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3. ASSENTAMENTOS RURAIS COMO PRODUTORES DE SAÚDE: AS

3.2. A LUTA POR CONDIÇÕES MÍNIMAS DE MORAR: A QUESTÃO DA

3.2.1. A luta pelo ao acesso a água

Em sua pesquisa sobre o acesso a água e a saúde das famílias do Assentamento Estrela do Norte, França e Silveira (2011, p. 6), destacam que, apesar de parte da geologia não permitir reservas significativas de água no subsolo, muitos moradores perfuraram pequenos poços freáticos para garantir seu abastecimento. Esses poços e cacimbas, devido às irregularidades pluviais da região, que podem comprometer o nível freático, não garantem o abastecimento regular, levando as famílias a se utilizarem das lagoas, como fonte adicional de abastecimento de água.

Ainda, segundo França e Silveira (2011), se referindo aos estudos sobre a qualidade da água no assentamento Estrela do Norte, em que foram identificados

sérios problemas quanto à questão hídrica da comunidade, problemas quali- quantitativos, sendo indicados altos índices de contaminação da água por bactérias do grupo coliformes43 [...] O relatório contém informações

pertinentes quanto à seriedade da contaminação de todas as fontes de água do assentamento, e, por falta de alternativa, sua população continua se servindo desta água (FRANÇA; SILVEIRA, 2011, p. 9)

A precariedade nas condições de acesso e a seriedade dos casos de contaminação, levou as famílias, juntamente com professores do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG a realizem audiências junto ao INCRA/MG, com vistas a acelerar o processo de implantação do sistema de abastecimento de água no assentamento.

Segundo os trâmites normais, repassados pelos servidores do INCRA, em audiência realizada durante uma das ocupações a esse órgão, realizada pelo MST em Abril de 2010, para a implantação do sistema de abastecimento de água em assentamentos, é necessário primeiramente licitar e perfurar o poço. Havendo vazão suficiente, no segundo ano, licita-se e realiza-se a equipagem do poço e instalação de um ponto de abastecimento, chamado de “chuveirão”. Só no terceiro ano faz-se a licitação e distribuição da água para as famílias. É

43 As análises sobre a qualidade das fontes de água do Assentamento foram realizadas pela Universidade Federal

de Minas Gerais (UFMG), sendo as mesmas utilizadas para pressionar o INCRA e a Prefeitura Municipal a tomarem as devidas providências para sanar o problema de acesso a água potável por parte das famílias.

importante ressaltar que, no caso da perfuração do poço, a licitação inclui duas tentativas, e caso nessas tentativas a vazão seja insuficiente, há a necessidade de se fazer outra licitação para, novamente, fazer duas tentativas44. Outra questão importante a se ressaltar, é que, nessa

época, o INCRA/MG possuía apenas um engenheiro civil para elaborar e analisar todos os projetos técnicos ligados à infraestrutura dos assentamentos: equipagem e distribuição de água, construção de estradas, de agroindústrias e de casas.

O acesso à água para consumo e produção é pauta de luta permanente do MST e da Via Campesina em Minas Gerais, principalmente nas Regiões do semiárido: Norte de Minas e Vales do Jequitinhonha e Mucuri. No ano de 2011, por exemplo, na Jornada de Lutas da Via Campesina do Norte de Minas, realizada no período de 05 a 07 de setembro, além da pauta política de denúncia dos impactos dos grandes projetos capitalistas na região, cerca de 600 trabalhadores pertencentes aos movimentos e pastorais sociais e aos sindicatos da região, ocuparam o estacionamento da prefeitura de Montes Claros, para apresentar suas pautas de reivindicações ao poder público municipal. Em relação à pauta específica do Assentamento Estrela do Norte - que segundo o prefeito, não era de sua responsabilidade, e sim do Governo Federal -, foi cobrado providências em relação ao direito de acesso à água por parte das famílias assentadas; em relação às estradas do assentamento, que encontravam-se em situação precária; em relação ao transporte escolar, que não estava atendendo corretamente a população do assentamento; e em relação ao acesso aos serviços de saúde. Além dessa pauta emergencial, foi solicitado que o trator da prefeitura atendesse também as famílias assentadas, quanto a gradagem das terras para plantio. Nessa luta, após a audiência dos movimentos e sindicatos com o então prefeito Luiz Tadeu Leite, que contou com a participação do Superintendente do INCRA/MG, foi apresentado o laudo da qualidade da água realizado pela UFMG, ficou assegurado, conforme a ata lavrada45, que a prefeitura iria garantir

o abastecimento regular (duas vezes por semana), por caminhão pipa, até a perfuração de um novo poço46, equipagem e a distribuição da água com a

construção dois reservatórios (que existem no projeto do Incra). Em relação ao processo de perfuração de outro poço e distribuição de água dos dois poços, ficou assegurado pelo Incra e prefeitura que o Município assumiu, de 44 Durante a perfuração do poço no PA Irmã Dorothy II, no município de São João da Lagoa/MG, por exemplo, a

vazão de 6 mil litros por hora foi considerada insuficiente para fazer a equipagem e distribuição, e até hoje a área não possui rede de abastecimento de água. Na ocupação da sede da CODEVASF, em Montes Claros/MG, em 2015, realizada pelo MST, a pauta de reivindicação incluiu a equipagem do poço e instalação do chuveirão, ao menos para que as famílias tivessem um ponto de acesso a água.

45 Disponível em http://adunimontes.blogspot.com.br/2011/09/se-tu-lutas-tu-comnquistas-resultados.html

acesso em 13/03/2016,

46 O único poço existente nessa época localiza-se na antiga sede da fazenda, onde hoje funciona o centro de

antemão, o combustível necessário à perfuração do poço. Além disso, foi garantido o fornecimento de material para a construção de dois reservatórios de 25 mil litros cada, até final de outubro deste ano, sendo que a comunidade assume a contrapartida da mão de obra necessária para os serviços (ADUNIMONTES, 2011).

Em relação aos demais pontos, a prefeitura se comprometeu: que o transporte escolar iria buscar as crianças em dois pontos dentro do assentamento - antes algumas crianças tinham que caminhar mais de 4 km para embarcar no ônibus; a implantação, em estrutura já existente no assentamento47, da escola infantil, para crianças de 0 a 5 anos a partir de 2012, e

com um educador infantil do próprio assentamento; a patrolar e cascalhar os 4 km de estradas do assentamento; a fazer o gradeamento de terras possíveis no ano de 2011; garantir a ida da equipe do PSF ao assentamento, para diagnóstico e agilização de pendências, e a infraestrutura básica para atender o PSF no próprio assentamento (forro, maca, mesa, escrivaninha e duas cadeiras) (ADUNIMONTES 2011).

Nessa jornada de lutas de 2011, os movimentos sociais, principalmente do MST e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), reivindicaram providências junto ao Governo Federal. No dia 06 de setembro, as 600 pessoas participantes dessa jornada de lutas ocuparam a sede da CODEVASF em Montes Claros48. Nessa ocupação, foi realizada

audiência com o Superintendente da CODEVASF, onde fez-se a denuncia dos grandes projetos de barragem49 e mineração em vias de implantação na região e cobrou-se a atuação

desse órgão no atendimento das necessidades prementes dos assentamentos, principalmente no que se refere à infraestrutura de abastecimento de água para consumo humano e para desenvolver a produção.

Como saldo dessa mobilização, conseguiu-se garantir uma bomba para poço tubular do Assentamento Darcy Ribeiro, e caixas d'água e canos para o armazenamento e distribuição de água para os Assentamentos Estrela do Norte e Darcy Ribeiro.

Em 2013, mais uma vez a Via Campesina (MST e MAB) voltam a ocupar a sede da CODEVASF em Montes Claros50. Nessa ação, onde estiveram presentes cerca de 200 pessoas, 47 Antiga sede da Associação do Assentamento, que foi reformada pela própria comunidade. Atualmente, para o

funcionamento da escola, a comunidade arca com as despesas de energia elétrica e estrutura de secretaria, sendo a prefeitura responsável pela contratação dos professores e pessoal de serviços, pelo transporte e pela merenda escolar.

48 Via Campesina ocupa Codevasf em Montes Claros (MG) - Disponível em

http://www.mabnacional.org.br/noticia/campesina-ocupa-codevasf-em-montes-claros-mg – acesso em 13/03/2016.

49 Por exemplo, o “Projeto Jequitaí”, no município de Jequitaí, que será implantado, pelo Ministério da

Integração Nacional, através da CODEVASF, e que inclui a construção de uma barragem e a implantação de um perímetro de agricultura irrigada.

cobrou-se o atendimento de pauta de reivindicações apresentada pelo MAB, havia cerca de 3 meses, e que dizia respeito à situação dos atingidos pelos Projeto de irrigação Gorutuba e Projeto Jequitaí. Nessa luta, os movimentos cobraram uma audiência com o Presidente da CODEVASF, em Brasília/DF, para tratar das questões dos atingidos, além de apresentarem suas reivindicações no que se refere à infraestrutura de abastecimento de água, tanto das comunidades dos Atingidos por Barragens, quanto assentamentos e acampamentos.

Com essa luta garantiu-se infraestrutura de abastecimento de água (canos e caixas d'água) para as comunidades de atingidos por barragens e para os Assentamentos São Francisco II (município de São Francisco), Irmã Dorothy II (Município de São João da Lagoa), Acampamento Novo Paraíso (Município de Jequitaí) e Acampamento Eloy Ferreira. Para o Assentamento Estrela do Norte, que já contava, nessa época, com rede de distribuição de água, essa luta garantiu a perfuração e equipagem de mais um poço tubular

Além da infraestrutura de abastecimento de água, conseguiu-se garantir o acesso a kit's de irrigação para o Assentamento Estrela do Norte; kit's de Apicultura para as famílias do Acampamento Eloy Ferreira, com os equipamentos necessários para o beneficiamento do mel; e a implantação de uma unidade do “Projeto Reniva”51, no Assentamento Estrela do Norte,

que irá beneficiar todas as famílias acampadas e assentadas da região, através da distribuição de sementes (manivas) de mandioca isentas de vírus.

As famílias acampadas e assentadas do Norte de Minas, junto com as famílias de atingidos por barragens, também visitaram, em 14 de março de 2014, o Departamento Nacional de Obras de Combate a Seca (DNOCS)52, outra autarquia do Ministério da

Integração Nacional (MI), com sede em Montes Claros. Nessa ação, que contou com cerca de 150 pessoas, as famílias reivindicaram a aprovação de projetos para captação de água para assentamentos e reassentamentos53, que encontravam-se parados naquele órgão. Como saldo

dessa luta, garantiu-se a perfuração de um poço tubular no Assentamento Estrela do Norte e dois no Assentamento São Francisco II, além de canos para construir as redes de abastecimento de água nos Assentamentos Darcy Ribeiro, São Francisco II, Irmã DorothyII, e http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/acoes-dos-movimentos/1632-via-campesina- ocupa-a-codevasf-em-montes-claros – acesso em 13/03/2016.

51 Rede de Multiplicadores de Manivas de Mandioca isenta de Vírus (Reniva). Esse projeto prevê a implantação

de um campo irrigado de produção de sementes (maniva) de mandioca de 1 hectare. Cada unidade do Reniva tem a capacidade para atender 40 agricultores.

52 Manifestantes invadem sede do DNOCS em Montes Claros – disponível em

http://www.gazetanortemineira.com.br/cidade/2014/03/manifestantes-invadem-sede-do-dnocs-em-montes- claros.html – acesso em 14/03/2016

53 Famílias que tem suas terras desapropriadas para implantação de grandes empreendimentos e que são

dos reassentamentos do MAB.

Novamente em 2015, o MST, desta vez sozinho, volta a ocupar a sede da CODEVASF. Após realizar uma ação estadual de paralisação das Rodovias Federais, para cobrar agilidade nos processos de assentamento das famílias e evitar os despejos, as famílias Sem Terra do Norte de Minas se dirigiram à sede da CODEVASF em Montes Claros, para exigir ações referentes ao abastecimento de água e disponibilização de Kit's de irrigação para os assentamentos. A pauta principal do MST dizia respeito à equipagem dos poços tubulares perfurados no Assentamento São Francisco II (Município de São Francisco), e Irmã Dorothy II (Município de São João da Lagoa) - que foram considerados de vazão insuficiente -, para que as famílias tivessem, ao menos água para beber. Além da equipagem dos poços, foi apresentada uma demanda de kit's de irrigação, para que pudessem desenvolver pequenas áreas irrigadas nos assentamentos; e a liberação dos recursos da unidade do Projeto Reniva do Assentamento Estrela do Norte. Através dessa luta as famílias assentadas conseguiram garantir a equipagem dos poços e reservatórios de água para os mesmos.

Uma questão relevante em relação à água dos poços dos Assentamentos Estrela do Norte e Darcy Ribeiro, é que ela é considerada uma “água pesada” ou salobra; ou seja possui grande quantidade de calcário. Para amenizar esse problema, grande parte das famílias possuem cisternas (tanto de cimento, quanto de polietileno) para captação de água das chuvas (FIGURA 8), que é utilizada para o consumo humano.

Figura 8: Foto de uma moradia do Assentamento Estrela do Norte beneficiada com uma cisterna para captação de água de chuva