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9 Paulo Prado, no prefácio à Poesia Pau Brasil.

Pau- brasil e as cidades hist óricas de M inas

Figura 2 .6 : Oswald de Andrade por Tarsila do Am aral, 1922. Font e: AMARAL ( 2003)

Reencontrar e reinventar o Brasil, ação possível através do contato visual, sensível e diret o com suas realidades, por m eio das viagens. Porém , o m enor descuido vos fará partir na direção

oposta ao vosso destino. Com o, então, trabalhar artist icam ente

representações para esta velha- nova terra? Roberto Schwarz ( 1989) nos apresenta um a hipótese, dizendo que Oswald de Andrade10:

[ ...] invent ou um a fórm ula fácil e poeticam ent e eficaz pra ver o Brasil, através da j ustaposição de elem entos próprios ao Brasil- Colônia e ao Brasil- Burguês, e a elevação do produto – desconj untado por definição – à dignidade de alegoria do país ( SCHWARS, 1989) .

Esta fórm ula apoiou- se no repert ório form al e conceitual do m odernism o europeu, pois se acom odar aos m odelos acadêm icos vigent es localm ent e seria reafirm ar um país letrado, negador de sua própria realidade que era, neste caso, híbrida. Associando o processo de concepção do Manifesto da Poesia Pau Brasil ao desenrolar da viagem , podem os im aginar ao trabalho poético a idéia de um bloco de notas.

Nele são lançadas idéias que surgiram no percurso, verdadeiros

flashs fotográficos da passagem por Minas, Rio e interior de São

Paulo. Assim , t ant o Oswald quant o Tarsila t ornam - se, na viagem , personagens do m anifesto - o artista fotográfico – que captam e lançam em seus suportes ( a palavra, nele; o desenho e a pintura na artista) o m undo observado:

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos ( ANDRADE, 1924, p.5) .

E, justapondo estas im agens fragm entadas, com o no cubism o, o país vai aparecendo ao longo do m anifesto:

O Carnaval no Rio é o acontecim ento religioso da raça. Pau- Brasil. Wagner subm erge ant e os cordões de Bot afogo. Bárbaro e nosso. A form ação ét nica rica. Riqueza vegetal. O m inério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança ( ANDRADE, 1924, p.5) .

Há espaço para o m undo oficial, acadêm ico:

Toda a história bandeirante e a história com ercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Com ovente. Rui Barbosa: um a cartola na Senegâm bia. Tudo revert endo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de j ockey. Odaliscas no Catum bi. Falar difícil ( ANDRADE, 1924, p.5) .

Sentim entais de João Miram ar ( 1924) e as peças O Hom em e o Cavalo ( 1934) e O Rei da Vela ( 1937) . Morre em São Paulo em 1954.

E apresenta, tam bém , a proposta artística para o novo país possível, de feição ot im ist a, com um olhar ao m esm o t em po infant il, novo e dinâm ico, m aduro:

A poesia Pau- Brasil, ágil e cândida. Com o um a criança. ( ...)

Cont ra o gabinet ism o, a prát ica culta da vida. Engenheiros em vez de j urisconsultos, perdidos com o chineses na genealogia das idéias ( ANDRADE, 1924, p.5) .

O prim it ivo, t ão negado pela erudição afrancesada da academ ia e na vivência do cot idiano, deveria ser procurado e valorizado em resquícios dispersos no popular. Merecia negação, enfim , a m acaqueação sem sentido identificada nos m odelos im portados:

A língua sem arcaísm os, sem erudição. Nat ural e neológica. A contribuição m ilionária de todos os erros. Com o falam os. Com o som os.

( ...)

Na m úsica, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as m eninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de m anivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava com pôs para a pleyela. Straviski ( ANDRADE, 1924, p.5) .

O poeta lança as bases para um a discussão desta proposta que unisse de form a positivam ente crít ica um Brasil real, sem necessidade de separações, que assum isse sua feição m últipla, logo, int eligent e e m oderna. E à m aneira de Le Corbusier, ao falar do espírito novo, Oswald de Andrade caracteriza a nova estética:

A síntese O equilíbrio

O acabam ent o de carrosserie A invenção

A surpresa

Um a nova perspectiva Um a nova escala ( ...)

Nossa época anuncia a volta ao sentido puro. ( ...)

m odernidade que se instalava. Com os olhos livres, absorvem os m elhor nossa civilização híbrida que m escla, nas palavras de Schwarz, o m oderníssim o com o m oderno de província e o arcaico. A dualidade aflora em cada nova paisagem vislum brada da j anela do trem , com o se ao longo dos trilhos, em oldurados pelas j anelinhas, desfilassem sím bolos do Brasil, sím bolos Pau- Brasil:

Tem os a base dupla e presente - a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geom et ria, a álgebra e a quím ica logo depois da m am adeira e do chá de erva- doce. Um m isto de "dorm e nenê que o bicho vem pegá" e de equações.

Um a visão que bata nos cilindros dos m oinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas produtoras, nas questões cam biais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau- Brasil ( ANDRADE, 1924, p.5) .

Finalm ente, naquele estilo rápido aprendido do poeta europeu, Oswald olha para São João del- Rei, j á no livro de poesias. De form a sintética, ele j ust apõe alguns elem entos fundam entais para a representação da cidade com suas palavras:

São João del Rey A fachada do Carm o

A igrej a branca de São Francisco Os m orros

O córrego do Lenheiro I de a São João del Rey De t rem

Com o os paulist as foram

A pé de ferro ( ANDRADE, 1924) .

A prim eira estrofe pinta, quando isolada, a m esm a paisagem urbana idealizada pelo traço de Tarsila, com elem entos básicos à representação do passado buscado nos séculos anteriores, com o verem os adiante. Já na segunda estrofe o olhar de Oswald tom a outra direção. Busca em um passado m ais distante ainda a epopéia dos bandeirantes que adentraram aquelas terras e se coloca, j untam ente com seus com panheiros de viagem , num a situação sem elhante, porém im erso em um novo t em po, de velocidade quase vertiginosa, que corta est a m esm a paisagem sobre os trilhos m ecanizados.

O pau- brasil em im agens

Figura 2 .7 : 'Manteau Rouge', 1923, Tarsila do Am aral.

Font e: TARSI LA DO AMARAL ( 2007)

Da excitação ocasionada pela redescoberta e transposta para o m anifesto, podem os agora visitar a pintura Pau- Brasil, onde enfim são representados os resultados das reflexões de Tarsila do Am aral11 sobre o próprio país:

11 Tarsila do Am aral ( 1886- 1973) , Tarsila do Am aral nasceu em 1886 em Capivari- SP. Em

1920 m atriculou- se na Academ ia Julian, Paris, voltando a São Paulo em fins de 1922. No seu reencontro com Anita Malfati, am bas j unt aram -se a Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, e fundaram o Grupo dos Cinco. Em 1923, o grupo se desintegra e Tarsila volta a Paris, para um a nova rodada de est udos, ocasião em que conhece a arte dos novos

[ ...] o cont at o com a t erra cheia de t radições, as pint uras das igrej as e das m oradias daquelas pequenas cidades essencialm ent e brasileiras ( ...) despert aram em m im o sentim ento de brasilidade ( AMARAL, 2003) .

Num m om ento universal de desnaturalização e constante aceleração, Tarsila constata a realidade brasileira, apresentando contradições advindas de um dilem a: ao m esm o tem po em que precisa representar a m odernidade do país, depara- se com um a ident idade paut ada pelo t radicional e provinciano.

A tensão contida na fronteira entre estes dois m undos é indicada e se dissolve em Estrada de Ferro Central do Brasil – EFCB ( 1924) , obra em que identificam os, na construção pictórica, um grupo de planos com binados. Nele a artist a faz uso da m esm a linguagem purista das palavras do m anifesto, com as pinceladas gerando dois elem entos: ora nos deparam os com a estrutura m etálica das estradas de ferro, com o nos pontilhões ( o m undo da m áquina) , ora nos deparam os com o casario e igrej a coloniais ( o arcaico que perm anece) .

Figura 2 .8 : 'EFCB' ( Estação Central do Brasil) , 1924,Tarsila do Am aral.

Font e: TARSI LA DO AMARAL ( 2007)

Estes dois elem entos são com binados com as linhas que os definem , sej am elas ret as ou inclinadas ( telhados, paredes, j anelas e grelhas m etálicas) sej am elas curvas ( pontilhão e m ontanhas) . A com binação daquilo que é em princípio desigual, surpreende- nos harm onicam ente no diálogo entre estes dois m undos tão distintos, que conviviam sim ult aneam ent e, não sinalizando para um a possível absorção de um pelo out ro, m as t alvez pela convivência com binada dos dois – recuperem os, aqui, o hibridism o do Manifest o de Oswald.

Tanto que, se olharm os para São Paulo ou Gazo ( 1924) , salta- nos aos olhos, dentre todos aqueles elem entos tipicam ente urbanos,

esbeltas palm eirinhas, outrora perdidas e indecisas entre o casario e a m alha da estrada de ferro ( Palm eiras, 1925) .

Figura 2 .9 : 'Gazo', 1924,Tarsila do Am aral.

Figura 2 .1 0 : 'Palm eiras', 1925,Tarsila do Am aral.

Font e: AMARAL ( 2003)

Esta m esm a situação repete- se em A Gare ( 1925) , onde m ais um a vez o sobrado parece ser engolido pelos artefatos da cidade indust rializada e caót ica. Se volt arm os ao sent ido da produção da artista, no m om ento, vem os que de um lado ela t raz da Europa o conhecim ento dos elem entos da sociedade indust rial j á identificados em São Paulo. Por out ro lado, viaj ando pelo int erior, Tarsila busca o que nos fazia desiguais e, portanto, portadores de um a identidade particular brasileira e suas contradições.

Figura 2 .1 1 : 'A Gare', 1925, Tarsila do Am aral.

Font e: TARSI LA DO AMARAL ( 2007)

Tarsila: Ser regional e puro em sua época1 2

Agora, a partir das coordenadas que determ inam o cont exto da viagem e das idéias que nela circularam , sendo construídas e ao m esm o tem po j á lançando luz sobre o olhar dos viaj antes, apresentarem os outras representações realizadas por Tarsila: seus desenhos, que não se encaixam no horizonte dos quadros e são anteriores a estes. Reelaboradas dinam icam ente nas pinturas, as