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Conforme já dito anteriormente, a pena é o „castigo‟ aplicado ao delinquente, no Brasil e na maioria dos países, a prisão é o meio conveniente ao Estado, adotado para retirar do convívio da sociedade, aquele que praticou um crime. O fato de os criminosos serem retirados do convívio alheio cria um sentimento de proteção para com a comunidade, a qual não convive mais com o transgressor dos valores propagados pela coletividade. O infrator é privado de sua liberdade de locomoção, dentro de um estabelecimento público e ali permanece até ter cumprido com sua punição, a ideologia do sistema é que durante este tempo em isolamento da coletividade, longe de sua família, de sua casa, e de suas distrações, que o delinquente tenha recuperados os valores perdidos e esteja pronto para viver novamente na sociedade estando ele “ressocializado”.

Infelizmente, esta ideologia é um tanto quanto fantasiosa, sabe-se desde os primórdios que as penitenciárias não possuem condições quase que nenhuma de permitir que o apenado possa ter algum progresso de sua índole e valores inclusos no meio hostil enfrentado no interior do cárcere. A pena de prisão teve sua origem na Idade Média, quando os suspeitos por crimes aguardavam em masmorras seus julgamentos ou a própria execução. Após, a pena de prisão evoluiu e passou a ter o Estado como detentor de sua administração, o qual não era democrático, tendo as leis e suas aplicações decididas por seus líderes, as penas eram aplicadas principalmente aos inimigos, ou àqueles que ameaçam o poder dos líderes. Logo com o crescimento da Igreja Católica surgiu a prisão eclesiástica, a qual não aplicava os meios cruéis da Idade Média e era mais branda com os condenados, servindo como uma espécie de “autoajuda” a prisão era o ambiente para refletir os atos cometidos. Neste momento da história da pena de prisão privativa de liberdade insurge o pensamento ressocializador ao condenado, através da prisão canônica. A Igreja usava a prisão como penitência, tentando fazer com que o apenado refletisse sobre os atos praticados (BITENCOURT, 1993; HAUSER, 1997).

A crise da pena de morte na segunda metade do século XVIII, em razão de que os índices de crimes vinham crescendo descontroladamente – A Pena de Morte – não estava impedindo os delinquentes de cometerem crimes, em razão das

tensões sociais da época. Aqui, a pena privativa de liberdade foi o grande avanço para conter a marginalidade sendo o meio eficaz para o controle social em razão de seu retorno econômico, conforme assegura Bitencourt (1993, p. 35):

Fora das épocas de crise o confinamento adquire outro sentido. À sua função de repressão adiciona-se uma nova utilidade. A gora já não se trata de encerrar os desempregados, mas de dar trabalho àqueles que estão encerrados e fazê-los uteis à prosperidade geral . A alternância é clara: mão de obra barata, quando há trabalho e salários altos; e, em períodos de desemprego, reabsorção dos ociosos e proteção geral contra a agitação e os motins.

Michel Foucault na obra Vigiar e Punir, a qual relata a cruel história das prisões, também refere em seu texto o grande avanço que a pena privativa de liberdade obteve atendendo as exigências sociais do momento em que se originou, como meio eficaz de combate à criminalidade. Ele já dizia que a prisão deveria ser usada para remodelar o criminoso para que este possa ser usado pelo sistema capitalista, in verbis:

À época clássica utiliza o confinamento de uma maneira equivocada, para fazê-lo desempenhar um duplo papel; reabsorver o desemprego, ou, pelo menos, apagar os seis efeitos sociais mais visíveis e controlar as tarifas quando houver risco de subirem muito, atuar alternativamente sobre o mercado de mão de obra e os preços de produção (FOUCAULT, 2010, p. 73).

Em um primeiro momento esta ideologia de tornar o preso uma mão de obra barata e fazer com que o mesmo promova um bem a sociedade e não seja somente um fardo a ser carregado por esta, serviu, e muito bem, para acalmar os ânimos mais exaltados da comunidade que vivia uma crise social e econômica crítica. Em pouco tempo, se observou que esta não era a melhor saída, conforme o próprio Foucault refere no trecho supramencionado, o confinamento foi uma maneira „equivocada‟ de tentar dar cabo ao problema da violência. Tendo o projeto que surgiu para remodelar o indivíduo, retornar índoles desviadas e propensas aos crimes em índoles honestas saído pela culatra, criando criminosos ainda mais violentos e novos criminosos no interior do cárcere.

A privação da liberdade nesta época serviu segundo Foucault (2010), somente para um fim: recrutar, fabricar e produzir delinquentes. Não podemos

acreditar que a partir do momento que alguém entra na prisão e ajusta-se a um mecanismo infame saia deste local renovado para melhor, irá sair ainda mais revoltado com a sociedade que o jogou lá. Conforme referido pelo professor Aury Lopes Júnior, no XX Congresso de Direito de Gramado/RS, edição do ano de 2015 – quando este defendeu sua posição contra a diminuição da maioridade penal - relata uma conversa que teve com um preso no interior de uma penitenciária, justamente sobre a ressocialização e as chances de vida ao sair daquele local, para espanto do professor o apenado assim respondeu “A sociedade está me tratando aqui como um cão... e eu vou sair daqui mordendo”, de maneira que fica transparente a ineficácia deste sistema, em todos os sentidos, mas principalmente da ressocialização, ele somente obtém êxito no fato de retirar o criminoso do convívio com os demais.

As características e os conceitos da pena, supramencionada, e da pena privativa de liberdade por muitas vezes se confundem, tendo em vista a privação da liberdade ser tratada, como o principal mecanismo de repressão estatal. Ao apresentar o conceito da pena privativa de liberdade, percebemos a semelhança com o conceito da pena. Conforme expressa Fernando Capez, na obra Curso de Direito Penal (2005, p. 357):

[...] é uma sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença ao culpado pela prática de infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimação dirigida à coletividade.

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Cesare Beccaria, no ano de 1750 já fazia duras críticas sobre a pena de prisão e como ela escolhe, por muitas vezes, as classes sociais que a ela irão adentrar. As diferenças de classes daquela época já evidenciavam o poder de dominação do sistema:

Um homem acusado, aprisionado, julgado e absolvido não deve ser marcado pela infâmia. Entre os Romanos, vimos que muitos acusados de grandes crimes, e posteriormente declarados inocentes, eram respeitados pelo povo e homenageados com empregos no Estado. Mas porque o destino de um inocente é tão diferente em nossa época? É porque o atual sistema de leis penais apresenta em

nossas mentes a ideia de poder, em vez de justiça; é porque o condenado e o acusado são jogados, indiscriminadamente, na mesma prisão; porque a prisão é mais uma punição do que uma forma de reter o acusado e porque as forças internas que defendem as leis e as forças externas que defendem o trono e o reino são separadas quando deviam ser unidas (BECCARIA, 2012, p. 91).

Chega-se, portanto, a conclusão de que a pena privativa de liberdade somente serviu até hoje, como um instrumento de dominação de classes sociais pobres e miseráveis. Ela sempre se baseou em fatores econômicos e limitadamente nos fatores sociais, para que assim beneficiasse aqueles que detêm o poder de dominação, em desfavor das classes oprimidas, das quais muitas vezes são negados os direitos básicos.

Esta utilização da pena como instrumento de dominação, desencadeou ao longo dos anos um descaso político e cultural com a aplicação da pena, político com a falta de investimentos nas instituições prisionais e com o futuro do condenado. O descaso cultural, nada mais é do que a cultura que se difunde, de que o preso cometeu um crime e merece pagar, e quanto mais pagar melhor. O governo também não irá deixar de construir escolas ou hospitais para construir um presídio que proporcione melhores condições aos condenados, casos assim só ocorrem quando a situação chega ao seu limite, como foi o caso do presídio Carandiru que foi fechado e implodido. O resultado deste descaso, que posterga a melhora do sistema de execução penal é a crescente onda de criminalidade.

Vem a calhar com este raciocínio uma análise dos índices de criminalidade, os quais crescem assustadoramente todos os anos. Conforme dados do Ministério da Justiça, divulgados através do site da Associação de Direitos Humanos Conectas, demonstram que em junho de 2013, o Brasil possuía uma população carcerária de 574.027 presos, a quarta maior do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos, China e Rússia. O site também faz referência ao índice “A taxa de encarceramento índice que calcula o número de presos em cada grupo de 100 mil

habitantes, saltou de 287,31 para 300,96 em apenas seis meses”. O Ministério da

Em uma comparação realizada desde o ano 1992 até o ano de 2013 os resultados são assombradores:

Entre 1992 e 2013, a taxa de encarceramento (número de presos por cada grupo de 100 mil habitantes) do País cresceu aproximadamente 317,9%, passando de 74 para 300,96. Nos Estados Unidos, o aumento foi de quase 41%. Na China, de 11%. A Rússia foi o único país do grupo a registrar redução de cerca 4% (CONECTAS, 2014).

Analisando os presentes dados, podemos concluir que algo não está funcionando, ou nunca funcionou, a pena privativa de liberdade em vez de coibir a prática de crimes vem abarrotando ainda mais o sistema penitenciário de uma forma descontrolada. Uma urgente análise do sistema deve ser realizada de maneira rigorosa, este instituto de privação de liberdade entrou em colapso, mas a maioria nega a ver a realidade atrás dos grandes muros de concreto presente na grande parte das cidades brasileiras.

3 A INEFICÁCIA DA PENA DE PRISÃO NO COMBATE À CRIMINALIDADE

Já foi dito que a pena privativa de liberdade é ineficaz, que o sistema penitenciário brasileiro é insatisfatório, e, que este não cumpre seu dever de ressocializar o delinquente. Aquele condenado ao regime de privação da liberdade, por vezes, senão na maioria delas, acaba se tornando ainda mais violento e perturbado em virtude sua experiência na prisão. Levando em consideração estes fatos devemos nos questionar, porque a pena privativa de liberdade produz um efeito contrário daquele buscado.

No sentido de entender o comportamento do preso, principalmente na persistência do cometimento criminosos, Christopher Hibbert (apud BITENCOURT 1993, p. 146) já se referia em 1975, sobre diálogos com presos nas penitenciárias da Espanha:

[...] Fui enviado para a instituição para jovens com idade de 15 anos e saí dali com 16 convertido em um bom ladrão de bolsos – confessou um criminosos comum -. Aos 16, fui enviado a um reformatório como batedor de carteiras e saí como ladrão... Como ladrão, fui enviado a uma instituição total onde adquiri todas as características de um delinquente profissional, praticando desde então todo o tipo de delitos que praticam criminosos e fico esperando que minha vida acabe como a de um criminoso.

No Brasil, a interpretação que o preso lê da cadeia não difere muito do anteriormente citado, para ele a prisão é uma escola, e cada vez que este adentra na instituição aprende técnicas novas, conhece novos criminosos e o ciclo vicioso do crime não chega ao fim. Conforme assegura Ramalho (2002, p. 246), também em uma entrevista realizada com um preso:

[...] Eu estou com força de vontade mas ninguém me ajuda, eu vou voltar para o crime. Quando ele voltar para o crime, ele volta completamente diferente, a mente dele evoluída, conviver aqui aprendeu. Aqui é a escola, a verdadeira escola viveu aqui aprendeu. Então ele vai praticar coisas que nunca praticou, onde o jornal é muito útil, manual. Porque o jornal faz o bandido também, a imprensa.

O tratamento para a evolução social do delinquente inflamado pela lei, quando da criação da Lei de Execução Penal e da Constituição de 1988, nunca aconteceu. Muito se deve as concepções histórias enrustidas na pena privativa de liberdade, as quais sempre foram culpar, julgar e punir, tanto pela justiça como pela sociedade em sua grande maioria.

Este contexto histórico deve ser levado em consideração na ineficácia da prisão, a qual possui na reincidência do ex-detento seu maior problema. Conforme se percebe dos dois trechos anteriormente citados, a prisão hoje é a graduação para o criminoso, ali ele vai conviver com criminosos mais experientes e perigosos, irá aprender técnicas novas, será introduzido em facções criminosas, e principalmente, vai dever favores, os quais deverão ser pagos quando adquirir a liberdade. Todos esses fatores interferem da reinserção do condenado novamente na sociedade, fazendo com que sua ressocialização se torne cada vez mais utópica, se analisarmos a atual conjuntura do sistema prisional brasileiro.

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