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im agens fragm entadas do interior m ineiro são um registro quase asséptico e parado, em branco e preto.

No estudo sobre os desenhos da artista, Ângela Brandão coloca sua produção com o o cam inho de entrada para o entendim ento da

atitude geral dos m odernistas diante das cidades históricas de Minas Gerais. Para a estudiosa, a síntese resultante na produção

art íst ica do grupo que visit ou Minas, com dest aque para Tarsila, foi responsável pela recriação daquelas cidades. Não com o:

Um estudo m inucioso da arquitetura religiosa colonial, nem m esm o das esculturas; não se tratava de um a recuperação historiográfica do barroco, m as sim de um a reinvenção baseada nos princípios de sínteses, de criação sim bólica e ideogram ática, de um reducionism o criativo. ( BRANDÃO, 1999, p.129)

Com o anteriorm ente focam os a iconografia das publicações sanj oanenses, para m anter uniform idade na nossa abordagem , tom am os os desenhos realizados pela artista com o obras acabadas13 nos quais buscam os, agora, um novo olhar sobre a

cidade. Pela uniform idade e abundância do m at erial, ut ilizam os em nossa análise seis desenhos - não só o de São João del- Rei, m as os das outras cidades históricas tam bém , pertinentes ao nosso est udo.

Façam os, pois, um a análise do m at erial selecionado, levantando suas características principais, suficientes para nos perm it ir delinear em seguida nossa hipót ese, m as não sem antes já indicar um a característica im portante.

Se rem ontarm os ao am biente europeu purista de onde Tarsila em ergiu, recuperam os alguns princípios que, verem os adiante, contribuíram enorm em ente para captação e expressão da paisagem m ineira. Percebem os sua extrem a capacidade de síntese, pelo traço, de toda a riqueza e variedade de elem entos contidos no cam inho dos viaj antes. O resultado, fiel às leis da arte brasileira para exportação.

Os prim eiros desenhos são Vista de Ouro Preto e Vist a de Mariana. Entre m ontanhas, m orros e a vegetação que cria volum es – m ais as palm eiras, elem ento m arcante pela vert icalidade, adot ado com destaque nas pinturas – o desenho traz o casario t ípico, com casinhas e sobrados, além das igrej as. A vista de Mariana prat icam ent e repet e o esquem a utilizado na vist a de Ouro Pret o, apresentando os m esm os elem entos, porém com disposição diferente em relação à m esm a, obviam ente por suas particularidades. Têm - se ainda panoram as das duas cidades, onde há grande econom ia nos traços. As duas cidades são vistas com o que encravadas nas m ontanhas, sendo Ouro Preto vista por detrás delas e Mariana à frente.

Figura 2 .1 2 : Vista de Ouro Preto, 1924.

Figura 2 .1 3 : Dois Panoram as: Ouro Pret o e Mariana, 1924.

Figura 2 .1 4 : Vista de Mariana, 1924.

Font e: BRANDÃO ( 1999)

No desenho Tiradentes, a cidadezinha ocupa a m etade superior do papel. É um a vista da igrej a Matriz de Santo Antônio, provavelm ente realizada a partir do alto do m orro da igrej a de São Francisco. Está delim itada em sua parte superior pelo céu e tem as laterais e parte inferior cortadas, interrom pendo o casario. À prim eira igrej a, som a- se um a outra à direita, vista de longe; provavelm ente a igrej a da Santíssim a Trindade – am bas são ident ificáveis apenas por suas linhas principais.

Ao redor, distribuído pela encosta, o casario colonial, com sobrados e casas térreas, caracterizadas pelos telhados em duas e quatro águas, assim com o pela distribuição das j anelas. A casa abaixo da igrej a, à direita na descida do m orro destaca- se pela varanda em arcos. Já a vegetação é representada por form as geom étricas arredondadas, que quase se fecham no percurso das linhas pelo papel.

Figura 2 .1 5 : Tiradentes, 1924.

Font e: BRANDÃO ( 1999)

Um outro desenho, São João del- Rei, apresenta um cam po visual m ais delim itado e m ais próxim o. Pelo pont o de vist a, concluím os que foi feit o a part ir da Rua do Com ércio ( ou, at ualm ente, Get úlio Vargas) . A com posição divide- se em duas partes. A inferior ocupa cerca de ¼ da folha, com a reprodução de alguns detalhes, ao lado da assinatura de Tarsila.

Na superior, tem os o desenho que recorta a cidade, bem específico e aproxim ado, perm itindo- nos identificar com certeza o local. Logo, tem os no prim eiro plano duas figuras hum anas, passam os a um segundo com a rua perpendicular a est a, finalizada pelo Solar da Baronesa e, por fim , em últim o plano, a I grej a de Nossa Senhora do Carm o. Aqui, identificam os a preocupação da desenhista com os detalhes que caracterizam a arquitetura da época.

Figura 2 .1 6 : São João del Rei, 1924.

Font e: BRANDÃO ( 1999)

Se em EFCB Tarsila do Am aral idealizou e sintetizou um a cidade que funde o m oderno e o arcaico, algo distinto ocorreu nos desenhos das cidades m ineiras. A cidade hist órica que em ergiu do traço da desenhista, sej a ela São João del- Rei, Congonhas ou Ouro Preto, é a cidade real, m as idealizada, da qual, de acordo com Lothe, um de seus professores parisienses, capta- se o im pacto inicial, com espont aneidade e, im portante, não se passeia com os pés. E, se não com os pés, com que form a Tarsila andou por estas cidades?

Ao contrário da idéia de penetração realizada pelo trem , costurando m ontanhas e cidades, Tarsila lança- se à condição de um a observadora distanciada, com o olhar direcionado para um a paisagem a ser captada em sua essência. Ou sej a, após tom ar

conhecim ento destas cidades, desde os cam inhos do trem até os seus m iolos, ela busca posicionar- se novam ente de fora, para m elhor com preendê- las, com unicando- nos então o que vê.

Este é o caso das vistas de Ouro Preto e Mariana, que nos aproxim a da discussão lançada por Michel de Certeau ( 1994) sobre a diferença entre ver a cidade com distanciam ento, o que possibilita sua total, ou quase total apreensão e aquela visão fragm entada que se tem ao percorrer a m esm a cidade.

Esta com unicação é realizada por um desenho linear, representando os elem entos destas “ cidades- paisagem ” por seu contorno. Recorrer ao traço purista, nest e caso, traz eficiência ao processo criativo da desenhista, em decorrência do alto poder de definição e sugestão de contornos e m assas. Assim , quando lançado sobre o fundo branco do papel, o traço negro- acinzentado revela a perenidade contida naqueles volum es.

Depois, quando nossa observadora se aproxim a um pouco m ais destas paisagens, distinguim os os volum es do casario colonial, das casinhas sim ples com telhados de duas águas aos sobrados encostados nos m orros. Junto destes, acom panham os os traços definidores dos grandes e exem plares m onum entos que as igrej as se t ornariam , perm it indo- nos inclusive ident ificá- las, t razendo para m ais perto da realidade, em contraposição aos panoram as im pessoais, quase etéreos, daquelas cidades.

Ainda assim , sob o espírito purista, continuam os a perceber a om issão das texturas, os danos m ateriais, t udo aquilo que poderia ser int erpret ado inicialm ent e com o registro da passagem do tem po. Daí considerarm os os desenhos com o obras independentes, com esta idealização da arquitetura e da paisagem , sem descartar a im portância de que este m esm o recurso lhe serviria de um bloco de notas. Afinal, sim ultaneam ente a m uitos dos elem entos esquem atizados nestes desenhos, Tarsila

Ao buscarm os a genealogia do t raço de cont orno ut ilizado por nossa desenhista, encontrarem os nos desenhos de Picasso, da m esm a época. I niciados em sua “ fase neoclássica” – com o no fam oso “ Retrato de Stravinsky” – os desenhos do espanhol eram feit os apenas com a linha de contorno, realistas, desprezando efeitos de claro–escuro. A m atriz form al sem pre m encionada destes desenhos de Picasso está nos desenhos e retratos de I ngres.

Figura 2 .1 7 : I gor Stravinsky, desenho de Pablo Picasso, 1917.

Logo, os desenhos de Tarsila guardam com seu m odelo os princípios que norteavam a representação neoclássica: idealização form al a partir de sua geom etria, conversando por sim ilaridade com os proj etos arquitetônicos. Este traço feito pela art ista traz tam bém um a dose de ingenuidade, pelo fato de que ela queria redescobrir o Brasil de form a nova, desprovida de preconceitos e cheia de curiosidade, com o um a criança.

A anulação da passagem do tem po tam bém é perceptível nos cam inhos do traço da artista, que em m uitos m om entos não se funde em seu início e fim . A linguagem visual, puram ente linear, confere um a atm osfera onírica ao desenho, que dispersa pela t opografia m uit o acident ada as construções que ficaram aqui e ali, resguardadas em seus elem entos originais de outras épocas; de um passado distante que se m ostra silencioso e até m esm o nostálgico.

Um a form a, ainda, de valorizar estes aspectos é por m eio da ausência de figuras hum anas. Se a figura hum ana é um recurso tão útil para dar escala aos espaços, concedendo- lhes vida e anim ação, por que será que Tarsila descart ou m uitas vezes seu uso? Afinal, se nos reportam os aos seus desenhos de São Paulo ou Rio e a m uitas de suas pinturas, vem os com o a presença da figura hum ana e com o ela era essencial para a representação do Brasil com o qual ela trabalhava.

Pessoas com traj es contem porâneos, um Ford “ T” estacionado, locom ot ivas... ( vide figura 1.13) Est as im agens facilm ente dat áveis não rem eteriam exatam ente àquele m om ento em que eles viviam ? Não seriam pontos de referência de um período histórico det erm inado? Tarsila opt ou pela “ crist alização” das cidadezinhas m ineiras no século XVI I I , deixando- as intactas e sem vestígios de outras épocas, senão aquela original14.

Se com eçam os falando da produção pau- brasil, desenvolvida durante a viagem , chegam os a um ponto de contraste, j á que a peculiaridade das pinturas pau- brasil encontra- se exatam ente na j ust aposição int rigant e de elem entos de tem poralidades aparentem ente diversas.

Se o proj et o cultural para o Brasil foi configurado por esta com binação, parece- nos que o sím bolo histórico no qual as cidades m ineiras se transform aram fez com que Tarsila as isolasse, neste prim eiro m om ento, para depois, aí sim , assum i- las nas pinturas e conj ugá- las com outras inform ações. Porque ela opera desta m aneira? Podem os discernir 3 m otivações que nos leva entender estas diferentes atitudes – a j ustaposição na pint ura pau- brasil e a hom ogeneidade nos desenhos das cidades de m ineiras:

Na prim eira delas, podem os entender sua ação com o um gesto de responsabilidade. Ao contrário do que se vivia na Europa, onde a destruição e a reconstrução do m undo se davam com o que num desencadeam ento natural do curso da história, ali no Brasil isso não era possível. Não havia o que destruir senão o que construir – isso ao pensarm os na explosão das vanguardas artísticas, no retorno à ordem e se desconsiderarm os a guerra contra os francesism os.

Tarsila do Am aral não t inha esta liberdade e precisava, ao resgatar a m atéria- prim a contida naquele passado, selecionar os elem entos fundam entais a serem difundidos e trabalhados, dosando sua liberdade artística e sua responsabilidade nacionalista:

O espírito de um a cidade se concretiza na sua arquitetura: igrej as, teatros, escolas, estádios, palácios, m oradias senhoriais, casas pobres. ( ...) Est as cidades t radicionais, onde os arranha- céus ainda não se im plantaram com o seu espírito de progresso m ecanizado, são o espelho da alm a

prim itiva do Brasil. [ grifo nosso] ( AMARAL, 1938, p. 6)

Neste ponto, vem os que suas atit udes, prim eiram ente nos desenhos, depois nas pinturas, não são opostas ou conflitantes. E

um a chave para o entendim ento desta questão está num texto que Tarsila escreveu:

[ ...] lá est ava a ‘vist a de Toledo’ de El Greco com aquela m esm a fisionom ia fantasm agórica, com a m esm a alm a, porque algum as ruas a m ais não lhe m udaram a essência que foi fixada pelo gênio do seu aut or ( AMARAL, 194315

apud BRANDÃO, 1999, p.14)

Logo, vem os em segundo lugar que Tarsila vivencia um a espécie de fantasia historicista, ao responder ao im pacto causado ao olhar as velhas cidades buscando, aqui e ali, artefatos rem anescentes de outra época.

A viagem é um a oportunidade para estudo e reconhecim ento de um a parte distante do país, presa ao passado e, portanto, m ais pura. A reflexão sob esta perspectiva leva a artista a buscar, com o na “ vist a de Toledo” , a essência daquelas cidades. Ora, se pensarm os na São João del- Rei m oderna, com sua estação, palacetes e pontes de concreto, percebem os que Tarsila aproveita- se de sua liberdade de artista e seleciona o que lhe interessa. É com o se ela lim passe a cidade dos sinais de progresso, valorizando a idéia de nostalgia.

Ou sej a, nos m oldes em que Lúcio Costa agiria futuram ente, Tarsila recria a paisagem m ineira selecionando alguns elem entos que j ulga serem os ideais para alim entar o proj eto estético para o Brasil m oderno, ao m esm o tem po em que recalca outros. Existe todo um processo de seleção nest es desenhos da pintora, em que filt ra det erm inados aspect os, refina- os e depois os m at erializa em form a estética.

O olhar ali proj etado é feito de form a distante, com o se, do alto das m ontanhas, a artista- turista construísse um panoram a de um m undo que não era o dela, um m undo do qual não fazia parte. I m plícit as nos desenhos de Tarsila, existem duas Ouro Preto, duas São João del- Rei. Duas de cada um a daquelas cidadezinhas, um a

I ntroduzim os, a partir de agora, um pensam ento que repetirem os em nossa análise da relação do SPHAN com as cidades históricas, quando eles “ lim parão” as fachadas nos processos de recuperação. Aqui, em seus desenhos, Tarsila, com a liberdade que seu status de artista criadora lhe concede, faz o m esm o.

Um a nova perspectiva Um a nova escala ( ...)

Nossa época anuncia a volta ao sentido puro. ( ...)

Ver com olhos livres. ( m anifesto da poesia pau- brasil)

Causa surpresa ( e estranham ento) com parar a lim pidez cristalina dos desenhos da artista com as fotos de época das cidades m ineiras, cuj o acervo setecentista estava então abandonado. Os fotógrafos se fixam na expressividade dos m uros descascados, na t ext ura áspera das pedras, na passagem inexorável do tem po. Ao “ purificar” a paisagem ( no duplo sentido que esta palavra pode ter) , a artista isola e pereniza as cidades históricas de Minas, libertando- as da passagem do tem po, da violência do hom em e de seus im pulsos de progresso. Tam bém livra a paisagem daqueles casarões afrancesados, com j anelas através das quais se viam m ocinhas tam bém afrancesadas, ao piano – caricaturas de outros t em pos...