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Pelas palavras de suas obras: a constituição do sujeito em autor de graphic novel

O “NASCIMENTO” DA GRAPHIC NOVEL : AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO COMO AUTOR

2.2 Pelas palavras de suas obras: a constituição do sujeito em autor de graphic novel

Foucault (1992) assevera que o autor ao mesmo tempo em que constitui sua obra, é por ela constituído; dessa forma, a apresentação de uma representação do produtor da primeira graphic novel, Will Eisner, pode auxiliar a entender que gênero é esse.

Levantamentos e buscas na internet nos levaram a vários textos jornalísticos sobre Eisner20. Tivemos acesso também ao documentário Will Eisner: profissão cartunista21, e às obras de sua autoria (ficcionais e teóricas),

além de sua biografia, reunindo assim um conjunto de informações e de produções sobre o autor criador do gênero graphic novel.

A partir dessas informações, foi possível compor uma imagem de Will Eisner não apenas como produtor de graphic novel, mas também, como editor, cartunista, empresário e professor. Um verdadeiro aficionado pela escrita e leitura, pela arte, pelo cinema, alguém que, do ponto de vista da linguagem e do processo criativo, se constituiu de diferentes formas.

Will Eisner pode ser reconhecido por ter sido um sujeito com um grande conhecimento a respeito do universo editorial e como o criador desse gênero, considerado por ele como distinto de outros que circulavam no mercado dos impressos por um status literário, ou seja, essa nova obra não

19 No Brasil, segundo Ramos (2004), não foi considerada uma separação temática das histórias

em quadrinhos, porém há as produções voltadas ao público infantil, e outras voltadas mais especificamente ao adulto.

20 Segredos de Will Eisner (28/08/13) e O testamento de Eisner (06/05/14) – MEDEIROS, J. Medeiros/Estado de S. Paulo; “Will Eisner: O herói não usa collant” (13/09/13) – VOLPATO, C./Valor Econômico; Memórias/Will Eisner (11/01/05) NAME, D. e ALVES, G./Observatório da Imprensa.

seria considerada um entretenimento, e sim uma obra capaz de discutir assuntos mais relevantes. Em 1978, ele publicou Um Contrato com Deus e

outras histórias de cortiço, possibilitando novas reflexões sobre os gêneros que

utilizam a linguagem híbrida verbal e não verbal, inovando e diversificando as opções do mercado editorial.

As obras de Will Eisner reunidas para este trabalho foram: Um

Contrato com Deus e outras histórias de cortiço, Assunto de Família, A força da vida. A princípio, a escolha pela análise se deu por Assunto de Família, todavia

parece-me complicado entender o gênero sem antes compreender a primeira obra escrita por esse autor, Um Contrato com Deus e outras histórias de

cortiço.

Assim, dialogando com as palavras de Eisner, emprestadas de suas

graphic novels – sejam elas saídas da boca de suas personagens ou de seus

narradores, além do próprio autor em seu prefácio – ou do seu biógrafo, construímos uma representação desse sujeito que se tornou autor.

Will Eisner – início de carreira22

“Quando, por fim, o inverno relaxava a clausura de seu punho, o verão aparecia, fazendo com que a vida saísse do interior dos cortiços para caminhar pelas ruas.”...23

22 Will Eisner ‘Espionage’. Disponível em <http: www.beathethink.tripod.com>. Acesso em 13/06/2016.

23 Trecho de Cookalein, in. EISNER, W. Um contrato com Deus e outras histórias de

William Erwin Eisner, ou simplesmente Will Eisner, foi o primogênito de três filhos de um casal judeu24. Nasceu em Nova York, em 6 de março de

1917 e faleceu na Flórida, em 03 de janeiro de 2005. É reconhecido como o criador do gênero graphic novel – a própria DC Comics atribuiu a Eisner o título de “pai da graphic novel” – ao lançar em 1978 a obra considerada inaugural deste gênero: Um Contrato com Deus e outras histórias de cortiço.

Schumacher (2013)25, biógrafo do autor, revela que alguns

estudiosos e acadêmicos contestam a “invenção” do termo graphic novel por Will Eisner. Michael T. Gilbert26, por exemplo, prefere classificar como uma das

primeiras graphic novel a obra Rima com luxúria, de coautoria de Arnold Drake, publicada em 1950. O próprio biógrafo concorda que Eisner, apesar do crédito pelo termo “graphic novel”, não foi o inventor e nem o primeiro a utilizá-lo, contudo, dá voz ao próprio Eisner para responder a essa contestação:

“Achei que havia inventado”, admitiu Eisner, “mas depois descobri que outro cara tinha pensado naquilo, anos antes de usar o termo. Ele não tinha feito sucesso e não tinha a mesma intenção que eu, que era desenvolver o que eu acreditava ser literatura viável para esse meio”. (SCHUMACHER, 2013, p. 237.)

Neste depoimento, Eisner enfatiza que sua produção, a graphic

novel, ainda que dialogue com outras iniciativas anteriores à sua, ele tem

intenções distintas e particularidades em relação a tudo que se produzira até então.

24Shmuel (Samuel) Eisner, nascido em 6 de março de 1886, pai, era um artista e intelectual vindo da Europa – de Kollmei, vilarejo não muito distante de Viena (Áustria). Pintor, mesmo sem estudos formais, um autodidata. Pintava paredes, cenários e foi para os EUA ainda adolescente, antes da eclosão da 1ª Guerra Mundial, quando trabalhou como aprendiz de muralista (judeu que pintava até as igrejas católicas). Sam falava alemão e iídiche, mas não o inglês, logo encontrar trabalho como pintor de afrescos em NY era algo muito complicado. Acabou trabalhando como pintor de cenários de fundo de palco em teatros iídiche e de vaudeville, ocupação que lhe rendia apenas o mínimo para se sustentar. Ia para a escola noturna para aprender a língua – assim como muitos imigrantes – mas achava as aulas tediosas e demorou para aprender o inglês, contudo era sociável e caloroso, fazendo amigos com facilidade. (SCHUMACHER, 2013, p. 12).

Fannie Ingber, romena, nasceu em 25 de abril de 1891, em um navio a caminho dos EUA.

Seu pai tinha 70 anos quando ela nasceu. Ele fora casado com uma tia de Fannie, e quando esta faleceu, ele voltou a sua terra natal e se casou com a cunhada – irmã de sua falecida primeira esposa. Fannie perdeu a mãe e o pai no mesmo ano em que completou 10 anos de idade, sendo cuidada por sua meia-irmã Rose, a qual a tratava como uma escrava. (SCHUMACHER, 2013, p. 13).

25 SCHUMACHER, Michael. Will Eisner: um sonhador nos quadrinhos. 1. Ed. São Paulo:

Globo, 2013. Tradução: Érico Assis.

26 Michael Terry Gilbert (nascido EUA em 07/05/1951), quadrinista, trabalhou na DC Comics e

Ainda que o pioneirismo de autoria da graphic novel possa ser colocado em questão, sem dúvida Will Eisner fez com que esse gênero se disseminasse pelo mundo, tendo várias obras traduzidas em inúmeras línguas. Quando chegou ao Brasil, por exemplo, em 1988, Um Contrato com Deus já havia sido traduzido para cinco línguas diferentes e, no início dos anos 2000, para onze. Sem dúvida, “autor” e “pai”27 da graphic novel podem ser títulos

atribuídos a Will Eisner. Ele transformou seu trabalho em algo perene, legitimado, a ponto de discussões acadêmicas sobre ele terem emergido e sua biografia ter sido elaborada e publicada em livro.

“- E aí, mãe... O que a gente vai fazer nesse verão? - Se cê pensa que vai ficar com aqueles moleque imundo, pode tirar teu cavalo da chuva!”28

Will Eisner cresceu no Bronx e no Brooklyn, bairros de imigrantes como sua família judaica, em meio aos problemas provocados pela Grande Depressão que assolou os Estados Unidos da América nos anos 30.

Desde cedo ele passou por vários tipos de infortúnio: mudanças constantes de casa e de escola, já que seus pais não conseguiam pagar os aluguéis; o bullying e o desprezo por parte daqueles que se consideravam melhores que os imigrantes; a necessidade de trabalhar desde cedo para ajudar nos custeios da família, como, por exemplo, como vendedor de jornal; desentendimentos cotidianos entre os pais (pai mais sonhador, um artista que gostaria de viver de sua arte – pintar, enquanto a mãe, pessoa racional e prática, dizia que “arte não enche barriga”).

Segundo sua biografia (SCHUMACHER, 2013), Eisner foi um voraz leitor, lendo tudo o que lhe caía às mãos, não discriminando a procedência de suas leituras, fossem obras clássicas ou revistas chamadas de pulp fiction29,

especialmente os contos rápidos, recheados de ação e suspense e com finais surpreendentes. Também foi amante de tramas de ação e sensacionalismo,

27 “Pai”, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa, significa: “1 homem que gerou um

ou mais filhos; genitor, progenitor 2 homem em relação aos seus filhos, naturais ou adotivos 3 autor, mentor 4 iniciador, fundador. [...]” (2009, p.1412).

28 Trecho do Cookalein In. EISNER, W. Um contrato com Deus e outras histórias de cortiço,

1988.

29 Revistas de entretenimento barato impressas em polpa de celulose e que tendiam a

que o tornaram um assíduo frequentador de filmes. Estes seus interesses foram importantes componentes de seu processo de criação da graphic novel, conforme declara seu biógrafo:

serviam de modelos informais para as histórias em quadrinhos; eram aulas sobre como estruturar e ritmar narrativas, desenvolver personagens e encenar a ação; também davam instruções inestimáveis sobre como usar ângulos de câmera para aumentar o suspense e criar tensão – habilidades que acabariam por distinguir o trabalho de Will Eisner como referência. (SCHUMACHER, 2013, p. 20)

Se por um lado as leituras – fossem elas de pulp fictions ou de clássicos – e o cinema, mais os “genes herdados” do pai influenciaram o lado artístico de Eisner, por outro, seu lado negociante e racional parece vincular-se ao lado materno, garantindo-lhe jogo de cintura para enfrentar suas experiências como “vendedor de jornal” em um meio adverso, caracterizado pelos maus tratos recebidos de vendedores mais velhos que ele e de clientes que tentavam enganá-lo, não pagando corretamente.

Will Eisner, como afirma seu biógrafo, “era a combinação quase perfeita das características mais fortes do pai e da mãe: artista sonhador e realista ferrenho” (SCHUMACHER, 2013. p. 23), o que pode ter influenciado em sua obra de ficção e em sua atuação no mercado editorial.

Sua aptidão e interesse pelo desenho eram exercitados na imitação dos traços que Eisner identificava nas tirinhas de jornais que ele próprio vendia, no que era incentivado pelo pai, que lhe cobrava desenhar pessoas, prédios, paisagens, apesar das reprimendas de sua mãe.

“Ora, ora... olha só nosso Willie dançando com a sra. Minks! O

rapaz já é um homem!”30

Segundo Schumacher (2013), aos 19 anos Eisner inicia sua carreira dentro de uma revista. O seu primeiro emprego foi na Wow, What a Magazine, controlada pelo editor Samuel Maxwell Iger, conhecido como Jerry Iger.

30 Trecho de Cookalein In. EISNER, W. Um contrato com Deus e outras histórias de cortiço,

Eisner, ainda um colegial, frequentava a Wow, What a Magazine quase que diariamente, observando, analisando como as pessoas trabalhavam em seus desenhos e tirinhas. Nesta revista, ao sugerir uma solução para um problema de produção, recebeu uma oferta de emprego feita por Iger. Em 1936, Will Eisner ilustrou a sua primeira capa de revista e, pouco tempo depois, teve a chance de criar seu primeiro personagem – Scott Dalton. Desde então, não parou mais de criar e publicar em meio à explosão de histórias em quadrinhos que ocorreu nos Estados Unidos em meados do século XX. Eisner aperfeiçoou seus traços e produziu novos e vários personagens e histórias para as revistas e tiras de jornais impressos.

Para seu biógrafo, seu pensamento empresarial o instigou a transformar esse tipo de produção em algo mais lucrativo, produzindo histórias prontas para atender à demanda das editoras pelos quadrinhos.

Assim, seu primeiro empreendimento foi vender suas ilustrações em quadrinhos, sem, no entanto, vender os personagens criados para elas, diferentemente do procedimento adotado por muitos outros autores.

Ele teve oportunidade de trabalhar com muitos cartunistas, como Jules Feiffer, Bob Kane, Jack Kirby, George Tuska, Bob Powell, Lou Fine, George Brenner, entre outros, mas sobressaía-se pelo tino comercial aliado ao seu lado artístico. Foi o criador do herói The Spirit (1940) – o detetive Denny Colt, que ao ser gravemente ferido é imerso em uma fórmula secreta que o faz parecer, até para os legistas, morto. Colt é enterrado, no entanto à noite ele desperta e escava a própria sepultura até sair de seu túmulo. Disfarçado, constrói um esconderijo subterrâneo sob sua câmara mortuária e passa a enfrentar bandidos, à revelia da lei, sob a identidade de The Spirit. Este herói foi publicado desde 1940 até 1952, voltando nos anos 60 e permanecendo até 1976. Foi este o trabalho mais duradouro (28 anos) da carreira de Will Eisner, porém não o único. São também produções de Eisner The Flame; Blackhawk; Black Condor; Doll Man; Mr. Mystic; Lady Luck Hawks of the Seas, entre outros.

Will Eisner foi ainda, além de quadrinista, editor, produtor, professor (a respeito de aspectos referentes à sua criação, as “narrativas gráficas”) e até soldado – serviu na Segunda Guerra Mundial em solo americano, como produtor de manuais em quadrinhos para os soldados, sobre cuidados com a

saúde e equipamento, sempre utilizando sua arte para persuadir esse novo público.

“Eu estava muito ocupado cuidando dos negócios... mas fico tão feliz por tê-la encontrado a tempo...”31

...Ele a batizou de Rachele, o nome de sua falecida mãe, e dedicou-se à pequenina com todo o amor. Ela cresceu forte, florescendo no calor e devoção do generoso Frimme. Era como se fosse realmente sua filha, a alegria de viver. Então, certo dia, na primavera da vida, Rachele adoeceu. Repentina e fatalmente...”32

Para Schumacher (2013), Will Eisner dedicou-se por muito tempo ao trabalho, retardando e adiando o tempo de diversão e namoro. Casou-se com Ann Weingarten, em 1950, e ambos tiveram dois filhos: John (abril de 1952) e Alice (outubro de 1953), sendo Eisner reconhecido para além dos títulos profissionais, como um marido amoroso e um pai carinhoso.

A perda de sua filha, aos dezesseis anos, dentro de um quadro que se arrastou por um ano de sofrimentos, parece ter marcado profundamente Will Eisner. Para Schumacher (2013), foi muito doloroso para Eisner vê-la sofrer as dores decorrentes da leucemia, o que o deixou bastante revoltado e o levou a “enterrar-se vivo”, afastando-se de casa.

Por muitos anos Eisner negou-se a falar sobre a morte de sua filha Alice (morta em 1969), desenterrando-a de suas memórias apenas em sua primeira graphic novel Um Contrato com Deus, em 1978:

Eisner ponderava sobre essas questões desde a morte da filha, e, embora levasse anos para admitir publicamente que sua história “Um contrato com Deus” emergira dessa época tenebrosa de sua vida, seu conto sobre Frimme Hersh, um homem bom devastado pela perda da filha adotiva, era mais pessoal do que tudo o que ele havia publicado em quatro décadas de quadrinhos. “A criação dessa história foi um exercício de agonia”, escreveu ele no prefácio de The Contract with God Trilogy, agrupamento de três álbuns de Eisner que se passam num cortiço fictício na avenida Dropsie, nº 55, no Bronx, e

31 Trecho EISNER, W. Assunto de família, 2009.

32 Trecho do Um Contrato com Deus, in EISNER, W. Um contrato com Deus e outras

publicado em 2006, quase quatro décadas após a morte de Alice Eisner. (SCHUMACHER, 2013, p. 231-232).

Nessa obra, tal como o próprio autor, o protagonista dialoga, de forma amargurada, com Deus, questionando-O sobre a perda de um ente querido. Ficção e realidade entrelaçam-se; autor e protagonista debatem-se, impotentes e fracos, diante de uma força maior.

Durante os anos de 60 e 70, nos EUA, estabeleceu-se um discurso sobre as histórias em quadrinhos como um gênero que ofereceria uma leitura pobre, rasa, de pouca contribuição para o crescimento intelectual de seus leitores. Devemos lembrar que o termo comic, utilizado em inglês para histórias em quadrinhos, vem de “cômico” ou “histórias engraçadas para entretenimento”, características que parecem determinar este gênero. Por outro lado, estas histórias em quadrinhos, muitas vezes, traziam conteúdos “perigosos”33, o que impulsionou a criação de associações que eram

encarregadas de fiscalizar a produção desse tipo de leitura, a fim de impedir que esses conteúdos “perigosos” circulassem.

Nascido de pais imigrantes... eu comecei vendendo ferro-velho e construí sozinho um grande negócio... siga meu conselho...

comece nos meus depósitos e suba na vida!34

Foi neste cenário de desgaste das histórias em quadrinhos e da desvalorização dos mesmos como leitura prazerosa de entretenimento, que Eisner atuou em duas práticas diferentes. Na primeira, ele lecionou por alguns anos, na School of Visual, de Nova York, ministrando os concorridos cursos sobre “arte sequencial” e, posteriormente, “narrativas gráficas”, nos quais apresentava aos alunos a anatomia e a História das histórias em quadrinhos.

Sem material no qual pudesse se apoiar, Eisner produziu para ambos os cursos o seu próprio, de conteúdo teórico e técnico. Esse material foi a base para que, nos anos de 1985 e 1986, ele publicasse as primeiras edições

33 Segundo Schumacher, biógrafo de Will Eisner, seriam temas que envolvessem sexo, política,

religião, pois esses temas poderiam “desestruturar a boa família americana, contaminando os pensamentos principalmente dos jovens”.

de “Quadrinhos e Arte Sequencial” e “Narrativas Gráficas”, nas quais apresenta seu lado estudioso e didático daquilo com que sempre trabalhou: a linguagem híbrida do desenho e das palavras:

Este trabalho tem o intuito de considerar e examinar a singular estética da arte sequencial como veículo de expressão criativa, uma disciplina distinta, uma forma artística e literária que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma ideia. (EISNER, 2010, prefácio).

O autor utilizou o seu conhecimento e sua autoridade sobre o assunto a fim de garantir o status de “literatura” para aquilo que muitos editores ainda insistiam em tratar como simples entretenimento. Para ele, a arte sequencial estudada, definida e valorizada por várias gerações de seus alunos, constituía-se em uma produção importante para a cultura literária e para um tipo de leitura que fosse além de entretenimento.

O primeiro livro, Arte Sequencial, aborda a questão estrutural da sequência dos quadrinhos que constituiu uma narrativa literária em sua especificidade enquanto Arte. Já no segundo, Narrativas Gráficas, o destaque é dado ao “contar histórias”, mais do que à estrutura gráfica.

Em uma obra anterior “Quadrinhos & Arte Sequencial”, eu abordei os princípios, conceitos e a anatomia dos quadrinhos, assim como os fundamentos da arte. Neste livro, espero lidar com a missão e o processo de contar histórias com desenhos [...] Apesar da grande visibilidade e da atenção compelida pelo trabalho artístico, insisto em afirmar que a história é o componente crítico de uma narrativa gráfica. Não é somente a estrutura intelectual na qual se baseia toda a arte. É mais do que outro elemento, é aquilo que faz o trabalho perdurar”. (EISNER, 2013, p. 6).

Essas duas obras buscam legitimar e dar estatuto a essa linguagem híbrida e à produção de histórias na arte sequencial, produzindo uma teoria sobre essa linguagem.

Nos anos 70, quando as comics (HQs) passaram a ser rigorosamente fiscalizadas pelo Código de Ética dos Quadrinhos, Eisner sentia- se desestimulado a lançar-se em novos empreendimentos, mas seu encontro com Denis Kitchen permitiu-lhe vislumbrar novos rumos.

Foi no início da década de 70 que Eisner conheceu o universo paralelo das comics e das comixs, publicações consideradas underground35.

35 Underground pode ser compreendido como algo cultural que foge dos padrões normais e conhecidos pela sociedade. Underground é um ambiente com uma cultura diferente, que não

Nesta época, novos cartunistas que não se sujeitavam às regulamentações das associações que fiscalizavam as comics – histórias em quadrinhos comercializadas – produziam material que consideravam relevante, independentemente das ordens.

Um desses jovens artistas era Denis Kitchen, que em 1971, com apenas 24 anos, já era editor e cofundador de uma revista de humor estudantil e também de um jornal alternativo, sendo conhecido como artista no mundo dos quadrinhos.

Em uma convenção de quadrinhos, em 1971, em que ambos estavam presentes, Schumacher (2013) relembra:

Will Eisner ganhou novo vigor, que manteve até o fim da carreira, assim que começou a participar das convenções, em 1971. Ele gostava de ver os lançamentos e conversar com os autores; adorava o papo sobre o negócio dos quadrinhos, desde os contratos até os montantes de vendas. Tinha um entendimento arguto da evolução das HQs e tentava prever os rumos que elas estavam tomando. [...] Ele não conhecia os comix antes de participar da New York Comic Art