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PATOGÊNESE E EPIDEMIOLOGIA

No documento CursoInfecçãoemPacienteGrave apostila (páginas 75-83)

A disseminação de microorganismos de um cateter vascular para a corrente sanguínea é o resultado de um processo que envolve a contaminação do dispositivo, a adesão do microorganismo à superfície externa ou interna do cateter, sua multiplicação e posterior passagem à corrente sangüínea.

Os dispositivos intravasculares desencadeiam uma reação inflamatória, bem como a cascata de coagulação, sendo que a presença de coágulos em sua superfície favorece a adesão microbiana. Eles também podem apresentar rugosidades e porosidades que propiciam essa adesão, formando uma camada de

colônias de microorganismos aderentes entre si e ao dispositivo (biofilme).(9) A

adesão microbiana é maior em cateteres feitos de policloreto de vinila (PVC) ou

polietileno, e menor nos de silicone ou poliuretano.(10)

A colonização do dispositivo pode ocorrer a partir da colonização da pele do paciente (via extra-luminal) ou das conexões (via intraluminal). O conhecimento desta patogênese pode direcionar as estratégias de prevenção: aquelas relacionadas a diminuir a colonização da pele do paciente (instalação e manutenção do cateter) ou das conexões (preparo de medicações) serão enfatizadas. É interessante observar que as mãos dos profissionais de saúde podem ser associadas a qualquer uma das vias, fazendo com que esta medida deva ser

As taxas de infecções hospitalares variam consideravelmente de acordo com o tamanho do hospital e tipo de assistência prestada. Vários fatores de risco interferem na possibilidade da colonização e posterior infecção relacionada ao cateter. Estes fatores podem estar relacionados ao paciente ou ao próprio acesso vascular. Dentre os fatores relacionados aos pacientes, as unidades de terapia intensiva com pacientes queimados, traumatizados e neonatos são as que

apresentam maiores taxas de infecção relacionada a cateteres vasculares.(13)

O tempo de uso e o tipo são os principais fatores de risco relacionados ao dispositivo vascular. Assim, para alguns tipos de cateter, a troca do dispositivo deve ser realizada após certo tempo de uso. Porém, de uma maneira geral, eles devem

ser retirados assim que não forem mais necessários.(14) As taxas de infecção são

menores nos cateteres venosos periféricos (0,2 infecções por 100 cateteres / dia) e

maiores nos de hemodiálise (10 infecções por 100 cateteres / dias).(13) Com relação

ao local de inserção, o uso dos membros inferiores tem maior risco do que o uso dos membros superiores, principalmente para os cateteres periféricos, e aqueles inseridos através de punção percutânea (0,5%) têm menor risco do que aqueles inseridos por dissecção (6,5%).

O acesso mais utilizado nas unidades de terapia intensiva é o venoso central, responsável por cerca de 90% de todas as sepses relacionadas a dispositivos vasculares. Quando estes cateteres centrais são inseridos perifericamente (PICC) são associados a menor incidência de complicações mecânicas e infecciosas que os inseridos por via central (0,8 versus 4,3 por 1.000 cateteres / dia), podendo ser

utilizados com segurança por tempo prolongado.(15)

Poucos estudos avaliaram o risco de infecção em cateteres arteriais. Os arteriais periféricos têm risco baixo de infecção (0,62%), assim como os venosos periféricos; a presença de inflamação no local da inserção e o uso de guia para troca, destacaram-se como fatores relacionados com a infecção. Considerando o

cateter arterial central (Swan-Ganz),a incidência de infecção observada foi cerca de

3/1.000 cateteres / dia, e, um dos fatores associados ao aumento desta taxa foi o

tempo de cateterização [maior que 3-5 dias (razão de chance 14,4)].(13;16)

Os cateteres de hemodiálise e quimioterapia merecem atenção especial das equipes. As infecções destes cateteres representam grande prejuízo ao paciente e maior responsabilidade para o profissional de saúde, pois muitas vezes implica a remoção de dispositivo quando sua permanência é fundamental para o tratamento da doença de base. As equipes devem receber treinamentos específicos para manipulação destes cateteres. Por outro lado, cateteres usados para quimioterapia prolongada, geralmente, são de longa permanência (semi ou totalmente implantados)

e têm menor risco de complicações infecciosas do que os de curta permanência.(17)

ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO(18)

Os microorganismos que colonizam as conexões dos cateteres e a pele ao redor do local de inserção do cateter estão entre as fontes mais comuns de infecção relacionada aos cateteres vasculares. Portanto, estratégias efetivas visam reduzir a colonização destes locais.

A principal estratégia para redução de infecções do acesso vascular é, obviamente, a racionalização da sua utilização através da indicação criteriosa, a conscientização dos riscos inerentes destes procedimentos e adesão às medidas de

A apresentação das estratégias que segue abaixo considera discussão realizada

por várias sociedades, considerando o seu grau de evidência científica.(18)





 Medida fortemente recomendada: estudos experimentais, clínicos e epidemiológicos

bem desenhados ou com forte base teórica. 



 Medida sugerida para implementação, baseadas em forte base teórica, porém

não comprovadas ou por solicitação de legislação. 



 Medida não recomendada ou questão não-resolvida: práticas para as quais a

evidência é insuficiente ou não existe consenso entre os peritos.

1. Higiene das mãos (fortemente recomendada):

Na unidade de terapia intensiva, a freqüência elevada de isolamento de germes multirresistentes aliada ao número de vezes que o paciente é manipulado, facilita a disseminação de micróbios e reforçam a importância do uso contínuo de produtos anti-sépticos para higiene das mãos, não importando qual a atividade exercida pelo profissional. Trabalhos desenvolvidos em controle de surtos de MRSA (S. aureus resistentes a meticilina) em unidades de terapia intensiva mostraram que fórmulas para higiene as mãos à base de álcool são tão eficientes para controle de bactérias

multirresistentes quanto às formuladas à base de clorexidine.(19). A facilidade de acesso

às pias ou dispensadores de álcool são fundamentais para aumentar a adesão dos profissionais ao seu uso. É importante enfatizar que para a instalação de cateteres (central e arterial periférico), o preparo das mãos do profissional deve ser feito através de degermação das mãos com detergente anti-séptico (iodo ou clorexidine).

2. Uso de Barreira estéril máxima (fortemente recomendada) para instalação

do cateter:

O uso de luvas estéreis, avental estéril de mangas longas, máscara de procedimento (cirúrgica), campos cirúrgicos (estéril e longo) e gorro, reduzem o risco de infecção, se comparado apenas ao uso de luvas estéreis e campo cirúrgico

pequeno (0,08/1.000 versus 0,5/1.000 cateteres/dia; p=0,02).(20). O uso de óculos

protetores ou máscaras faciais está indicado para proteção do profissional de saúde e deve se encorajado. Todos os profissionais ao redor do procedimento (até 1 metro) também devem usar máscara de procedimento. É fundamental que a instalação do cateter seja realizada com técnica asséptica; havendo qualquer contaminação do material, este deve ser desprezado.

3. Escolha do local de inserção (fortemente recomendada):

As veias subclávias são preferidas às jugulares e femorais em relação ao risco de infecção, sem levar em conta o risco de complicações mecânicas.

4. Preparo da pele do paciente (fortemente recomendada) para inserção

do cateter:

O uso de clorexidina reduz significativamente a incidência de colonização microbiana e de infecção comparativamente ao PVP-I (iodo-povidine) e ao álcool. Para a degermação da pele deve-se considerar uso de clorexidina degermante (tempo de exposição de um minuto), limpeza desta com gaze estéril, seguida de anti-sepsia com clorexidina alcoólica.

5. Uso de profilático de antimicrobianos (fortemente recomendada) para inserção do cateter:

O uso de antimicrobianos durante a inserção do cateter vascular central não mostrou ter impacto na redução da incidência de infecções em adultos.

6. Tipo de cateter (fortemente recomendada):

Colonização por S. epidermidis ou C. albicans foi mais observada em dispositivos de PVC do que aqueles de silicone ou poliuretano.

7. Uso de cateteres revestidos com anti-sépticos e antimicrobianos (medida sugerida):

O uso de cateter impregnados com clorexidina–sulfadiazina de prata mostrou relação de custo-benefício em unidades onde a incidência de infecções de sangue

foi maior que 3,3/1.000 cateteres/dia.(21) A sua eficácia não foi observada após três

semanas de uso do dispositivo, mostrando que a atividade antimicrobiana diminui com o passar do tempo. Após estudos iniciais, vários outros realizados posteriormente não mostraram os mesmos benefícios (redução de infecção), fazendo com que, atualmente, este assunto ainda seja considerado como “questão

não resolvida”.(22)

O relato de reação anafilática grave relacionada ao componente clorexidina do

cateter revestido, faz com que seu uso deva ser realizado com cautela.(23;24)

8. Troca de cateter:

É fortemente recomendada a troca na presença de secreção no óstio, em cateter de curta permanência. Sempre que houver suspeita de infecção, o uso de fio guia deve ser desencorajado.

A troca de cateteres instalados com técnica desconhecida (comum em pacientes transferidos) ou com suspeita de infecção em paciente com febre e hemodinamicamente instável, são medidas apenas sugeridas, até o momento.

Como tempo de troca de rotina, é fortemente recomendado: 



 cateter venoso profundo, arterial periférico, central de inserção periférica (PICC)

e hemodiálise: não trocar de rotina. 



 cateter arterial central (Swan-Ganz): não ultrapassar cinco dias (cateter

revestido com heparina pode permanecer até sete dias). 



 cateter venoso periférico: cada 72 a 96 horas.

9. Manutenção do cateter vascular (fortemente recomendado):

O local de inserção do cateter deve estar sempre protegido com curativo de gaze ou película transparente. Ao realizar o curativo, deve-se usar anti-sépticos, mas não antimicrobianos. O curativo deve ser trocado sempre que estiver umidecido ou com sangue. A inspeção do cateter deve ser realizada freqüentemente, e sempre que houver suspeita de infecção relacionada ao dispositivo.

Recentemente, curativos revestidos com anti-sépticos, principalmente à base de clorexidina, têm sido avaliados, mas ainda não há recomendação para que esta medida seja implantada (questão não resolvida).

É comum vermos os cateteres serem molhados durante o banho dos pacientes, mas isto não deve ser realizado visto que favorece a introdução de microrganismos pelo óstio (medida sugerida).

10. Sistema de Infusão

A inspeção, o preparo e a infusão de medicamentos são passos fundamentais para a segurança do paciente.

Recomenda-se fortemente que os equipos para infusão de nutrição parenteral, lipídeos e hemoderivados sejam trocados a cada 24 horas, enquanto que os equipos de soro e suas conexões sejam trocados a cada 72 a 96 horas de instalação. Frascos de medicação multidose devem ser aspirados após desinfecção com álcool 70% e com agulha estéril. Em caso de alteração na inspeção visual ou esterilidade comprometida, os frascos devem ser desprezados. Não há comprovação que os “filtros de linha” previnam infecções.

O uso de sistema fechado de infusão de medicamentos será priorizado no país nos próximos anos devido à solicitação legislativa, o que deve contribuir

significativamente para redução de bacteremias nos pacientes hospitalizados. (25)

11. Vigilância de infecções (fortemente recomendada): Não realizar cultura de rotina.

12. Educação continuada (fortemente recomendada):

Treinar das equipes envolvidas em todas as etapas, permitir o acesso à informação sobre prevenção de infecções, estabelecer rotinas escritas e divulgar as taxas de infecção, deve ser tão enfatizadas quanto as outras medidas.

Incentivar a formação de grupos de colocação e manutenção dos cateteres que, através da criação de normas de padronização, visem garantir a segurança do paciente e efetividade de custo do processo, nas últimas décadas se mostrara efetivos na redução da incidência de infecções relacionadas a cateteres e suas complicações associadas.

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TRATAMENTO DAS INFECÇÕES DE CORRENTE SANGÜÍNEA

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