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E, se europeus buscavam o prim it ivo na África ou na Oceania, aqui a busca levou o turista aprendiz a algo nada prim itivo ( nem exótico, com o enxergara Cendrars) , m as ao encontro com um gênio m aior, que conseguiu ser barroco e renascentista. O Aleij adinho t inha um a função histórica, a part ir do m om ent o em que, de um a situação duplam ente desconfortável – a vida polít ica nacional ( basta pensarm os nos fatos que vão da I nconfidência Mineira à I ndependência) e a sua condição de m ulato – ele aparece com o que de um aborto lum inoso.

A expressão é rica de significados. Prim eiram ente, há o reconhecim ento do m ulato, o filho indesej ado, que vence a condição m arginal e luta para conquistar um lugar reconhecido na sociedade. Torna- se, pois, filho legít im o da t erra. Em segundo lugar, sua capacidade artística é digna de valor quando ele resolve questões estéticas expressando originalidade através de um a solução local, brasileira ( da Colônia) : é o m estiço e é logicam ente

a independência.

O escultor é visto no texto envolt o num a aura libertadora, que im pulsionaria não só a sua im agem de gênio, m as alim entaria o m ovim ento m odernista de desrecalque. Enquant o m ulat o, genuinam ent e brasileiro, ele vence o desconfort o inicial vivenciado por este novo tipo sem lugar na sociedade – nem português, nem africano.

A am plit ude da percepção de Mário ultrapassa o reconhecim ento do Aleij adinho, que poderia continuar a ser considerado com o um sim ples artista colonial que conseguiu ir além do sim ples m acaquear os m estres da m etrópole. Mário cham a a atenção para a necessidade de um novo m odo de leit ura, um novo m odo de olhar a obra de arte produzida no Brasil, que não através dos princípios inform ados por um a visão eurocêntrica do m undo. A esta visão ele opõe outra, histórica e localizada no espaço, que

part icipação no Concerto das Nações. A produção part iciparia nest e concerto universal na exata m edida em que se m ostrava brasileira. Esta crença de Mário não se apoiava apenas no resgate do Aleij adinho, m as vinha som ar- se àquilo que j á vinha recolhendo sistem aticam ente, desde a década anterior, em viagens pelo país, cuj o conj unto podem os classificar com o um verdadeiro m apeam ento da cultura m aterial e im at erial. É im port ant e caracterizar a abrangência destes regist ros, não lim it ados a setores específicos da sociedade, m as indo e vindo entre o erudit o e o popular.

Mário foi sensível à com plexidade da sociedade brasileira, que se lhe apresentava diversificada através da geografia, das classes, das questões polít icas e, especialm ente, por m eio de suas m anifestações culturais. Lem brem os Macunaím a, onde estão arranj adas todas estas pequenas peças tão diversificadas que, costuradas, delinearam um a feição para o Brasil.

E ao tratar destas questões naqueles anos posteriores à viagem , tem os um problem a colocado: a partir da constatação do subdesenvolvim ento e do atraso, da ignorância das m assas e dos equívocos dos letrados, com o subsidiar o ser brasileiro, germ inado no passado? Com o educar e criar um gost o nas m assas para a recepção e entendim ento do processo de m odernização pelo qual a nação passaria? Com o fazer com que todas as classes assum issem , além do tradicional reconhecim ento do erudit o, o valor das m anifestações populares?

Para equacionar os dois term os acim a apontados ( subdesenvolvim ento econôm ico e atraso cultural) e chegar à constituição de um a nação m adura, era necessário vencer a contradição entre a adoção de um m odelo externo ( na m odernização) e a afirm ação de um a especificidade, pela qual se const it uiria ent ão um a ident idade nacional. Est e foi um dos principais m ot ivos dest a viagem , t alvez não tão claros e explícit os

para todos envolvidos naquela aventura tão séria, m as um a certeza para ele.

O proj et o de M ário de Andrade para o SPH AN

Com essa bagagem , Mário de Andrade envolveu- se com na form ulação e na aplicação de polít icas culturais, pois estas eram o m eio m ais seguro para a difusão das idéias necessárias à const rução da nação brasileira. Dentre estas m edidas, Mário foi o responsável pela autoria do anteproj eto para o Serviço do Pat rim ônio Hist órico e Art íst ico Nacional ( SPHAN) em 1937.

Convém - nos fazer um retrocesso panorâm ico que antecede o anteproj eto de Mário para o SPHAN, realizado a pedido do Ministro Gustavo Capanem a. Afinal, o grupo que viaj ou a Minas em 1924 não foi o único interessado no conhecim ento e proteção da herança cult ural do país. Tam pouco os olhares de Oswald, Tarsila e Mário, por si só com diferenças significat ivas ent re si, eram com partilhados ou lançados a partir do m esm o ponto de observação dos outros interessados.

Est e m om ent o foi caract erizado pela confluência de nacionalism os variados, que deixaram a efervescência das discussões estéticas, inicialm ent e nas esferas int elect uais e, na t ransição dos anos 20 para os 30, agregaram - se à organização do Estado, com reflexos nas polít icas culturais. Renato Ortiz ( 1991) delineou este quadro de form a clara:

Nesse m om ento, que alguns historiadores cham aram de “ redescobert a do Brasil” , todo m ovim ento de com preensão da sociedade brasileira se insere no contexto m ais am plo de redefinição nacional. A revolução de 30, o Estado Novo, a transform ação da infra- estrutura econôm ica colocam para os intelectuais da época o im perativo de se pensar a identidade de um estado que se m oderniza ( ORTI Z, 1991, p. 130) .

Até então, a responsabilidade oficial pelas políticas de proteção da herança cult ural do país ficava a cargo do Museu Histórico Nacional, fundado em 1922 e dirigido por Gustavo Dodt Barroso19,

seu idealizador. Em 1934 o Museu t eve sua estrutura am pliada, agregando a I nspetoria de Monum entos Nacionais e Com ércio de Obj etos Artísticos.

Com a posse de Gustavo Capanem a no Minist ério da Educação e Saúde Pública ( MESP) , no m esm o ano desta am pliação, a instituição acabou ficando em segundo plano. Lauro Cavalcant i ( op. cit.) considera esta ação um reflexo do fato de que o diretor do Museu Nacional defendia um a post ura hist órico- t radicionalist a que não era com patível com a form ação intelect ual de Capanem a e a de seu chefe de gabinete, Carlos Drum m ond de Andrade20:

Vê- se logo que o nacionalism o é outro. Escolhendo- se, entre tantos, um volum e referente a 1942, dos Anais do Museu Histórico Nacional, basta percorrer os títulos: A heráldica dos vice- reis, A louça blanzo: ( dos barões, condes, m arqueses, etc.) no Museu. O culto da Virgem Maria na num ism ática, e daí por diante (CAMPOFI ORI TO, 198521 apud CAVALCANTI , 2006, p.99) .

No t ext o, Cavalcant i cont inua discorrendo sobre outros aspectos negativos de Gustavo Barroso, enum erando tópicos em que m ost ra as afinidades int elect uais e políticas do diretor a posições de ext rem a direit a: ant i- sem it ism o, arianism o, defesa do Nacional- Socialism o – todas idéias com prom etedoras no m om ento de se criar um a unidade nacional, naquele m om ento22.

Depois de Barroso, Cavalcant i aponta os defensores do neocolonial com o os principais concorrentes dos m odernistas na disputa pela condução da arquitetura que deveria dar form a ao Estado e ao estudo do passado enquanto referência cult ural. Por fim , havia o

19 Gust avo Dodt Barroso Fort aleza ( 1888- 1959) , Advogado e Historiador, Dirigiu a

I nspet oria dos Monum entos Nacionais e Museu Hist órico Nacional, onde criou o Curso de Conservador de Museus. Represent ant e da literatura regional nordestina, cultivou a hist ória e o folclore. Foi deputado federal entre 1915 e 1918. Mem bro da delegação brasileira presente na assinatura do Tratado de Versalhes em 1919. Dirigiu a Revista Fon- Fon. Foi secretário-geral da Junta de Jurisconsultos am ericanos em 1927. Mem bro da ABL.

20 Carlos Drum m ond de Andrade ( 1902- 1987) , Poeta e Prosador, foi Secretárop e Chefe de

Gabinete do Ministro Capanem a a quem sugeriu a constratação de Lúcio Costa. Trabalhou com o Chefe do Arquivo do SPHAN até 1962.

21 CAMPOFI ORI TO, I . O patrim ônio cultural: um balanço crítico. Revist a do Brasil, n. 4, 1985. 22 O diret or do Museu foi, t am bém , um dos teóricos do Movim ent o I nt egralist a.

que denom ina de “ direita getulista” que, na pessoa de Carlos Maul, direcionava duras críticas aos m odernistas, a partir de um ponto de vista fundam entado em idéias germ anófilas.

Neste cenário, a criação do Serviço do Patrim ônio não poderia ser vista com o m era am pliação de quadros e atribuições da inspetoria

de Monum ent os, pois, ao com pará- lo a estas diferentes posturas,

percebia- se o quanto o SPHAN era aberto e progressista. (CAMPOFI ORI TO apud CAVALCANTI , 2006, p.99)

Dirigido por Rodrigo Melo Franco de Andrade, o corpo t écnico foi com posto pelos arquitetos Lúcio Costa, Oscar Niem eyer23, Carlos

Leão, José de Souza Reis, Paulo Thedim Barret o24 ( único “ não-

m odernista” ) , Renato Soeiro25 e Alcides Rocha Miranda26. Est avam

ainda ligados, com o representantes ou prestando assessorias, Mário de Andrade, Gilberto Freyre27, Prudent e de Morais Net o,

Afonso Arinos de Melo Franco28 e, tornando- se efetivos algum

tem po depois, Manuel Bandeira29, Joaquim Cardoso e Carlos

Drum m ond de Andrade.

23 Oscar N iem eyer ( 1907) , Arquiteto. Em 1936 integrou a equipe de Lúcio Costa incum bida de

desenvolver o proj et o de Le Corbusier para o Ministério da Educação e Saúde. Elaborou o proj et o do Hot el Ouro Pret o, aprovado pelo SPHAN, após algum as m odificações feitas por Lúcio Cost a.

24 Paulo Thedim Barret o ( 1908—1973) , Arquiteto, foi Professor Titular da FAU/ UFRJ, foi

encarregado logo no início do SPHAN, por Rodrigo Melo Franco de Andrade, de proceder aos levantam ent os para post eriores tom bam ent os dos m onum entos localizados no antigo Dist rito Federal e no Espírito Santo, em 1940. Trabalhou no Setor de Arte da Divisão de Estudos e Tom bam entos. Escreveu sobre as Casas de Câm ara e Cadeia. Colaborou na Revista do SPHAN.

25 Renat o de Azevedo Duart e Soeiro ( 1911- 1984) , Arquiteto, foi Diretor de Conservação e

Restauração, desde 1937. Mem bro do I HGB e do I COM. Assum iu a direção do SPHAN após aposentadoria de Rodrigo Melo Franco de Andrade . Seus estudos se voltaram para as cidade de Ouro Pret o e Sabará.

26 Alcides da Rocha Miranda ( 1909- 2001) , Arquiteto, desenhista, Professor, form ou- se em

Arquitetura em 1932 e fez desenho com Portinari e Guignard. Técnico do PHAN, de 1940 a 1978. Foi tam bém professor na Faculdade de Arquitetura da UNB. Dirigiu o MNBA.

27 Gilbert o Freyre ( 1900- 1987) , Sociólogo. Sua obra reflete o m ovim ento social em que se

insere o rom ance nordestino iniciado com o lançam ento do m anifesto Regionalista. Catedrático de sociologia na Escola Norm al de Pernanbuco. Mem bro da Academ ia Brasileira de Let ras e colaborador da Revista SPHAN. Publicou Sobrados e Mocam bos pela prim eira vez no PHAN.

28 Afonso Arinos ( 1905- 1990) , Professor, Jurista e Historiador, foi Professor pela Universidade

2 .3 . Além de Mário: o Est ado e os int elect uais...