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O Agronegócio nas áreas de Reforma Agrária do Norte de Minas:

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O Agronegócio nas áreas de Reforma Agrária do Norte de Minas: as contradições da subordinação das famílias e os impactos à Saúde e ao Ambiente

Rio de Janeiro 2016

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O Agronegócio nas áreas de Reforma Agrária do Norte de Minas: as contradições da subordinação das famílias e os impactos à Saúde e ao Ambiente

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Pública. Área de concentração: Vigilância em Saúde

Orientadora: Prof.ª Dra. Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes

Rio de Janeiro 2016

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Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

P436a Pereira, Luis Carlos

O agronegócio nas áreas de reforma agrária do norte de minas: as contradições da subordinação das famílias e os impactos à saúde e ao ambiente. / Luis Carlos Pereira. -- 2016.

212 f. : il. color. ; tab. ; graf. ; mapas

Orientadora: Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2016.

1. Agronegócio. 2. Determinantes Sociais da Saúde. 3. Assentamentos Rurais. 4. Trabalhadores Rurais. 5. Saúde do Trabalhador. 6. Impacto Ambiental. 7. Impactos na Saúde. 8. Acesso aos Serviços de Saúde. I. Título.

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O Agronegócio nas áreas de Reforma Agrária do Norte de Minas: as contradições da subordinação das famílias e os impactos à Saúde e ao Ambiente

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Pública. Área de concentração: Vigilância em Saúde

Aprovada em: 04 de Julho de 2016.

Banca Examinadora

________________________________________________________ Prof.ª Dra. Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes

Universidade Federal Fluminense

________________________________________________________ Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

________________________________________________________ Prof. Dr. José Augusto Pina

Fundação Oswaldo Cruz

Rio de Janeiro 2016

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quem esse trabalho descreve um pouco da labuta e luta cotidianas na conquista de um lugar produtor de saúde.

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A minha companheira Nadia que esteve comigo durante todo esse tempo de “ausência” no cotidiano da casa, do assentamento e da vida.

A toda a Coordenação Político Pedagógica do Curso que, com muita coragem e determinação, não mediram esforços para conduzir a turma até a reta final.

A todos os companheiros e companheiras da Turma “Primavera da Luta” com quem a convivência durante as etapas trouxe momentos de reflexão, alegria e trocas de conhecimentos.

A companheira Érica pela paciência com que nos tratou durante esse longo período.

Ao Núcleo “Cícero e Regina” pela amizade, companheirismo, solidariedade e ternura resgatados durante nossos debates acalorados e no simples executar das tarefas.

A minha orientadora Virgínia Fontes pelo rigor teórico e paciência despendidos durante a orientação desse trabalho.

Aos companheiros do MST de Minas que tiveram que carregar cargas dobradas para propiciar que eu conseguisse finalizar o curso.

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“A realidade da produção de alimentos no mundo desmente as ideologias das classes dominantes e seus economistas a respeito do assunto. São várias as mentiras da propaganda da moderna propriedade fundiária capitalista. A principal é que o regime capitalista produz alimentos suficientes para a reprodução da espécie humana. Entretanto, o que se presencia no dia-a-dia da população trabalhadora mundial e nos próprios números oficiais da produção agrícola é exatamente o contrário. Apesar das condições naturais favoráveis, técnicas e cientificas mais que suficientes para alimentar convenientemente a totalidade população mundial, a produção agrícola orientada para a produção de mercadorias e de lucro (além da inabalável moderna renda fundiária) é a causa primária do aumento da fome e das doenças no mundo” MARTINS, 2016, p. 01.

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Esse trabalho tem como objetivo central pesquisar as contradições que envolvem a reprodução dos trabalhadores rurais assentados e acampados da Região Norte do Estado de Minas Gerais, dentro do projeto de reprodução ampliada do capital no campo: o modelo do agronegócio. Derivado dessa questão maior, pretende-se estudar as formas, causas e consequências da subordinação desses trabalhadores rurais e camponeses ao modelo do agronegócio, bem como as formas de resistência e enfrentamento desenvolvidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em duas áreas de assentamentos e uma área de acampamento: Assentamento Estrela do Norte, localizado no município de Montes Claros; Assentamento Darcy Ribeiro, localizado no município de Capitão Enéas; e Acampamento Eloy Ferreira, localizado no Município de Engenheiro Navarro. Para cumprir com os objetivos propostos, tanto metodológica quanto teoricamente, primeiramente realiza-se um processo de crítica ao agronegócio. Nesrealiza-se processo de crítica, ou realiza-seja, de desnudamento, de desvelamento, parte-se da origem e aparência do agronegócio para se aproximar de sua essência. Num segundo momento, para entender as tensões que envolvem as áreas de assentamentos e acampamento pesquisadas e o seu externo, buscou-se compreender a forma de reprodução do agronegócio na Região Norte de Minas Gerais, bem como o seu processo de constituição. Por fim, já dentro das áreas de assentamentos e acampamento, pesquisou-se a forma de inserção do agronegócio nessas comunidades; os impactos causados à saúde dos trabalhadores rurais e ao meio ambiente; e as formas de enfrentamento e resistência desenvolvidos pelo MST, através da cooperativa regional e do seu Setor de Produção. Enquanto procedimentos metodológicos, além de pesquisa bibliográfica e documental, lançou-se mão de entrevistas semiestruturadas realizadas com as famílias acampadas e assentadas, com os técnicos do movimento e com os profissionais de saúde que atendem essas áreas. Com as entrevistas, buscou-se informações sobre a reprodução social dos trabalhadores rurais acampados e assentados: como vivem, moram, se alimentam, trabalham, convivem, enfim, produzem sua existência; sobre as formas de inserção do agronegócio nessas comunidades, bem como os impactos causados pela mesma; sobre a construção de experiências contra hegemônicas; além de informações gerais sobre as condições de saúde da população acampada/assentada (acesso aos serviços de saúde, doenças mais frequentes, uso de medicamentos, etc).

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The main objective of this work is to search the contradictions which involve the reproduction of the rural workers settled and camped of the North Region of the Minas Gerais State, within the project of enlarged reproduction of the Capital in the field: the agribusiness model. As derived from this major issue, it is intended to study the forms, causes and consequences of the subordination of those rural workers and peasants to the agribusiness model, as well as the forms of resistance and coping developed by Landless Rural Workers' Movement in two settlement areas and in one camp area: Estrela do Norte settlement, located in the municipality of Montes Claros; Darcy Ribeiro settlement, located in the municipality of Capitão Enéas; and Eloy Ferreira encampment, located in the municipality of Engenheiro Navarro. To accomplish these goals, both within the methodological approach as theoretically, it is carried out, initially, a process of criticism to the agribusiness. In that process of criticism, in other words, process of unveiling, it is started from the origin and appearance of the agribusiness to come closer to its essence. In a second step, in order to understand the tensions which involve the settlement and encampment areas researched and its external context, it was sought to comprehend the form of reproduction of the agribusiness in the North Region of the Minas Gerais, as well as its process of constitution. Finally, inside the settlement and encampment areas, it was researched the way as the agribusiness was inserted in those communities; the impacts caused to the health of the rural workers and the environment; and the forms of coping and resistance developed by Landless Rural Workers' Movement through the regional cooperative and its Production Sector. While methodological procedures, beyond bibliographic and documentary research, it was used of semi-structured interviews performed with the camped and settled families, the technicians of the mentioned movement and the health professionals who care for those areas. From the interviews, there was an information search on the social reproduction of the rural workers camped and settled: how they live, reside, feed, work, live together, that is to say, how they produce their existence; the ways of insertion of the agribusiness in those communities, as also the impacts caused by it; the construction of counter-hegemonic experiences; in addition to general information about health conditions of the population camped/settled (health service access, the most common diseases, use of medicines, etc.).

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Figura 1 - Foto do Acampamento sem Terra a beira da Estrada da Produção, em

frente a Fazenda Sanharó no ano de 2003 …... 59

Figura 2 - Foto dos Barracos do acampamento em frente a Fazenda Sanharó incendiados no ano de 2003 …... 59

Figura 3 - Foto dos galpões transformados em moradias pelas famílias do Acampamento Estrela do Norte... 60

Figura 4 - Foto do palhou transformado em moradia e barracos do Acampamento Estrela do Norte …... 60

Figura 5 - Anteprojeto de Parcelamento do Assentamento Estrela do Norte …... 62

Figura 6 - Anteprojeto de Parcelamento do Assentamento Darcy Ribeiro …... 65

Figura 7 - Anteprojeto de parcelamento do Acampamento Eloy Ferreira …... 67

Figura 8 - Foto de uma moradia do Assentamento Estrela do Norte beneficiada com uma cisterna para captação de água de chuva …... 73

Figura 9 - Foto da Escola Infantil do Assentamento Estrela do Norte …... 75

Figura 10 - Foto de casa improvisada construída por uma família do Assentamento Estrela do Norte …... 77

Figura 11 - Foto de uma das casas do Assentamento Darcy Ribeiro, construída com recursos do crédito AMC, ao lado de casa já existente …... 78

Figura 12 - Foto das Maquinas e caminhão pipa da RURALMINAS parados no Assentamento Estrela do Norte …... 80

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Quadro 1 - Utilização das Terras na Mesorregião do Norte de Minas Gerais (2006). 41 Quadro 2 - Número de estabelecimentos e Área dos estabelecimentos

agropecuários na Mesorregião do Norte de Minas Gerais (ano de 2006). 42 Quadro 3 - Evolução do Produto Interno Bruto (PIB) da Mesorregião Norte de

Minas Gerais nos anos de 1999, 2004, 2008, 2010 e 2013 e a participação do Setor Agropecuário na composição do mesmo …... 43 Quadro 4 - Valor da produção por grupos de atividade econômica na Mesorregião

Geográfica do Norte de Minas Gerais (ano de 2006) …... 43 Quadro 5 - Área destinada a Lavoura Temporária na Mesorregião Norte de Minas

Gerais nos anos de 1990, 1995, 2000, 2005, 2010 e 2014 …... 46 Quadro 6 - Área destinada a colheira da Lavoura Permanente na Mesorregião

Norte de Minas Gerais nos anos de 1990, 1995, 2000, 2005, 2010 e 2014 …... 48 Quadro 7 - Área ocupada com cultura permanente na Mesorregião Norte de Minas

Gerais e quantidade produzida no ano de 2014 …... 49 Quadro 8 - Efetivos dos Rebanhos na Mesorregião Norte de Minas Gerais nos anosde 1990, 1995, 2000, 2005, 2010, 2014 …... 49 Quadro 9 - Produção da Silvicultura na Mesorregião Norte de Minas Gerais, nos

anos de 1990, 1995, 2000, 2005, 2010, 2014 …... 50 Quadro 10 - Matriz de organização sócio-produtiva das famílias assentadas e

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ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva ACAR Associação de Crédito e Assistência Rural ADUNIMONTES Associação dos Docentes da Unimontes AEC Área de Exploração Coletiva

AESCA Associação Estadual de Cooperação Agrícola de Minas Gerais AMC Credito Aquisição de Materiais de Construção

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária APP Área de Preservação Permanente

ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

ATES Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária

CAI Complexos Agroindustriais

CCU Contrato de Concessão de Uso

CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais

CEPEA Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

CMDRS Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável

CODEVASF Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

COOMAP Cooperativa Multidisciplinar de Assistência Técnica e Prestação de Serviços

CPT Comissão Pastoral da Terra

DNOCS Departamento Nacional de Obras de Combate a Seca ECGR Estudo de Capacidade de Geração de Renda

EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMATER-MG Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais

ENFF Escola Nacional Florestan Fernandes

FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura FINOR Fundo de Investimento do Nordeste

IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICA/UFMG Instituto de Ciências Agrárias da UFMG

IDENE Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais IFNMG Instituto Federal do Norte de Minas

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário MI Ministério da Integração Nacional

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PA Projeto de Assentamento

PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento

PEA Crédito Apoio Inicial

PIB Produto Interno Bruto

PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária

PRODERA Programa de Desenvolvimento Rural e Apoio à Reforma Agrária PRONAF Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar

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PRV Pastoreiro Racional Voisin PSF Programa de Saúde da Família

RB Relação dos Beneficiários

RL Reserva Legal

RURALMINAS Fundação Rural Mineira

SAT Sem uso de Agrotóxico

SEAPA Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais

SNCR Sistema Nacional de Crédito Rural

SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus

SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

UFES Universidade Federal do Espírito Santo UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

USDA Departamento de Agricultura dos Estados Unidos

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INTRODUÇÃO …... 14

1. O AGRONEGÓCIO SOB A PERSPECTIVA DA CRÍTICA: ORIGEM, APARÊNCIA E ESSÊNCIA …... 21

1.1. SOBRE SUA ORIGEM: UM MADE IN USA-TUPINIQUIN …... 21

1.2. MAIS QUE UM SIMPLES NEGÓCIO NO AGRO …... 37

1.3. O AGRONEGÓCIO NO BRASIL: A DIALÉTICA DO MODERNO E DO ARCAICO …... 32

2. O AGRONEGÓCIO E A REGIÃO NORTE DE MINAS: UMA HISTÓRIA DE EXPROPRIAÇÃO E SUBMISSÃO CAMPONESA …... 35

2.1. DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA, AGRONEGÓCIO E QUESTÃO AGRÁRIA NA REGIÃO NORTE DE MINAS: ARTICULAÇÃO ENTRE MOVIMENTO GLOBAL E LOCAL …... 35

2.2. A ATUALIDADE DO AGRONEGÓCIO NA REGIÃO NORTE DE MINAS …... 40

2.3. ASPECTOS CLIMÁTICOS, AS MUDANÇAS NOS ECOSSISTEMAS E AGROECOSSISTEMAS E OS IMPACTOS À POPULAÇÃO CAMPONESA …... 44

3. ASSENTAMENTOS RURAIS COMO PRODUTORES DE SAÚDE: AS CONTRADIÇÕES, SUBORDINAÇÕES E A RESISTÊNCIA CONTRA O AGRONEGÓCIO …... 53

3.1. HISTÓRICO E CONTEXTO DAS ÁREAS DE ACAMPAMENTO E ASSENTAMENTOS …... 58

3.1.1. O Assentamento Estrela do Norte …... 58

3.1.2. O Assentamento Darcy Ribeiro …... 63

3.1.3. O Acampamento Eloy Ferreira …... 66

3.2. A LUTA POR CONDIÇÕES MÍNIMAS DE MORAR: A QUESTÃO DA INFRAESTRUTURA …... 68

3.2.1. A luta pelo ao acesso a água …... 79

3.2.2. Não há “Luz para Todos”: a luta para ter energia elétrica …... 74

3.2.3. Um Brasil pouco Alfabetizado: a luta pelo acesso a educação …... 75

3.2.4. A construção das casas …... 76

3.2.5. A construção das estradas …... 78

3.3. A LUTA POR UMA ASSISTÊNCIA TÉCNICA PARA ALÉM DE UMA CORREIA DE TRANSMISSÃO DO AGRONEGÓCIO …... 80

3.3.1. Histórico do serviço de Assistência Técnica (ATES e ATER) nos assentamentos …... 80

3.3.2. A Assistência Técnica enquanto instrumento de resistência ao Agronegócio …... 82

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CONSTRUÇÃO DE UMA AUTONOMIA RELATIVA DAS FAMÍLIAS FRENTE AO AGRONEGÓCIO …... 84 3.4.1. Sobre o uso de agrotóxicos e os casos de intoxicação nos

assentamentos e acampamento …... 85 3.4.2. O uso de outros insumos e os gastos com a produção …... 93 3.4.3. A jornada e a penosidade do trabalho e as consequências à Saúde

dos trabalhadores …... 97 3.4.4. As mudanças ocorridas na produção e a luta contra as adversidades

provocadas pelo Agronegócio …... 100 3.4.5 A chegada do PRONAF A: O que pode e o que não pode? …... 105 3.4.6 Sobre as práticas agroecológicas ou orgânicas desenvolvidas nos

assentamentos e acampamentos …... 106 3.4.7 A evolução do nível tecnológico a partir da produção agroecológica

de sementes: diferenças entre cooperados e não cooperados e entre os próprios cooperados …... 108 3.5. CONDIÇÕES GERAIS DE SAÚDE E ACESSO AOS SERVIÇOS DE

SAÚDE: O ANTES E O DEPOIS DA VIDA NO ACAMPAMENTO E ASSENTAMENTOS …... 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS …... 122 REFERÊNCIAS …... 128 APÊNDICES

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Introdução

Este trabalho de pesquisa é, principalmente, fruto de uma militância política de quatorze anos junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nessa trajetória política, destacam-se três situações concretas, que contribuíram significativamente para a consecução dessa dissertação: o trabalho desenvolvido junto aos assentamentos e acampamentos de Minas Gerais, em especial os assentamentos e acampamentos da Região Norte de Minas, que propiciou o contato direto com as comunidades camponesas pesquisadas; a construção do trabalho final para a conclusão do Curso de Especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário, intitulado de “O Desenvolvimento do Capitalismo na Região

Norte de Minas Gerais”, que permitiu um maior entendimento sobre a Questão Agrária e

sobre a formação sócio-histórica da Região Norte de Minas; o desenvolvimento e coordenação de projetos de extensão junto às áreas de assentamentos e acampamentos da Região Norte de Minas Gerais, através do Programa de Desenvolvimento Rural e Apoio à Reforma Agrária (PRODERA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que gerou maior solidez em termos teóricos e de metodologia de pesquisa.

Com base neste acúmulo anterior, e nas questões teóricas que se abrem, surge a necessidade de realizar um estudo mais sistemático sobre as contradições que envolvem a reprodução dos trabalhadores rurais assentados e acampados da Região Norte de Minas, dentro do projeto de reprodução ampliada do capital no campo: o modelo do agronegócio; e, mais especificamente, como consequência do problema anterior (problema geral), estudar as formas, causas e as consequências da subordinação desses trabalhadores rurais e camponeses a esse modelo produtivo-destrutivo: consequências tanto à saúde do trabalhador, quanto ao ambiente em que está inserido, que também é um importante determinante social da saúde.

Entende-se que a saúde da população assentada e acampada é resultado, além do acesso aos serviços, incluindo os de saúde, das condições em que essas pessoas trabalham, habitam, se alimentam, se vestem, etc., e, que essas condições são determinadas, primeiramente, pelo modo de produção em que estão inseridas; e, num segundo momento, pelo local que ocupam dentro desse modo de produção. Nessa perspectiva, estando de acordo com Schutz et al (2014), o modo de produção, no nosso caso, o capitalista, é sobredeterminante dos determinantes sociais da saúde.

Sendo assim, para cumprir com os objetivos propostos por esta pesquisa, tanto metodológica quanto teoricamente, num primeiro momento, no Capítulo I (O Agronegócio

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sob a perspectiva da crítica: origem, aparência e essência) elaboramos uma crítica ao modelo

do agronegócio: partimos de sua representação fenomênica (aparência) e tentamos apontar elementos de sua essência. A partir dessa perspectiva crítica, o agronegócio é aqui tratado como a forma adquirida pelo capital no campo, sendo sua função essencial, a de criar processos de valorização (produção de valor e mais-valor).

Considerando-se essa perspectiva teórica, o processo de trabalho, sendo o meio pelo qual se dá o processo de valorização, terá sua conformação concreta determinada pelas necessidades do capital (LESSA; TONET, 2008; LAURELL; NORIEGA, 1987): no caso, o agronegócio.

Para cumprir com essa primeira tarefa teórico-metodológica, buscou-se, através de pesquisa bibliográfica e documental, investigar a origem e desenvolvimento do agronegócio e sua forma de reprodução no Brasil; bem como as contradições e os impactos ao ambiente e saúde que envolvem a sua reprodução.

Apesar da importância do tema e da necessidade de estudos aprofundados sobre a essência do agronegócio - principalmente no que tange a teoria do valor e da renda da terra, e a transferência de renda do campesinato para as empresas do setor agroindustrial e para a classe latifundiária -, faz-se, aqui, apenas um breve estudo introdutório, inclusive se utilizando de algumas referências bibliográficas não publicadas em periódicos acadêmicos. Essas elaborações, mesmo não vinculadas aos meios acadêmicos, têm sido utilizadas em reuniões da direção e coletivos do MST como subsídios para debates e reflexões sobre o agronegócio.

No segundo momento, no Capítulo II (O Agronegócio e a Região Norte de Minas:

uma história de expropriação e submissão camponesa), buscou-se uma aproximação desse

movimento do capital, para os arredores dos assentamentos e acampamento pesquisados, ou seja, para a Região Norte de Minas Gerais. Nesse Capítulo se faz um resgate da formação social e econômica da Região Norte de Minas, chegando-se a atualidade. Nessa descrição da atualidade são apresentadas informações sobre a estrutura fundiária, sobre as transformações edafoclimáticas e nos ecossistemas e agroecossistemas, sobre a população rural e sobre a produção agropecuária.

Para a construção desse capítulo, partiu-se da monografia intitulada “O

Desenvolvimento do Capitalismo na Região Norte de Minas Gerais”, elaborada para a

conclusão do Curso de Especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário, realizado em pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

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(INCRA), através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). A partir dessa elaboração monográfica, e de outros trabalhos elaborados posteriormente, faz-se a atualização de muitos dos dados e informações coletados na época. Nesse caso, utiliza-se de dados fornecidos tanto por órgãos oficiais de pesquisa, principalmente o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quanto trabalhos acadêmicos (monografias, teses, dissertações e livros) que tratam da realidade Agrária da Região Norte de Minas.

Com a construção desses capítulos iniciais, buscou-se mostrar, tanto no nível nacional, quanto local, que o capital, sobre a forma de agronegócio, exerce uma hegemonia1 econômica,

política e ideológica na sociedade brasileira.

Dessa forma, os trabalhadores rurais e camponeses2, ao estarem inseridos nesse projeto

global de produção de valor e mais-valor, e submetidos às leis da concorrência, concentração e centralização de capitais, são levados a reproduzirem a sua lógica produtiva-destrutiva: se endividam, perdem suas terras, se contaminam, degradam e contaminam o meio ambiente, intensificam o uso de sua força de trabalho.

A respeito dessa subordinação-submissão, a primeira hipótese a ser aqui verificada, é de que a sobrevivência dentro do modo de produção capitalista tem colocado um dilema aos assentados e camponeses em geral: adotar o modelo do agronegócio para tentar reproduzir, mesmo que de forma precária, sua força de trabalho3 e seus meios de produção; ou correr o

risco de não conseguir produzir o necessário nem para a sua auto-reprodução familiar?

Junto a esse “dilema camponês”, numa relação dialética, acrescenta-se o que Carvalho (2015, p. 03) denominou “o paradoxo camponês”, que destaca a seguinte indagação: “ao obter sucesso, nas condições objetivas e subjetivas da expansão capitalista no campo, o camponês tenderia para a sua própria negação”?

O “camponês” retratado por Carvalho (2015), e onde se enquadra a maioria dos

1 Essa expressão do capital, exerce sua hegemonia, em termos de projeto para o campo, na medida em que os

interesses particulares da classe proprietária (criação de processos de valorização), aparecem enquanto interesse geral de toda a sociedade (produção de alimentos para acabar com a fome no Brasil e no mundo; equilíbrio da balança comercial e geração de superavit primário). Dessa forma, justifica-se a atuação do Estado a seu favor, uma vez que são ocultados os reais impactos ao ambiente e as pessoas provocados por esse modelo predatório de exploração da natureza.

2 Sabe-se que a discussão em torno do campesinato e as contradições que envolvem a sua reprodução dentro do

modo de produção capitalista possui vasta bibliografia com posições teóricas diversas, em que tais sujeitos sociais são enquadrados em diversas categorias: “pequeno produtor”, “agricultor familiar”, “camponês”, “trabalhador rural”. Não sendo objetivo dessa pesquisa o aprofundamento em torno dessa temática, sempre que nos reportarmos à população assentada e acampada, bem como à classe camponesa em geral, estaremos nos referindo a sujeitos sociais que desenvolvem a produção para garantir a sua auto-reprodução familiar, utilizando-se, predominantemente, a força de trabalho familiar. Nesse sentido, em grande parte do texto faremos o uso da categoria “trabalhador rural”, as vezes aditivado de “camponês” ou “assentado”.

3 Essa força de trabalho camponesa, na maioria das vezes refere-se a força de trabalho familiar, ou seja, homem,

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assentados e acampados, consiste em produtores simples de mercadoria, para os quais, além da produção para seu autossustento, a relação com o mercado e a venda de suas mercadorias se dão mediante a necessidade de acesso ao bens de consumo e meios de produção de que necessita. Esse produtor simples de mercadorias não tem o lucro como seu objetivo último. Negar-se enquanto camponês, seria a sua transmutação em um pequeno capitalista agrário, nos termos trabalhados por Germer (1990, p. 323-324), em que a produção não visaria somente a manutenção das necessidades da família, mas sim a obtenção de lucro.

A hipótese do “dilema camponês” nos remete a uma segunda hipótese: a de que os assentados e acampados, no intuito de tentar sobreviver dentro do modo de produção capitalista, acabam por adotar, ao menos em parte, o modelo tecnológico e a lógica produtiva-destrutiva do agronegócio, sendo que, mesmo com a adoção das inovações técnico-científicas, o ganho com o trabalho tende a não garantir, de modo satisfatório, a sua auto-reprodução familiar e a reprodução dos seus meios de trabalho.

A lógica do capital é perversa. É a quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir uma dada mercadoria, que irá determinar o seu valor, que guardará certa correspondência com o seu preço (MARX, 2008). Sendo assim, quem dita o valor e preço a ser pago por uma dada mercadoria, é quem a produz com maior eficiência, com menor valor; no caso das mercadorias agrícolas, as grandes fazendas do agronegócio, que possuem maiores e mais sofisticadas máquinas, maior extensão e melhores terras4, e se utilizam de todo um

aparato de inovações técnico-científicas. Essas inovações, sob a forma de capital constante, irão conferir maior produtividade ao trabalho à elas subsumidas. Os menos eficientes, sejam eles camponeses, ou pequenos capitalistas agrários, acabam por sucumbir: se endividam e perdem seus meios de produção.

Confrontados à lógica capitalista, e com a urgência que exige a sua auto-reprodução familiar, mediados pelas políticas públicas (crédito, fomento, assistência técnica) e pela ideologia dominante, os assentados e acampados tendem a ser levados a adotar o modelo do agronegócio.

Através da introdução das inovações técnico-científicas do agronegócio eles imaginam aumentar a produtividade do seu trabalho; produzir mais em uma mesma área e com menos tempo de trabalho e menor esforço; acessar aos mercados, vender suas mercadorias e comprar bens de consumo e bens de capital de que necessitam.

Ao estarem integrados e subjugados à lógica da produção global, os assentados

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passam a pensar, organizar e modificar o território sob essa óptica - tanto no nível de sua unidade familiar (individualmente), quanto o assentamento como um todo (na coletividade). Modificando o seu meio, modificam-se a si mesmos; passam a reproduzir não só materialmente, mas ideologicamente o modo de produção dominante. Nesse sentido, tanto no nível material, quanto da consciência, as “poli-culturas” vão sendo substituídas por

“nono-culturas”: o agricultores (produtores de culturas) vão se especializando, vão se transfigurando

em pecuaristas, produtores de leite, horticultores, fruticultores, “cerqueiros”, aplicadores/pulverizadores, tratoristas, vaqueiros, etc. O fazer vai se distanciando do pensar; os conhecimentos, que antes eram intrínsecos a sua lógica produtiva tradicional, passam a vir de fora, necessitando apenas da força de trabalho para aplicá-los (Porto-Gonçalves, 2013).

Nesse sentido, acreditam no que a propaganda insistentemente repete (através de publicidade, do Estado, da pressão direta das empresas) e atuam tanto no intuito de reduzir a penosidade do trabalho, como de aumentar a produção e a produtividade: ao invés de passarem dias capinando a roça com a enxada, tendem a utilizar os herbicidas para combater as chamadas “plantas daninhas”, reduzindo esse tempo para algumas horas; introduzir sementes modificadas em laboratório (híbridas e transgênicas) e adubos químicos com a finalidade de aumentar a produtividade de suas lavouras; se aparecer alguma praga ou doença, aplicam algum “remédio”5 para controlá-las; ao invés de plantar várias culturas e criar

diferentes animais, como uma empresa capitalista, tendem a se especializar em alguma atividade que tenham mais destreza, e que ofereça mais rentabilidade e menos riscos.

Acontece que, no processo de produção, o aumento da remuneração vem do acréscimo de trabalho novo. No caso das empresas do agronegócio, ou dos grandes proprietários, trata-se do capital variável, ou da atividade direta da força de trabalho. O lucro resulta da exploração de trabalho assalariado, ou seja, do valor gerado no processo de produção que não é pago ao trabalhador: vem da maisvalia. Os camponeses, por possuírem uma menor área de plantio -as vezes de pior qualidade -, menores máquin-as, menos recursos para acessar -as “modernidades” do agronegócio, produzem com menor eficiência (em termos capitalistas) e acabam transferindo renda para quem produz com maior eficiência, no caso, as grandes fazendas do agronegócio.

Nesse sentido, para concorrer no mercado capitalista, além da utilização do pacote

5 Termo muito utilizado entre os camponeses para se referir aos agrotóxicos. Dizem que vão aplicar um remédio

para a lagarta. O mesmo se aplica às sementes que são modificadas geneticamente em laboratório, que usualmente são chamadas de “melhoradas”. Nesses casos é importante ressaltar que as palavras refletem concepções de mundo. No dizer de Gramsci, “todos somos filósofos, todos possuímos uma concepção de mundo”.

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tecnológico do agronegócio e da especialização produtiva e eficiência exigidos, esses camponeses têm que intensificar a exploração, tanto dos recursos naturais existentes no seu território, quanto de sua própria força de trabalho: tentam compensar a menor produtividade, menor competitividade, e a falta de condições de comprar força de trabalho, com a intensificação do seu próprio trabalho (jornadas de 12 a 16 horas de trabalho diária, sem descansos semanais e com o uso da força de trabalho de todos os membros da família); com a expansão das áreas de produção (avanço para as áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal) e uso intensivo dos recursos naturais (superpastejo e degradação das pastagens, esgotamento da fertilidade do solo por falta de reposição dos nutrientes, compactação do solo).

Outra questão importante, a se ressaltar, é que, na maioria das vezes os camponeses, por não possuírem recursos suficientes, acabam por adotar apenas parte do pacote tecnológico dominante e recomendado pela assistência técnica6: usam apenas o herbicida ou semente;

aplicam metade da recomendação exigida (seja do adubo ou do agrotóxico). Essa utilização de apenas parte da receita pode trazer mais prejuízos do que a não utilização, uma vez que a intervenção irá causar desequilíbrio no agroecossistema e o agricultor não está controlando todas as variáveis exigidas pelo pacote: uma semente híbrida, por exemplo, é desenvolvida para responder bem a um certo nível de adubação; esse adubo (hidrossolúvel) exige certa quantidade e regularidade de chuvas para estar disponível à planta; as sementes modificadas em laboratório (híbridas) possuem uma menor variabilidade genética, sendo mais vulneráveis à pragas e doenças.

Soma-se a isso a maior vulnerabilidade dos camponeses às adversidades climáticas e biológicas causadas pelas bruscas transformações ao meio ambiente, pela superexploração dos recursos naturais e pela intensificação do uso do pacote tecnológico do agronegócio. Essa vulnerabilidade é potencializada na medida que os camponeses assentados assumem as terras com todo um histórico de degradação e desequilíbrio ambiental: solos degradados, erodidos e compactados pelo uso intensivo e não utilização de nenhuma prática conservacionista; e todo um ambiente contaminado e desequilibrado pelo uso intensivo de produtos agroquímicos.

Nesse caso a perda de uma lavoura, seja por escassez ou por excesso de chuvas, pode resultar em perda de seus meios de produção, e toda uma série de consequências, que são determinantes da saúde desses trabalhadores.

6 Normalmente um vendedor da loja agropecuária ou funcionário de empresa prestadora de serviços de

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Todo esse contexto tem exposto os camponeses assentados e acampados – bem como, trabalhadores rurais como um todo -, a cargas químicas, físicas, mecânicas, biológicas, fisiológicas e psíquicas, que resultam em perda de sua capacidade de trabalho, tanto efetiva, como potencial (LAURELL; NORIEGA, 1987).

Sendo assim, surge a necessidade de se responder algumas questões: 1) até que ponto os assentados e acampados da Região Norte de Minas vêm aderindo ao modelo do agronegócio, principalmente em relação a utilização do pacote tecnológico proposto pelo mesmo? 2) Quais os danos causados a saúde do trabalhador e ao meio ambiente por essa adesão? 3) Quais experiências e ações contra-hegemômicas vêm sendo desenvolvidas pelo MST nas áreas de acampamentos e assentamentos da Região Norte de Minas, e que têm se constituído como alternativa ao modelo do agronegócio.

Para buscar respostas a essas indagações, realizou-se um estudo de caso em duas áreas de assentamentos e uma área de acampamento localizadas na Região Norte de Minas Gerais, sendo elas: Assentamento Estrela do Norte (Município de Montes Claros), que possui 31 famílias; Assentamento Darcy Ribeiro (Município de Capitão Enéas), que possui 25 famílias; e Acampamento Eloy Ferreira (Município de Engenheiro Navarro), que possui 37 famílias.

Este estudo foi sistematizado no Capitulo III (Assentamentos Rurais como produtores

de saúde: as contradições, subordinações e a resistência contra o agronegócio), onde são

apresentadas informações sobre a reprodução social dos trabalhadores rurais acampados e assentados: como vivem, moram, se alimentam, trabalham, convivem, enfim, produzem sua existência; sobre as formas de inserção do agronegócio nessas comunidades, bem como os impactos causados pela mesma; sobre a construção de experiências contra hegemônicas; além de informações gerais sobre as condições de saúde da população acampada/assentada (doenças mais frequentes, uso de medicamentos, etc) e sobre o acesso aos serviços de saúde.

Para a construção desse capítulo, além de pesquisa bibliográfica e documental, utilizou-se de entrevistas semiestruturadas com as famílias acampadas e assentadas, e com os técnicos de ATER e profissionais de saúde que, de alguma forma, atuam nessas áreas e/ou com essa população.

Ao final, nas Considerações Finais, tenta-se apresentar uma síntese das contradições encontradas na reprodução dos trabalhadores rurais assentados e acampados, bem como reflexões sobre a luta travada pelo MST contra o agronegócio. Não temos a pretensão de esgotar o assunto, pelo contrário, e se este trabalho contribuir para abrir novas perguntas para possíveis investigações futuras, já terá cumprido seu papel.

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1. O Agronegócio sob a perspectiva da crítica: origem, aparência e essência

1.1. Sobre sua origem: um made in USA-Tupiniquin

Segundo Roberts (2009, p. 15-19), o agronegócio surgiu nos Estados Unidos, a princípio como resposta à demanda crescente por alimentos da população e à teoria malthusiana de que a população sempre cresceria mais que a produção de alimentos. Segundo o autor, para combater essa catástrofe anunciada por Thomas Malthus - ideologia que persiste até os dias atuais nos discursos dos representantes do agronegócio -, todo o sistema alimentar foi modificado:

se o homem quisesse realmente superar Malthus, teríamos que ultrapassar esses limites [limites físicos] com novas formas de agricultura, cuja produção não se restringisse aos hectares, mas pudesse crescer tão rápido quanto a população. A agricultura teria que ficar mais concentrada ou intensificada – um salto que exigira mais do que novos arados ou comércio (ROBERTS, 2009, p. 19).

Relatando as transformações ocorridas na agricultura da época, e que suscitaram os economistas John Davis e Ray Goldberg a sugerirem o termo “agronegócio”, em substituição ao termo “agricultura”, Roberts (2009) descreve, que

[…] a fazenda tradicional havia, em grande parte, desaparecido; suas operações tinham sido separadas e remontadas em outra parte, em um sistema novo e muito maior – uma cadeia de abastecimento que começava com os financiadores e as empresas de insumos e terminava com os comerciantes de grãos e processadores de alimentos. O fazendeiro moderno parecia cada vez mais com uma caixa preta para qual iam os insumos e da qual emergiam os produtos e assemelhava-se tanto a seus antecedentes antiquados quanto os automóveis assemelham-se às carroças puxada por cavalos. Foi uma transformação que levou os economicistas John Davis e Ray Goldberg, da Harvard Business Scholl, a sugerirem em 1957 que o termo “agricultura” fosse substituído por um novo, mais adequado: “agronegócio” (ROBERTS, 2009, p. 23).

Corroborando com a proposição de Paul Roberts, Mendonça (2013, p. 50) destaca que a principal mudança observada nas “fazendas modernas” e descrita por Davis e Goldberg em sua obra A Concept of Agribusiness, de 1957, foi que elas “deixaram de ser autossustentáveis e passaram a ter função comercial, com sua produção baseada em monocultivos”. Sendo assim, segundo Leite e Medeiros (2012, p. 81), houve a necessidade de se criar uma palavra que descrevesse essas relações econômicas entre o setor agropecuário e os setores industrial, comercial e de serviços; “além de criar uma proposta de análise sistêmica, superando os limites de uma análise setorial, até então predominantes”.

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A publicação de Davis e Goldberg, de acordo com Mendonça (2015), também traz como premissa, a ideia de que, devido às grandes transformações ocorridas no campo,

a partir de uma “revolução tecnológica”, tendo como base o “progresso” científico utilizado na agricultura, tem-se a necessidade de formular políticas públicas de apoio à grande exploração agrícola diante do aumento dos custos de produção, transporte, processamento e distribuição de alimentos e fibras (MENDONÇA, 2015, p. 376).

Partindo-se então dessa visão sistêmica, e associada a noção de cadeias produtivas ou cadeias de valor, para os precursores do termo agronegócio, este seria composto por “proprietários de terra, indústrias, associações de empresários, instituições de pesquisa, universidades, grupos de lobby, além do governo, que assumiria função de apoiar estudos e políticas de regulamentação e comércio”. Com essa abrangência, proferida por seus ideólogos, esse setor, em 1954, representaria cerca de 35 e 50% da economia dos Estados Unidos - percentual corresponde a soma dos gastos da população com alimentos, bebidas, tabaco, sapatos, roupas e acessórios no referido ano (MENDONÇA, 2015, p. 377)

Mesmo sendo o termo Agribusiness cunhado na década de 1950, Mendonça (2015, p. 379) destaca que é possível identificar a origem desse sistema de produção ainda nos anos 1930, após a grande depressão, quando o governo dos Estados Unidos adotou medidas para restringir a importação de alimentos e proteger a agricultura local, gerando excedentes, e medidas de conservação dos solos e recursos naturais.

Posteriormente, com a geração de excedentes e com o aumento da demanda externa, e dos preços de alimentos e fibras, o governo estadunidense, principalmente no pós Segunda Guerra Mundial (período de reconstrução da Europa e Japão), através de políticas de

dumping7,, e com o discurso de “ajuda alimentar”, passou a financiar a exportação desse

excedente e a inundar o mercado de grãos, mantendo, assim, um predomínio sobre as exportações mundiais de alimentos8 (MENDONÇA, 2015, p. 379)

Esse processo de expansão e dominação do comércio agrícola mundial é acompanhado pela aceleração e intensificação da industrialização da agricultura. Ocorre uma mudança nos padrões de produção - substituição crescente dos insumos produzidos nas próprias unidades agrícolas por insumos industrializados9 - e, consequentemente, aumento da demanda por 7 Venda de mercadorias abaixo do preço de mercado.

8 Segundo Cochrane (1993, p. 128-132) citado por Mendonça (2015, p. 380), “entre 1950 e 1981, o comércio

internacional agrícola teve uma expansão de 14%. Entretanto, as exportações agrícolas dos Estados Unidos tiveram um aumento de 22%, passando de US$ 6,7 bilhões em 1970 para US$ 44 bilhões em 1981. O volume exportado pelo país passou de 60 milhões de toneladas para 160 milhões de toneladas nesse período. O país tornou-se o maior exportador de grãos no mercado mundial, principalmente de trigo, milho e soja”.

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crédito para cobrir os altos custos com a produção10. Esse processo, assim como como ocorreu

no Brasil, foi estimulado pela criação de um sistema de crédito para financiar a produção e a exportação11 (MENDONÇA, 2015, p. 381).

Como resultado, em termos de volume de produção e importância para a economia estadunidense, Mendonça (2013, p. 91) destaca que, na década de 1990 mais de um terço da produção de grãos dos Estados Unidos era destinado à exportação, sendo que em 1992, o volume de grãos exportados gerou uma receita de US$ 42 bilhões. Além do mercado de grãos, a autora destaca a importância da padronização de alimentos industrializados para a expansão do modelo do agronegócio em nível internacional: a comercialização dos produtos industrializados no mercado externo, passou de US$ 28 bilhões, nos anos 1960, para US$ 240 bilhões, na década de 1990.

No Brasil, o termo agronegócio, de uso relativamente recente, também é utilizado para destacar o caráter sistêmico da produção agropecuária, guardando correspondência com o termo agribusiness, cunhado pelos professores estadunidenses (LEITE; MEDEIROS, 2012, p. 81-87). Também é coincidência o peso e importância atribuídos por seus ideólogos. Segundo Buainain et al (2013), hoje a agricultura brasileira

é a base de cadeias produtivas que, no conjunto, produzem um quarto do PIB nacional e aproximadamente um quinto do emprego total, mas, sobretudo, são extraordinários vetores do desenvolvimento social do interior do País, tanto em territórios da fronteira quanto na reestruturação virtuosa de áreas de ocupação agrícola antigas e estagnadas (BUAINAIN et al, 2013, p. 107).

Essa ideia de grandeza do agronegócio brasileiro é exposto nos seus principais meios propagandísticos, que abrangem tanto o meios acadêmico, quanto a população em geral. É o caso do boletim informativo “Perfil do Agronegócio Brasileiro Maio/2015”, elaborado pela Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (SEAPA)12, e

que traz informações do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (CEPEA/USP). Segundo o boletim, o setor do próprias unidades agrícolas por insumos industriais. Houve um aumento de 212% no uso de máquinas e de 1.800% no uso de insumos químicos. No mesmo período, registra-se uma diminuição de mais de 70% na mão de obra agrícola” (COCHRANE, 1993, p. 128-132 citado por MENDONÇA, 2015, p. 379)

10 Ao mesmo tempo em que o acesso a crédito para o agronegócio triplicou entre 1940 e 1962, “o uso de

fertilizantes químicos duplicou, assim como a prática de fumigação aérea”. (HAMPE et al., 1980, p. 61-66 citado por MENDONÇA, 2015, p. 381-382)

11 O Sistema de Crédito Agrícola (Farm Credit System), “que contou com linhas especiais de empréstimos e

subsídios estatais para produção e exportações agrícolas” (RAWLINS, 1980 citado por MENDONÇA, 2015, p. 381).

12 Disponível em http://www.agricultura.mg.gov.br/images/Arq_Relatorios/Perfil/BR/perfil_brasil_mai_2015.pdf

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agronegócio é responsável por cerca de R$ 1,21 trilhão do Produto interno Bruto (PIB) brasileiro.

A importância do agronegócio brasileiro também é expresso, nos meios propagandísticos, através dos volumes produzidos. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)13, na safra agrícola 2014/2015, o agronegócio brasileiro produziu:

202,2 milhões de toneladas de grãos, em 57,2 milhões de hectares; 45,36 milhões de sacas de café de 60kg, em 1,9 milhões de hectares; e 634 milhões de toneladas de açúcar. Já em termos de pecuária, em 2013, segundo os dados do IBGE, organizados no mesmo boletim: foram abatidos 34,4 milhões de cabeças de gado, que equivaleram 8,2 milhões de toneladas de carne bovina; e a produção industrial de carne suína foi de 3,2 milhões de toneladas.14

No que tange ao comércio internacional, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), organizados no boletim “O Perfil do Agronegócio Mundial”, da (SEAPA)15, o agronegócio brasileiro exportou em 2014: 60,7 milhões de

toneladas de soja, que equivaleram a U$31,4 bilhões; 24,1 milhões de toneladas de açúcar e 1,1 milhões de toneladas de álcool, que equivaleram a U$10,4 bilhões; 34,5 milhões de sacas de café de 60kg, que equivaleram a U$4,1 bilhões; e 6,3 milhões de toneladas de carne, que equivaleram a U$17,4 bilhões.

No ranking dos maiores produtores e exportadores do mundo, segundo os dados do USDA16, o Brasil assume lugar de destaque: é o terceiro maior produtor de milho (14,7

milhões de hectares e produção de 70 milhões de toneladas), e o segundo maior exportador (20 milhões de toneladas); o segundo maior produtor de soja (29,5 milhões de hectares e 88,5 milhões de toneladas), e maior exportador (45 milhões de toneladas); o maior produtor e exportador de café (produção de 53,1 milhões e exportação de 31 milhões sacas de 60kg); o maior produtor e exportador de açúcar (produção de 38,7 milhões de toneladas e exportação de 27,2 milhões de toneladas); o segundo maior rebanho bovino, com 259 milhões de cabeças, e o maior exportador de carne bovina, com 1,9 milhões de toneladas.

No Brasil, para se chegar a robustez que é hoje, o agronegócio trilhou um logo caminho. Segundo Buainain et al (2013), exímios ideólogos do agronegócio, “não obstante marcantes histórias agrárias e agrícolas setoriais e regionais” […], a década de 1960 se constitui no

13 Idem 14 Idem

15 Disponível em http://www.agricultura.mg.gov.br/images/files/perfil/perfil_mundial_mar_2014.pdf – acessado

em 04/07/2015.

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ponto de partida do processo de desenvolvimento agrário que fomentou a formação de uma economia agrícola orientada, de fato, por um modo de funcionamento essencialmente capitalista […] com a instituição do sistema de crédito rural e a implantação de um modelo de modernização da agricultura largamente inspirado no caso norte-americano e fundado em um tripé indissolúvel: crédito rural subsidiado, extensão rural e pesquisa agrícola por instituições públicas (BUAINAIN et al, 2013, p. 108).

A esse respeito, Delgado (1985) reforça que, foi somente com a criação e organização do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que alavancou-se a modernização do setor agropecuário brasileiro. Segundo o autor:

Somente com a introdução da política de crédito rural, como carro chefe da modernização do setor agropecuário, desloca-se o eixo da política por produtos para a política da mercadoria rural em geral. O crédito subsidiado é promovido de maneira generosa e por intermédio do sistema bancário institucionalizado” (DELGADO, 1985, p. 21).

Segundo Buainain et al (2013), esse esforço inicial, construiu as bases para a conformação de uma agricultura moderna, tal qual a conhecemos hoje; e que, consolidadas essas bases, as mudanças institucionais, ocorridas na década de 1990 desencadearam a intensificação tecnológica e produtiva e catapultaram as atividades agropecuárias às alturas. Segundo esses autores, essas mudanças institucionais

corrigiram parte dos bloqueios então existentes, tendo promovido a estabilização monetária e promovido um esforço de re-organização do Estado e suas políticas visando ao desenvolvimento agrícola. Foi instituído, por exemplo, um novo padrão de financiamento da agricultura (que contou crescentemente com recursos privados), além de uma nova política cambial (em 1999), o que tornou os produtos de exportação mais competitivos (BUAINAIN et al, 2013, p. 108-109).

Contrapondo o discurso conservador, no Dicionário da Educação do Campo, Paulo Alentejano, ao descrever sobre o processo de modernização da agricultura brasileira, nos relembra que, “embora ações modernizantes isoladas já se evidenciassem desde os anos 1950 […], só é possível falar de um processo de modernização após o Golpe de 1964 e a instauração da ditadura” (ALENTEJANO, 2012, p. 480).

Delgado (2001, p. 163.), corroborando com Paulo Alentejano, destaca que, com o golpe de 1964, encerra-se o debate político estrito sobre a “Questão Agrária” (estrutura fundiária, relações sociais no campo) e, lentamente, o pensamento conservador vai impondo o debate exclusivo em torno das questões relativas ao emprego, ao comércio exterior e à oferta e demanda de produtos agrícolas, e seus efeitos sobre os preços, como se estivessem também tratando da "Questão Agrária".

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A respeito do abafamento do debate sobre a Questão Agrária, Germer (1990, p. 312) destaca, que, no Brasil, o desenvolvimento do capitalismo na agricultura seguiu a chamada via prussiana, em que a transformação capitalista não revolucionou a realidade agrária preexistente: ocorreu uma evolução ou adaptação dessa estrutura agrária pré-existente, em que, paulatinamente, o latifundiário foi se transformando em capitalista, e os diversos tipos de agricultores dependentes ou agregados, em trabalhadores assalariados do campo e da cidade.

Esse processo modernizante e conservador da agricultura brasileira que, através da integração técnica agricultura-indústria, dá origem aos Complexos Agroindustriais (CAI), caracteriza-se, de um lado pela mudança na base técnica dos meios de produção utilizados; e, de outro, “pela integração de grau variável entre a produção primária de alimentos e matérias-primas e vários ramos industriais” (DELGADO 2001, p. 164).

A produção agropecuária passa a não depender somente das solicitações do comércio, mas de todo um conjunto de indústrias ligadas às atividades agropecuárias (MOTA; PESSOA, 2009, p. 02). O setor agropecuário se torna um mercado para as indústrias produtoras de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas, ao mesmo tempo em que ocorre a integração de grau variável entre a produção primária de alimentos e matérias-primas e vários ramos industriais (DELGADO, 2001, p. 164). A partir daí, novas áreas agrícolas serão incorporadas à produção e ao consumo agropecuário globalizado (MOTA; PESSÔA, 2009, p. 02). Avança-se a fronteira agrícola para o Centro-Oeste, para a Amazônia, para os Avança-sertões.

Segundo Heredia, Palmeira e Leite (2010, p. 160) a ideia de Agronegócio será uma radicalização, da visão de uma agricultura totalmente integrada pelas duas pontas (insumos e produtos), em que o lado agrícola perde importância e o “lado industrial é abordado tendo como referência, não a unidade industrial local, mas o conjunto de atividades do grupo que a controla e suas formas de gerenciamento”.

Sobre as mudanças institucionais, ocorridas na década de 1990 - que segundo Buainain et al (2013, p. 108-109) desencadearam a intensificação tecnológica e produtiva e catapultaram as atividades agropecuárias no Brasil -, Delgado (2001, p. 166; 2012a, p. 08) argumenta que, dos meados dos anos 1980 até o final da década de 1990 há um processo de transição do padrão modernizante e conservador para o padrão liberal, também conservador. Nessa transição ocorre todo um desmonte do aparato de intervenções no setor rural, montado desde 1930 e fortemente reciclado no período militar. A partir daí, a prioridade volta-se para o setor externo, mas sem o protecionismo do período anterior: trata-se agora de uma economia e agricultura abertas aos capitais estrangeiros, principalmente os grandes monopólios.

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Também nesse período de transição, segundo Delgado (2012a, p. 08), não é possível a construção de uma estratégia hegemônica para o setor rural: ao mesmo tempo em que existe pressões econômicas externas para a liberalização dos mercados; há pressões político-sociais internas, pelo reconhecimentos de direitos, juridicamente estruturados pela constituição 1988. Sendo assim,

no âmbito específico da política agrícola e agrária haverá pressões contraditórias por liberalização comercial, redução do tamanho do Estado e reconhecimento de novos sujeitos sociais em ambiente de crise externa (gestão do endividamento) e estagnação econômica. O ápice da situação de desequilíbrio externo se manifestará na crise cambial de 1999, cuja resultante provocará a articulação de uma nova política econômica externa e interna para a agricultura capitalista” (DELGADO, 2012a, p 08).

Segundo Delgado (2012a), as diferenças desse novo período, passado a transição, está no caráter político, com estratégias de construção de hegemonia17, e a inserção na divisão

internacional do trabalho. Segundo o autor,

As diferenças em relação ao período militar são principalmente o caráter político desse pacto do agronegócio, construído agora sob as condições da ordem democrática, com sustentação parlamentar, forte adesão de todos os governos desde 1999 […] Outra diferença significativa é o caráter marcadamente primário exportador dessa estratégia, algo diverso daquilo que ocorrera no período 1965-85, quando a modernização agrícola se encaixava muito propriamente às estratégias de industrialização, planejadas pelos governos militares” (DELGADO, 2012a, p. 09)

1.2. Mais que um simples negócio no Agro

Segundo Delgado (2012a, p. 89), O conceito “Agribusiness”, nos termos trabalhados por Davis e Goldberg e que tornaram-se hegemônicos, “é uma noção puramente descritiva das operações ligadas ao agro (produção, beneficiamento e distribuição). Segundo o autor,

falar em agronegócio no sentido convencional, de negócios nos campos e nos ramos de produção a montante e a justante da agricultura, como se costumava dizer no período de primazia de noção de complexos agroindustriais, é apenas uma informação técnica à busca de um esforço ulterior. Este precisa desvendar, desnudar e desencobrir o sentido essencial das relações econômicas e sociais que se dão no interior deste setor (do agronegócio), para justificar o corte taxonômico proposto. Sem este segundo passo, a expressão é apenas uma informação técnica, carente de pretensão heurística, ou seja, sem hipótese à descoberta científica e, portanto ainda precária para análise técnico-científica (DELGADO, 2012a, p. 90)

Sendo assim, em uma perspectiva crítica, propõe-se que o conceito agronegócio

17 Articulação de formas de coerção e consenso para a consolidação da dominação econômica, política e

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constitui-se na forma assumida pelo Capital Financeiro no campo; nos termos trabalhados, tanto por Delgado (1985), ao se referir ao processo de modernização conservadora e a constituição dos complexos agroindustriais (CAI); quanto por Lenin (1989)18 , ao tratar da

etapa monopolista do capitalismo – o imperialismo.

Para além de sua aparência, Delgado (2012b) destaca que, enquanto projeto estratégico de economia política, no sentido de alianças de classe para a captura do excedente econômico, a economia do agronegócio é a reestruturação – ou seja, reafirmação, adaptando-se as novas condições estruturais – de “um sistema de relações de produção das cadeias agroindustriais com a agricultura, alavancado pelo sistema de crédito público e pela renda fundiária (mercado de terras)”, que teve sua origem na chamada modernização conservadora, esculpida à partir do golpe civil-militar de 1964. Nesse sentido, o autor propõe a economia do agronegócio, enquanto relançamento do capital financeiro na agricultura.

Mendonça (2013, p. 6), resgatando o pensamento de Marx e Engels, e tendo como base a compreensão do capital enquanto relação relação social, destaca que “o produto da agricultura capitalista é determinado pela busca de realização do valor, entendido no contexto da relação capital-trabalho”. Ainda, segundo a autora, é na fase imperialista ou monopolista do capital, em um contexto determinado por sua reprodução crítica, que se observa o processo de intensificação da industrialização da agricultura, passando essa a ser representada pela moldura ideológica do conceito agronegócio; termo que se propagou tanto nos círculos acadêmicos, quanto nos meios políticos e de comunicação (MENDONÇA, 2013, p. 2).

Enquanto expressão do capital no campo, a dinâmica do agronegócio é a concentração e centralização de capitais, formando os grandes monopólios no setor agropecuário: nessa etapa imperialista do capitalismo a concorrência dar-se-á, agora, entre as grandes empresas transnacionais que controlam produção (insumos, máquinas, produtos agropecuários), o beneficiamento e a comercialização.

A respeito disso, Roberts (2009), além de ressaltar a força, em termos de produção e produtividade. desse novo sistema alimentar, destaca seu caráter seletivo e concentrador:

o novo sistema alimentar uniforme, racionalizado e intensificado que havia emergido totalmente no final do século XX era extraordinariamente poderoso. Enquanto os agricultores da Europa em industrialização ficavam orgulhosos por duplicar sua produtividade uma vez a cada século, os agricultores agora quadrupicavam sua produção em metade desse tempo. Em meados da década de 1980, os Estados Unidos estavam gerando 40% do 18Conforme definido por Lenin, no seu livro “O imperialismo, etapa superior do capitalismo”, capital financeiro

é a resultante da fusão do capital industrial com o capital bancário, que só é possível numa etapa superior do capitalismo, ou seja, quanto o capitalismo evolui para a sua fase monopolista.

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milho do mundo e um quarto vinha de um único estado (Iowa). E tudo isso estava acontecendo com cada vez menos fazendeiros. Em 1885, mais da metade da população americana estava envolvida na agricultura; em 1985, essa fatia havia caído para menos de 3% (ROBERTS, 2009, p. 23)

Descrevendo esse processo de centralização e concentração de capitais no setor agropecuário brasileiro, Alentejano (2014, p. 30) assinala que, atualmente o processo de internacionalização da agricultura brasileira, adquiriu um novo componente: a compra de terras por empresas, fazendeiros e fundos estrangeiros. Essa compra de terras é motivada por diferentes interesses: compra de terras para produção de commodities agrícolas; compra de terras com objetivo torná-las produtivas e ganhar na valorização (especulação).

A partir da lógica capitalista, o agronegócio, em sua reprodução ampliada, avança como um “rolo compressor” em direção aos sertões e florestas, modificando as paisagens ali existentes; se apropriando privadamente dos recursos naturais; e passando por cima das comunidades que ali vivem e desenvolvem outras formas de produzir e se relacionar com a natureza, expropriando-as, expulsando-as, ou incorporando-as à sua lógica produtiva-destrutiva.

Além da incorporação de novas áreas, na busca por maiores taxas de lucro, o agronegócio é levado a constantemente modificar as áreas que já se encontram sob seu domínio. Essas modificações se dão, tanto pela incorporação de novas tecnologias (transgênicos, novas e maiores máquinas, novos agrotóxicos), quanto pela substituição de monoculturas (sai o boi, entra a cana-de-açúcar). É importante ressaltar que, no processo de expansão, as novas áreas já são incorporadas com o que ha de mais moderno em termos de agronegócio (PORTO-GONÇALVES, 2013). Na incorporação de novas áreas para a produção de soja, na Amazônia, por exemplo, as sementes utilizadas já serão transgênicas e de maior produtividade e as colheitadeiras e plantadeiras já serão as de última geração.

A expansão das áreas cultivadas pelo agronegócio no Brasil e a incorporação das inovações tecnológicas contribui para aumento, tanto do volume de produção, quanto da produtividade da agropecuária, ocasionando uma acentuada queda dos preços agrícolas. A medida que avança a queda dos preços, os agricultores, que não tem podido investir nem obter ganhos de produtividade consideráveis e nem garantir a reprodução de sua força de trabalho e meios de produção: sua renda é insuficiente para comprar os bens de consumo indispensáveis que não podem produzir ou, as vezes, para pagar os impostos (Porto-Gonçalves, 2013, p. 230). Muitos perdem suas terras e migram para as cidades onde irão engrossar as fileiras do exército industrial de reserva, com sua força de trabalho barata: primeiro vão-se os filhos,

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depois a família toda.

Esse movimento do capital foi observado, nos Estados Unidos, berço do agronegócio, por Roberts (2009), já nos anos 1980:

[...] à medida que o preço por bushels19 continua caindo, os fazendeiros

compensam ao distribuir seus custos fixos por mais bushels por hectare, o que realmente conseguem ao comprar novas sementes, fertilizantes melhores, tratores maiores, ou alguma outra nova tecnologia. Infelizmente, embora o cultivo de mais bushels mantenha a sua renda no curto prazo, o custo de toda essa nova tecnologia tem que ser distribuido por mais bushels ainda, o que simplesmente soma a um mercado já com oferta em excesso e joga os preços ainda mais para baixo – um círculo vicioso no qual os fazendeiros estão basicamente produzindo cada vez mais bushels a cada ano apenas para não ir para o buraco.

[...] com a contínua queda dos preços das mercadorias, as fazendas pequenas e de porte médio que não tinham escala para continuar distribuindo os custos ou o capital, afim de adquirir nova tecnologia foram descartadas, substituídas por enormes operações agrícolas industriais que podiam compensar em termos de volume e eficiência o que perdiam em termos de preço. Em meados da década de 1980, o sistema agrícola americano, estava tão consolidado que mais de dois terços de toda a produção agrícola do país vinham então de menos de um terço das fazendas (ROBERTS, 2009, p. 27).

Segundo Porto-Gonçalves (2013, p. 213), o advento de uma agricultura capitalista de monocultivos, voltada exclusivamente para o mercado, também tem sido responsável pela dissociação do modelos de produção camponesa: nas palavras de Horácio Martins de Carvalho, citada pelo autor, há uma contaminação da práxis camponesa. Nessa contaminação, o objetivo de segurança alimentar, inerente às múltiplas agriculturas, desenvolvidas pelos camponeses, como resultado de uma experimentação de dezenas de milhares de anos, começa ser subvertido pela ideologia economicista e pelos sucessos tecnológicos obtidos com as revoluções agrícolas. Dessa forma “a relação entre o produtor e o produto muda de qualidade, e, mais ainda, a quantidade torna-se a qualidade mais desejada”. Com a monocultura, nem é possível se falar em produção de excedentes uma vez que essa ideia pressupõe que o produtor venderia o excedente, o que não é o caso.

A incorporação da chamada agricultura familiar e camponesa, onde encontra-se inserido a população assentada e acampada, ao modelo do agronegócio é mediada pelas políticas de Estado. Na agricultura brasileira, de acordo com Teixeira (2015, p. 1), ocorre, desde 2003, um processo de inclusão, da chamada agricultura familiar, nas ações oficiais de fomento produtivo, sendo que, atualmente, o Programa Nacional de Apoio a Agricultura

19 Unidade de Medida de massa utilizada nos Estados Unidos e que varia de acordo com a commodity. Por

Referências

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