, então, a construir realidades. Assim, ressalta o autor, as representações convencionalizam objetos, pessoas ou acontecimentos, definindo-os e localizando-os em determinada categoria. Aos poucos, transformam-nos em modelos compartilhados por algum grupo social, daí serem representações sociais.

Com esse objetivo, ressalta Guareschi (2008), um dos principais elementos utilizados para a categorização é o protótipo. Ao conhecer algo novo, busca-se identificá-lo com algo já conhecido, relacioná-lo a um protótipo pré-estabelecido. De acordo com Moscovici (2009), representar implica, necessariamente, um sistema de classificação e de denotação, com alocação de categorias e nomes. Nesse sistema, a “neutralidade é proibida, pela lógica mesma do sistema, onde cada objeto e ser devem possuir um valor positivo ou negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala hierárquica” (MOSCOVICI, 2009, p. 62).

Em vista disso, as representações sociais são geradas por dois processos fundamentais: ancoragem e objetivação. A ancoragem, segundo Moscovici (2009), consiste em transformar algo estranho (ideia ou objeto) em algo comum. Para isso, aquilo que causa estranhamento é associado a categorias e contextos familiares que se julgam apropriados, prototípicos. Com isso, é possível classificá-lo, nomeá-lo e compreendê-lo. A objetivação, conforme o mesmo autor, consiste em transformar algo abstrato em algo concreto ou, pelo menos, quase concreto, perceptível. “Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem” (MOSCOVICI, 2009, p. 71-72).

Por meio desses dois processos, comenta Jodelet (2001), revela-se o caráter simbólico da sociedade. Um símbolo equivale a uma coisa normalmente diferente de si mesmo, a ideia simbolizada não tem relação direta com o objeto em si, mas com a ideia compartilhada socialmente.

No entendimento de Guareschi (2010), representações sociais se referem à construção e transformação dos saberes sociais relacionados a diferentes contextos. Esses saberes, trazidos na e pela vida diária, constituem, então, o fenômeno das representações sociais. Desse modo, enquanto fenômeno, as representações se constituem de realidades psíquicas, mentais e imateriais, por um lado, e de realidades sociais, por outro. Assim, salienta o autor, representamos, em outras palavras, construímos, reconstruímos e atribuímos sentido a realidades tanto materiais quanto imaginárias”.

Representação social, acrescenta Guareschi (2008, p. 202), “é um conceito dinâmico e explicativo, tanto da realidade social, como física e cultural. Possui uma dimensão histórica e transformadora. Junta aspectos culturais, cognitivos e valorativos, isto é, ideológicos”. Nesse sentido, “a dimensão valorativa, ética, jamais pode ser separada das ações” (GUARESCHI, 2008, p. 200), pois ela está sempre presente na construção que fizemos daquilo que está a nossa volta e, consequentemente, na linguagem que utilizamos para nos comunicar.

Meurer (2002), tendo por base a teoria de Fairclough (1989), define representação como a (re)construção de conhecimentos e crenças que os indivíduos revelam linguisticamente sobre diferentes aspectos do mundo. Desse modo, um mesmo aspecto do mundo (físico, social e mental, ou seja, interno e externo), pode ser representado de várias formas. Diferentes discursos, explica Fairclough (2007), têm diferentes perspectivas de mundo, pois estão associados a diferentes pessoas e seus modos de ver o mundo, suas identidades sociais e relações com as outras pessoas.

Na concepção social, o objeto de uma representação, esclarece Jodelet (2001, p. 22), “pode ser tanto uma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimento material, psíquico ou social, um fenômeno natural, uma ideia, uma teoria etc.; pode ser tanto real quanto imaginário ou mítico”, no entanto, é sempre necessário. Ao ser representado, ainda que seja o mesmo objeto para várias pessoas, as representações que resultarão serão diversas em alguns aspectos.

Cada indivíduo possui perspectivas particulares de mundo, imprimindo significações variadas às representações já existentes. Por conseguinte, destaca Jodelet (2001, p. 21), “as representações expressam aqueles (indivíduos ou grupos) que as forjam e dão uma definição específica ao objeto por elas representado”.

Para essa mesma autora, ao representar uma coisa ou uma noção, não se reproduz apenas as ideias e imagens próprias de quem as representa, mas cria-se e transmite-se um produto progressivamente elaborado em lugares variados e sob regras variadas.

O indivíduo sofre a pressão das representações dominantes na sociedade e é nesse meio que pensa ou exprime seus sentimentos. Essas representações diferem de acordo com a sociedade em que nascem e são moldadas. Portanto, cada tipo de mentalidade é distinto e corresponde a um tipo de sociedade, às instituições e às práticas que lhes são próprias (JODELET, 2001, p. 49).

Em conformidade com essa afirmação de Jodelet (2001), levando em consideração o contexto de produção fábulas que constituem nosso corpus, cria-se a expectativa de que as representações nelas manifestadas linguisticamente são distintas, visto as sociedades também serem distintas ou, ao menos, localizadas temporalmente distantes.

As representações, como observam os autores mencionados acima, são construídas e manifestadas no discurso. Este, por sua vez, retomando Fairclough (2007), realiza-se em gêneros. Consoante a isso, na seção 2.3, trazemos algumas considerações sobre gêneros textuais. De uma noção mais geral de gênero, com a perspectiva de Bakhtin, passamos, em seguida, à concepção de Hasan e aos estudos de Meurer, a fim de situar gêneros teoricamente e apresentar o suporte utilizado para a análise da fábula do ponto de vista de gênero textual.