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A (in)eficácia da pena privativa de liberdade no combate à criminalidade

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GRANDE DO SUL

TAMIRES ALVINA VOIGT

A (IN)EFICÁCIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO COMBATE À CRIMINALIDADE

Ijuí (RS) 2015

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TAMIRES ALVINA VOIGT

A (IN)EFICÁCIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO COMBATE À CRIMINALIDADE

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Diolinda Kurlle Hannusch

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio, afeto e especialmente pela confiança em mim depositado durante esta jornada.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que apesar de todas as dificuldades sempre me apoiou e incentivou sendo fundamental para esta conquista, seu apoio, confiança e conselhos sempre foram os pilares essenciais frente às dificuldades da vida.

Agradeço também a minha orientadora Diolinda Kurlle Habbusch, pela sua disponibilidade, paciência e incentivo que tornaram possível a conclusão desta monografia.

E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte de minha formação, o meu muito obrigado.

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“Olho por olho, dente por dente, e a humanidade ficará sem olhos e sem dentes.” Mahatma Ghandi.

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RESUMO

O presente trabalho busca averiguar se a pena privativa de liberdade atinge o fim ressocializador em relação ao apenado, visto que, na maioria das vezes, após ganhar sua liberdade volta a praticar crimes. Levando em consideração que a violência está presente em nossas vidas, seja por um familiar ou amigo que necessitou arcar com o prejuízo econômico causado pela criminalidade, ou até mesmos resultados físicos e emocionais, ou ainda, em razão dos meios de comunicação e a cultura do medo instaurada na sociedade. Estas situações nos fazem pensar no que está levando tantas pessoas a praticarem crimes. O Estado, cada vez enrijece mais as penas, as penitenciárias estão abarrotadas de condenados, e os índices de criminalidade aumentam.

Palavras-Chave: Poder punitivo. Pena. Finalidade da pena. Prevenção. Retribuição. Ressocialização. Alternativas a privação da liberdade.

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ABSTRACT

This study aims to determine whether the deprivation of liberty reaches the end resocializing against the convict, since most of the time, after gaining his freedom back to practice crimes. Considering that violence is present in our lives, either by a family member or friend who needed to bear the economic loss caused by the crime, or even the same physical and emotional results, or as a result of the media and the culture of fear established in society. These situations make us think about what is causing so many people to practice crimes. The state increasingly stiffens the penalties, prisons are crammed with convicts, and crime rates increase.

Keywords: Punitive power. Punishment. Purpose of punishment. Prevention. Retribution. Rehabilitation. Alternatives to deprivation of liberty.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 CRIME E CRIMINALIDADE – NOÇÕES GERAIS ... 10

1.1 Conceitos ... 10

1.1.1 Conceito de crime ... 10

1.1.2 Conceiro de Criminalidade ... 11

1.1.3 Conceito de Criminologia ... 12

1.2 Evolução histórica da criminologia ... 13

1.2.1 As escolas ... 15

1.3 Os fatores da criminalidade ...18

2 MECANISMOS ESTATAIS REPRESSIVOS ... 233

2.1 A pena ... 24

2.1.1 Origem e evolução da pena ... 26

2.2 A finalidade da pena... ... 28

2.2.1 As teorias da Pena ... 29

2.2.1.1 Teoria absoluta ou retribucionista ... 29

2.2.1.2 Teoria relativa ou prevencionista ... .32

2.3 A pena de prisão... 35

3 A INEFICÁCIA DA PENA DE PRISÃO NO COMBATE À CRIMINALIDADE... 40

3.1 A pena de prisão no Brasil ... 41

3.2 As instituições prisionais do Brasil...45

3.3 Análise da ressocialização na execução penal brasileira... ...49

3.3.1 Alternativas a pena de prisão...53

CONCLUSÃO ... 57

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo compreender porque a pena privativa de liberdade é ineficaz, em suas finalidades de ressocialização do apenado, e da prevenção de novos crimes. O Estado busca enrijecer as penas, e intimidar a prática delitiva, porém, tal atitude aparenta produzir efeito contrário, aumentando os índices de reincidência e de práticas criminosas por réus primários. Neste sentido, o trabalho demonstra a ineficácia do estado em combater e inibir a prática criminosa.

O primeiro capítulo do trabalho realiza em pequeno apanhado histórico sobre a distinção entre crime e criminalidade durante a evolução das escolas criminológicas, as quais estudaram o criminoso em suas diversas concepções, tanto em nível de sociedade, como analisando o psicológico e o físico do delinquente. As escolas criminológicas que se dedicaram a estes estudos buscavam adequar as aplicações de penas com a finalidade de combater a violência. Aqui, também, fica demostrado a prática criminosa sob a visão do delinquente, e sua interpretação sobre os institutos do crime, da criminalidade e da própria instituição carcerária.

O segundo capítulo, analisa a pena como mecanismo estatal repressivo. A pena se subdivide em diversas modalidades, tais como: restritiva de direitos; multa e a pena privativa de liberdade, que é a pena mais gravosa destas. Neste capítulo, será abordada a origem, a evolução e a finalidade da pena, estabelecendo no último às finalidades retribucionistas e prevencionistas da aplicação da sanção. Demonstra-se, que a teoria retribucionista foi a primeira a surgir e tinha como propósito aplicar a pena como simples método de retribuição a conduta praticada pelo agente, aqui, se aplicava a sanção como meio de vingança. Com o passar do tempo, verificou-se que a finalidade da aplicação da pena em virtude do crime tão somente, não trazia

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nenhum enriquecimento, nem para a sociedade, quanto para o condenado, dando causa aos apoiadores da teoria prevencionista.

A teoria prevencionista também retratada no segundo capítulo interpreta a aplicação da pena como meio de ressocializar o delinquente, vindo a prevenir a pratica de novos crimes. Aqui, aborda-se a prevenção sob dois enfoques principais, primeiramente a prevenção do próprio infrator, fazendo com que a experiência de uma privação de liberdade o intimide a praticar novos crimes, caso não seja suficiente, que após sua experiência na prisão este retorne a sociedade ressocializado e distante da prática delinquente. Em segundo lugar, analisa-se a pena privativa de liberdade no aspecto da prevenção geral, ou seja, o condenado seria usado como um „bode expiatório‟ para que a comunidade local fique ciente que o crime não compensa.

Por fim, o terceiro capítulo se reporta exclusivamente ao estudo da pena privativa de liberdade. Neste momento será analisado a pena privativa de liberdade e seu fim ressocializador. Analisa-se também, as instituições prisionais do Brasil, e suas mazelas, por último, são analisadas alternativas à pena privativa de liberdade, no combate à criminalidade.

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1 CRIME E CRIMINALIDADE – NOÇÕES GERAIS

Desde os primórdios do surgimento do ambiente em sociedade se têm conhecimento da existência do crime e do criminoso, tendo o crime nascido de ideais não compatíveis, discussões familiares ou até mesmo da necessidade pessoal. O crime acompanhou a evolução da sociedade, o surgimento das cidades e a falta de trabalho e de condições para a subsistência fizeram com que a prática do ilícito se tornasse algo corriqueiro. A coletividade, visando coibir este abuso, iniciou com sanções que visavam proteger a vítima e preservar o ambiente de convívio social.

1.1 Conceitos

Crime, criminalidade e criminologia são institutos que por muitas vezes se confundem, porém, a distinção entre eles é essencial para a compreensão do que se busca estudar no presente capítulo.

1.1.1 Conceito de Crime

O crime nada mais é que a prática de alguma ação ou omissão, descrita nas normas penais incriminadoras. O Dicionário Aurélio (2010, p. 208), traz em seu texto que crime é “Violação da lei penal, delito”. O Pequeno Dicionário Jurídico (2012, p. 105), menciona: “Crime. Segundo o conceito formal, violação culpável da lei penal; segundo o conceito substancial, ofensa de um bem jurídico tutelado pela lei penal; segundo o conceito analítico, fato típico, antijurídico e culpável”.

O crime também pode ser conceituado de maneira a compreender a violação de um bem jurídico penalmente protegido, conforme nos traz Hanz Welzen (apud Bitencourt, 1993) o crime pode ser conceituado como “[...] comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a um fim.” Também Cesare Beccaria (2012, p. 23-24), já descrevia o que era necessário para ser caracterizado como crime:

Dada a necessidade de unir a sociedade, dadas as convenções que se opõe o interesse privado, encontramos uma escala de desordens,

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das quais o maior grau consiste naquelas que destroem imediatamente a sociedade e o menor, na mínima injustiça possível feita a um membro dessa sociedade. Entre esses extremos, encontrar-se-ão todas as ações contrárias ao bem público, que são chamadas de crimes, e que descem, em graus infinitamente pequenos, da mais grave à menos grave. Se fosse possível aplicar um cálculo matemático à obscura e infinita combinação de ações humanas, haveria uma escala correspondente de penas, da maior para a menor, mas não sendo possível, basta o legislador sábio indicar os pontos principais, sem perturbar a ordem, não decretando a delitos de primeiro grau penas de último. Se houvesse uma escala universal de crimes e penas, teríamos uma medida provável e comum do grau de liberdade e escravidão, humanidade e crueldade das diferentes nações. Quaisquer ações que não estejam compreendidas entre os limites mencionados acima não podem ser chamadas de crime, ou punidas como tal.

Também podemos conceituar o termo „crime‟, consoante os ensinamentos de José Ricardo Ramalho (2002), sob a ótica do delinquente, o qual além de descrever o fator crime ainda o diferencia do delito. O criminoso se refere ao crime como algo mais premeditado, algo que envolva perigo e violência, como por exemplo, roubo e sequestro. Já para o delinquente, o fator delito seria algo em que não se usa a força nem violência, caso esta não seja necessária, a intenção do delito é que não ocorra agressividade, se considera delito o crime de estelionato (RAMALHO, 2002).

O crime pode ser definido, portanto, como uma conduta contrária ao direito, como uma violação do bem jurídico tutelado pela norma penal, os bens estes necessários para o bom tratamento e convívio em sociedade, como a honra, o patrimônio, a confiança e a decência.

1.1.2 Conceito de criminalidade

A criminalidade é o conjunto que envolve a prática de delitos, é de praxe ouvir falar que o “sujeito caiu” na criminalidade, o Dicionário Aurélio (2010, p. 209), define a criminalidade como “Estado do criminoso. [...] Conjunto dos crimes ou dos criminosos”. A criminalidade pode ser considerada como um conjunto de crimes, diferentemente do conceito de crime, o qual sua conduta deve estar estampada na norma penal, a criminalidade se relaciona com a questão social do indivíduo, este depois de inserido no submundo da criminalidade faz do crime sua profissão.

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Entende-se, também como criminalidade os fatores que são implícitos da sociedade para com aquele que se envolve no ambiente de crimes, muitas vezes, por ser morador de rua, mendigo ou até mesmo uma pessoa miserável, esta já é considerada indiretamente parte da criminalidade do local.

1.1.3 Conceito de criminologia

Criminologia é a ciência que estuda o crime e a criminalidade, os fatores causadores dos delitos. A criminologia busca principalmente, encontrar uma solução para a prática criminosa, busca entender o motivo do comportamento criminoso, os fatores sociais que o envolvem, direcionando soluções para o mesmo. Conforme classifica Nestor Sampaio Penteado Filho (2012, p. 23, grifo do autor):

Desponta como função primordial da criminologia a junção de múltiplos conhecimentos mais seguros e estáveis relacionados ao crime, ao criminoso, a vítima e ao controle social. Esse núcleo de saber permite compreender cientificamente o problema criminal, visando sua prevenção e a interferência no homem delinquente [...]. Pode-se dizer com acerto que é função da criminologia desenhar um

diagnóstico qualificado e conjuntural sobre o delito, entretanto

convém esclarecer que ela não é uma ciência exata, capaz de traçar regras precisas e indiscutíveis sobre as causas e efeitos do ilícito criminal.

Neste mesmo sentido é o posicionamento de Alessandro Baratta (2011, p. 30, grifo nosso), em sua obra Criminologia Crítica e Crítica ao Direito Penal:

Em sua origem, pois, a criminologia tem como específica função cognoscitiva e prática, individualizar as causas desta diversidade, os fatores que determinam o comportamento criminoso, para combatê-los com uma série de práticas que tendem, sobretudo, a modificar o delinquente [...] considerar a criminologia, sobretudo como o estudo das causas da criminalidade. Ainda que estas orientações tenham, geralmente, deslocado a atenção dos valores biológicos e psicológicos para os sociais, dando o predomínio a estes últimos,

o modelo positivista da criminologia como estudo das causas ou dos fatores da criminalidade.

Além destes conceitos a criminologia se divide ainda em criminologia geral e clínica. A criminologia geral estuda através das ciências criminais o crime, o

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criminoso, a vítima e a criminalidade. A criminologia clínica aplica os conhecimentos adquiridos no ambiente do criminoso visando prevenir e explicar o crime.

1.2 Evolução histórica da criminologia

A criminologia como ciência existe há pouco tempo, nada obstante, antes de assim ser instituída, houve grandes e fundamentais estudos que buscavam entender e coibir a prática delituosa, a maior parte da doutrina criminológica se refere à Cesare Lombroso como o criador da criminologia moderna, em razão da publicação de seu livro O homem delinquente.

Todos, senão a maioria dos estudantes de Direito já ouviram falar na famosa teoria Lombrosiana, a qual traçava um perfil para o criminoso. Lombroso observava as características fisionômicas, como por exemplo: estatura, estrutura torácica, peso, tipo de cabelo, comprimento de mãos e pernas, aspectos físicos dos delinquentes. A partir deste estudo Lombroso traçou o perfil do delinquente, asseverando que a pré-disposição para a prática de crimes era nata, já nascia com o sujeito.

Lombroso afirmava que se sobressaíram os fatores biológicos do delinquente, nos quais o delito era considerado algo da natureza, que nascia com o indivíduo. O delito, segundo Lombroso (apud BARATTA, 1999, p.38-39) é “um fenômeno necessário, como o nascimento, a morte, a concepção”, ele classificava o delinquente com uma forte concepção biológica em que o delinquente trazia do berço o tato pela prática criminosa, os fatos psicológicos presentes no indivíduo determinavam se este seria um criminoso em potencial ou se não causaria lesão para a sociedade.

Após a teoria Lombrosiana, surgiu a Sociologia Criminal de Enrico Ferri, com a Escola Positiva, a qual se voltava para as condições sociais em que o criminoso vivia, e acreditava que estas podiam influenciar a sua conduta. Para Ferri, a criminalidade derivava das características antropológicas assim como entendia Lombroso, entretanto, também se fazia necessário analisar os fenômenos sociais, físicos e culturais para assim traçar um perfil criminológico. Como destaca Baratta (2011, p. 39):

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Na sociologia criminale (1900), Ferri ampliava em uma completa e equilibrada síntese, o quadro dos fatores do delito, dispondo-os em três classes: fatores antropológicos, fatores físicos e fatores sociais. O delito era reconduzido, assim, pela Escola positiva, a uma concepção determinista da realidade em que o homem está inserido, e da qual todo seu comportamento é, no fim das contas expressão.

A partir deste momento a criminologia passa a ver o criminoso também como uma vítima da sociedade, Ferri leciona que a solução não está somente em punir, repreender e segregar o delinquente, é necessário que a pena atue de modo curativo e reeducativo. Segundo Enrico Ferri, Lombroso, Raffaelie Garófalo e Giulio Fioretti (apud ANDRADE, 1997, p. 273): “[...] a escola [criminológica positivista] pode ser resumida na seguinte proposição: as causas do delito são de uma tríplice ordem: individuais, físicas e sociais”.

Outro grande pensador da criminologia, que também foi um dos principais precursores desta ciência foi Cesare Beccaria (2008, p. 13) o qual trouxe os seguintes ideais humanistas para uma sociedade penalizadora:

Toda pena que não advier da absoluta necessidade, diz o grande Montesquieu, é tirânica. Uma proposição que pode tornar-se mais geral assim: todos os atos de autoridade de um homem sobre outro, que não derivem da absoluta necessidade, são tirânicos. É sobre isso que está fundamentado o direito do soberano em punir os crimes; ou seja, sobre a necessidade de defender a liberdade pública, confiada a seus cuidados, da usurpação por indivíduos; e as penas são tão justas quanto mais sagrada e inviolável é a liberdade que o soberano preserva aos seus súditos.

Podemos dizer que Beccaria (2008, p. 26) foi o idealizador do processo justo, que legitimou para o acusado que a pena a ele imposta seja de acordo com sua conduta criminosa:

[...] os crimes só podem ser medidos pelo prejuízo que causam à sociedade e que erram aqueles que creem que a verdadeira medida do delito é a intenção daquele que o comete, pois isso dependerá da impressão atual dos objetos nos sentidos e a disposição prévia da mente, e ambos podem variar entre os homens e mesmo no mesmo homem em momentos diferentes, segundo suas ideias paixões e circunstâncias. Alguns homens, frequentemente com a melhor intenção, causam o os maiores prejuízos à sociedade e, com a pior delas, faz o mais essencial dos bens.

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Se Lombroso foi o fundador da criminologia moderna, podemos dizer que foi com Beccaria que surgiram as Escolas criminológicas.

1.2.1 As escolas

Com a Revolução Francesa e o Iluminismo o pensamento liberal se difundiu na Europa. Tal pensamento liberal atacava, principalmente, a aplicação das penas, as quais eram consideradas extremamente cruéis e desproporcionais aos delitos praticados. Foi através da análise desta sistemática que Beccaria escreveu a obra “Dos Delitos e Das Penas”, instituindo a primeira escola criminológica, denominada de Escola Clássica. Como explica Baratta (2011, p.33):

Esta fase deliciosamente filosófica do pensamento penal italiano se abre com o pequeno e afortunadíssimo Dei delitti e delle pene, escrito por Cesare Beccaria em 1764. Este tratado é, como há muito a crítica amplamente demonstrou, menos a obra original de uma genial personalidade do que a expressão um movimento de pensamento, em que conflui toda a filosofia política do Iluminismo europeu e, especialmente, o francês. A consequência resultante para a história da ciência penal, não só italiana mas europeia, e a formulação pragmática dos pressupostos para uma teoria jurídica do delito e da pena, assim como do processo, no quadro de uma concepção liberal do estado de direito, baseada no princípio utilitarista da maior felicidade para o maior número, e sobre as ideias do contrato social e da divisão dos poderes.

Juntamente com Beccaria, nesta Escola Clássica, fizeram parte Francesco Carrara e Giovanni Carmignani, os quais afirmavam que o Estado surge como um grande pacto entre os indivíduos, que cedem pouco de sua liberdade e seus direitos pelo benefício da segurança coletiva. Os princípios fundamentais que norteavam a escola eram de que o crime caracterizava-se enquanto um ente jurídico, a punibilidade deveria ser baseada no livre arbítrio, e a pena, por sua vez, deveria ter um nítido caráter de retribuição pela culpa moral do delinquente, o que segundo Beccaria, devera prevenir o delito, pois irá instaurar e restaurar a ordem externa social (PENTEADO FILHO, 2012).

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Influenciados com os ideais libertadores do iluminismo da Escola Clássica, surge, no início do século XIX, a Escola Positiva. Esta escola possuiu três fases: a antropológica que era defendida por Lombroso; a fase sociológica, defendida por Ferri, e por último, uma fase jurídica a qual era apoiada por Garófalo. Nesta época já haviam sido publicados os primeiros estudos científicos sobre a criminalidade. A Escola Positiva tinha sob enfoque a questão bioantropológica do delinquente, e neste sistema, a criminologia estudava as causas da criminalidade.

Após a Escola Positiva, ainda tivemos a Escola de Política Criminal Alemã, a qual ampliou o conceito das ciências penais, da criminologia e da penalogia, explicitando as causas do delito, como também as causas e os efeitos da pena. Ademais, tivemos na história a Terza Scuola, que postulava o crime como fenômeno social e individual, a pena como caráter aflitivo, cuja finalidade seria a defesa social e, ainda, a diferenciação de imputáveis e inimputáveis (PENTEADO FILHO, 2012).

Ambas as escolas não tiveram muitos adeptos, permanecendo a Escola Clássica e a Escola Positiva como as precursoras e mais importantes para a criminologia como estudada atualmente, englobando o comportamento social do agente e as causas externas que contribuem para a criminalidade.

Atualmente temos o crescimento da Criminologia Crítica, que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, ganhando muitos adeptos em outros países. A criminologia crítica, nada mais é, do que um estudo dos conflitos sociais e sua influência na criminalidade. Busca criticar as mazelas das sociedades marginalizadas em razão da aplicação do plano econômico denominado capitalismo. Neste sentido Alessandro Baratta (2011, p. 165), explicita a essência da criminologia crítica:

[...] uma ideologia que cobre o fato que o direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização, comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduas a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas. Isso ocorre não somente com a escolha dos tipos de comportamentos descritos na lei, e com a diversa intensidade da ameaça penal, que frequentemente está em relação

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inversa a danosidade social dos comportamentos, mas com a própria formulação técnica dos tipos legais. Quando se dirigem a comportamentos típicos de indivíduos pertencentes às classes subalternas, e que contradizem as relações de produção e distribuição capitalistas, eles formam uma rede muito fina, enquanto a rede é frequentemente muito larga quando os tipos legais têm por objeto a criminalidade econômica, e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos pertencentes às classes do poder.

A criminologia crítica no entender de Baratta desvenda que a criminalidade é uma realidade social constituída pelo atual sistema criminal. Podemos dizer que na visão de Baratta a criminalidade é o resultado da desigualdade social. Como solução a este desvio de finalidade resultante do crime Baratta (2011, p. 197) coloca uma solução:

Construir uma teoria materialista (econômico-política) do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, e elaborar as linhas de uma política criminal alternativa, de uma política das classes subalternas no setor do desvio: estas são as principais tarefas dos representantes da criminologia crítica, que partem de um enfoque materialista e estão convencidos que só uma análise radical dos mecanismos e das funções reais do sistema penal na sociedade tardo-capitalista, pode permitir uma estratégia autônoma e alternativa no setor do controle social do desvio, ou seja, uma „política criminal‟ das classes atualmente subordinadas. Somente partido do ponto de vista do interesse destas últimas consideramos ser possível perseguir as finalidades aqui indicadas.

Podemos concluir, portanto, que o recente estudo da criminalidade por meio da criminologia crítica, nos remete a questão social do delinquente. Para que a sociedade possa contribuir para a diminuição da criminalidade, ela deverá ser repensar a prática criminosa sob o viés das classes marginalizadas, procurando encontrar soluções para a miséria e para os inúmeros fatores sociais, que afligem as populações carentes, gerados na maioria das vezes em razão da busca pelo lucro através do capitalismo.

1.3 Os fatores da criminalidade

Sabemos que em países desenvolvidos, nos quais a desigualdade social não ocorre de maneira tão perversa como no Brasil, locais em que os direitos do cidadão como saúde, educação, salário que promova condições de subsistência e moradia são respeitados, a criminalidade existe, porém, seus índices são insignificantes se

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comparados à criminalidade brasileira. Seguindo este raciocínio, e, analisando que no Brasil, por mais que existam programas de inclusão social, de ajuda aos mais carentes e de financiamentos estudantis, a desigualdade social ainda é das principais causadores da criminalidade.

Fatores como a pobreza, miséria, fome, analfabetismo e desemprego, destroem qualquer princípio moral ou ético do cidadão que possua a compreensão do certo e do errado. Não podemos exigir de alguém que esteja vivendo nas circunstâncias citadas anteriormente, sem nenhuma expectativa de que sua vida possa, através do trabalho e da educação, melhorar, que este não cometa crimes. A sociedade, indiretamente, o penaliza, colocando-o nestas circunstâncias tão deploráveis.

Claro que se deve ressaltar que a criminalidade não é cometida somente por cidadãos pobres e analfabetos. Os crimes de „colarinho branco‟, por exemplo, praticados por cidadãos de alto poder aquisitivo são tão, senão, mais gravosos que os delitos de roubo e de furto. Ocorre que a corrupção, o crime mais comentado na sociedade brasileira, não é perpetrada com violência ou grave ameaça à pessoa, ou seja, a população não sente “na pele” os efeitos da corrupção, da sonegação de imposto ou da lavagem de dinheiro, como sente a violência que ocorre nas ruas. Os crimes de corrupção ocorrem longe dos holofotes da mídia, vindo somente a gerar alguma relevância social, quando descobertos e, se, descobertos.

A criminalidade dos cidadãos de baixa renda gera uma enorme comoção social, também, em razão da influência dos meios de comunicação, capazes de hoje transmitir todos os acontecimentos da sociedade em tempo real e de maneira sensacionalista. Mais que isto, acaba acarretando uma exacerbada importância para o crime e para o criminoso, induzindo o delinquente ao desvio de conduta, ou, ainda, à esperança da impunidade. Débora Regina Pastana (2003, p.74) em seu livro Cultura do Medo se refere a este fator da seguinte forma:

Constatamos que as altas taxas de violência e de crime apresentadas pela imprensa e pela elite política brasileira servem para manter vivo o medo do crime como uma ameaça que vem das classes populares, as “classes perigosas”, aliás a maioria das

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vítimas. Isso tem permitido a manutenção de pautas intensamente ilegais na repressão ao crime neste período democrático recente. Pastana (2002, p. 131), ainda complementa:

Analisando a cobertura jornalística dada à criminalidade violenta no município de São Paulo, o que observamos também é que na maioria das informações sobre violência é acolhida acriticamente, como tema de notícias e matérias curiosas, de disfunção social, cotidianamente transformada em relatos jornalísticos sensacionalistas, por suas características potencialmente dramáticas e aterrorizantes.

Além da intervenção televisiva na criminalidade, e dos fatores supramencionados, não se pode deixar de mencionar a proteção da infância como um fator inibidor da criminalidade. De fato, é na infância que se forma o caráter do ser humano e é neste momento que a atenção deve se voltar para a prevenção da criminalidade. A criança deve estar amparada pelo poder público para que esta não seja mal influenciada por situações em que presencie ou participe de fatos negativos e que possam determinar sua conduta. Assim, pode-se afirmar que educação das crianças é um elemento importantíssimo para influenciar seu comportamento adulto e neste sentido se refere James Maxwell (apud FERNANDES, 2002, p. 399) “se pode esperar combatê-la (a criminalidade) velando pela educação das crianças; as probabilidades de se corrigir um adulto são menos seguras”.

A responsabilidade do Estado na educação das crianças, também é evidente:

O mestre deve conhecer os seus alunos, deve saber distinguir os que têm uma natureza congenitamente má, os que podem corromper os outros com os seus exemplos. Tais crianças não deveriam ser confundidas com seus companheiros bons ou moralmente indiferentes. Essa medida deve ser seguida não só pelas escolas primárias, como pelas secundárias ou superiores. Esse dever de

vigilância é do Estado, não só pelos pais, que lhes confiam os seus filhos, como também no seu próprio interesse. (MAXWELL,

1940 apud FERNANDES, 2002, p. 399, grifo nosso).

Não são somente os estudiosos da criminalidade que sabem que a educação é o pilar inibitório do mundo do crime, os próprios criminosos sabem que a educação é o primeiro passo para uma vida fora da criminalidade. Na obra O Mundo do crime, José Ricardo Ramalho (2002, p. 100) adentra a Casa de Detenção do Estado de

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São Paulo, e lá realiza uma pesquisa explorando como funciona a vida na cadeia. Em certo momento, o autor questiona aos detentos o que significa estar no mundo do crime, dentre diversas respostas alguns se manifestam aduzindo que a pobreza não gera a criminalidade, desde que a criança tenha uma família estruturada que lhe dê atenção e estudos e que não lhe deixe a mercê das circunstâncias:

Tenho impressão que isso aí é formação, educação dos pais desde pequeno. Os pais podem ser pobres, mas se desde pequeno colocam na cabeça do garoto que ele tem que estudar, tem que trabalhar, não deve roubar, isso e aquilo, a criança ai se criando naquele.. É pobre, vai ganhar o salário mínimo, mas sendo pobre, deixando de lado o filho, brigando, deixando sem estudos, sem nada, a cria abandonada a criança vai acabar roubando.

Por outro lado, também existem outros detentos que optam pela vida na criminalidade, não querem trabalhar e acabam fazendo do “mundo do crime” a sua vida, conforme traz Ramalho (2002, p. 102):

Tem muita gente que sai daqui na sexta, e na terça chega de volta. Por quê? Ele só quer delinquir. Este daí não tem recuperação, muitos não tem chance. Vai embora volta, vai embora, volta. Às vezes uma pessoa que chega com um inquérito aqui banal, não consegue ir embora. Porque a vida deles é esta, delinquir, não tem coragem de trabalhar, coragem de ... eles querem delinquir e a vida dele sé esta mesmo. O caminho, o objetivo deles é este, é roubar, não tem outro objetivo.

Existem diversos tipos de criminosos, ao analisar a pesquisa percebemos que muitos dos detentos culpam a sociedade de seu destino, eles precisam viver, precisam trabalhar para sustentar suas famílias seus filhos, as contas chegam, se ele não tem um emprego que lhe gere a mínima subsistência para prover o sustento familiar, não tem outra saída, ele vai delinquir, e assim o círculo vicioso do crime vai se mantendo, sendo que muitas vezes, estes delinquentes não são aqueles reconhecidos como “criminosos de fato”, eles entram no mundo do crime por fatores externos os quais o obrigam a cometer delitos, conforme ainda acrescenta a pesquisa de Ramalho (2012, p. 103):

Uma base de 20% estão recuperados e outros pretendem se recuperar e esperam o apoio lá fora. Tem muitos que dizem, quando eu sair daqui eu vou lutar, se eu tiver apoio, senão eu me desvio.

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Inclusive tem um no xadrez que era polícia, foi guarda muitos anos, lutou, lutou, depois foi destruído, foi para a vida do crime. Aqui dentro está recuperado, então ele diz, saindo lá fora, eu vou trabalhar, mas se eu ver que não dá certo, não vou ter apoio da sociedade ... porque tem gente que se sente destruído nesta situação. Agora se sou mal visto aqui, eu vou pra outro lugar, vou fazer tudo para ser bem recebido, vou viver de acordo. Se um dia um daqui que não me considerava chegar lá e disser alguma coisa, o de lá não vai acreditar. Você vai acreditar no que vê, não no que ouve. Quando eu sair daqui, pego minha família e vou para outro lugar.

Aqui, portanto, compreendemos um pouco da visão do apenado sobre ele mesmo, sob as diversas características que um criminoso pode adquirir. Tem os criminosos irrecuperáveis, aqueles que lutam e que não voltam para a prisão e, ainda, aqueles que lutam, contudo precisam da ajuda externa, da sociedade para lhe prestar apoio e lhe dar as condições mínimas para seguir em frente e, neste contexto, o trabalho é o fator social mais importe para a recuperação do criminoso.

Sobre os vários fatores referidos anteriormente vale ressaltar a posição de Penteado Filho (2012, p. 120, grifo do autor):

A vertente sociológica da criminalidade alcança níveis de influência altíssimos na gênese delitiva. Entre os fatores mesológicos, logo no início da vida humana destaca-se a infância abandonada (lares desfeitos, pais separados, crianças órfãs). Assiste-se a um número crescentes de crianças que ganham as ruas, transformando-se em pedintes profissionais, viciados em drogas, criminalizados sob o tacão de “pai de rua”, que as explora economicamente [...] As estatísticas criminais demonstram existir uma relação de proximidade entre a pobreza e a criminalidade. Não que a pobreza seja um fator condicionante extremo de criminalidade, tendo em vista a ocorrência dos chamados “crimes de colarinho branco”, geralmente praticado pelas camadas mais altas da sociedade.

Percebemos, portanto que os fatores da criminalidade são velhos conhecidos de toda a população brasileira. Estes fatores não se aplicam somente aos criminosos, mas sim, há uma grande massa populacional que vivem no limite da dignidade da pessoa humana, em favelas, morros, na margem de rios e geralmente nos grandes centros do país. Muito embora exista um grande número de variáveis condicionantes a inclusão do indivíduo na criminalidade, o ato individual da pessoa é quem irá a condicionar a marginalidade ou não.

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2 MECANISMOS ESTATAIS REPRESSIVOS

Sabe-se que a pena privativa de liberdade é hoje o meio encontrado pelo Estado de Direito de reprimir a prática de crimes, usando esta privação como castigo ao autor de delito e ameaça àquele que pretende seguir na mesma conduta. No início do convívio em sociedade, se experimentou inúmeras maneiras de coibir a prática criminosa, como por exemplo: a pena de morte; a tortura e a escravidão.

Com a obra Dos Delitos e Das Penas de Cesare Beccaria (2012, p. 15), no ano de 1764, o modelo penalógico que conhecemos hoje começou a se desenhar, ele afirmava em sua obra a necessidade da intervenção do Estado como condição da vida em sociedade. Conforme sua posição:

[...] se cada indivíduo é comprometido com a sociedade, a sociedade é igualmente comprometida com o indivíduo por um contrato que, por sua natureza obriga ambas as partes. Esse comprometimento, que desce desde o trono até o casebre e igualmente vincula o mais poderoso ao mais miserável dos homens, significa que é interesse de todos que as convenções úteis à maioria sejam observadas. A violação deste pacto por qualquer indivíduo é uma introdução à anarquia.

Este “contrato social” ao qual Beccaria se refere, seria o respeito e obediência às leis, as quais abrangem todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor ou posição social. O “contrato social” de Beccaria versa sobre a liberdade de ir e vir do cidadão, ou qualquer outro bem jurídico que pudesse incidir sobre este “pacto”, como a liberdade de expressão, a vida, a intimidade, liberdade de pensamento, seria ilegítima, partia do pressuposto que não se pode interferir nas escolhas da vida do cidadão, o Estado não pode penetrar em sua esfera privada. Conforme explica Salo de Carvalho (2008, p. 123), em sua Obra Pena e Garantias:

A pena privativa de liberdade, referida como „o‟ modelo sancionatório no projeto da modernidade, deveria ser centralizada na liberdade de ir, vir e permanecer. Lembre-se que a grande conquista do processo de secularização foi a de garantir ao indivíduo determinada esfera de liberdade na qual o Estado não pode penetrar (esfera da vida privada, da intimidade, da liberdade de pensamento, da liberdade de culto, da liberdade de associação política). Logo, quando Beccaria usa o termo „liberdade‟, vincula à liberdade de locomoção, única

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suscetível de cálculo no tempo, pois é algo que se projeta em linha reta do passado até o futuro, reorganizando o sistema punitivo.

Compartilha deste mesmo pensamento José Antônio de Paganella Boschi, o qual ao descrever o princípio da igualdade retorna aos ideais iluministas que formularam a Teoria do Contrato Social. O autor Boschi (2000, p. 29) descreve em sua obra Das penas e seus Critérios de Aplicação, que o “contrato social” acima referido nada mais é que a criação do Estado, a evolução da sociedade que vivia em uma época em que as leis não eram para todos, para a ascensão da igualdade para a toda a comunidade.

A partir desde momento começa se desenhar o modelo penal repressivo atual, a pena privativa de liberdade é um dos mecanismos estatais de controle da criminalidade usado pelo estado. Além da privação de liberdade, para crimes de menor potencial ofensivo existe a pena de multa, e a pena privativa de direitos, sendo estes os principais mecanismos estatais repressivos.

2.1 A pena

A pena hoje é a efetivação do poder de punir do estado, a reposta contra um comportamento antijurídico cometido pelo réu. A pena é, como a maioria dos operadores do direito se refere, um mal necessário para a manutenção da ordem pública, conforme esclarece Ester Eliana Hauser (1997, p. 7) em sua obra A Pena e o Sistema Penal: “a pena nasce com o homem e é reação ou vingança contra todo e qualquer comportamento indesejado”, ou seja, a pena nada mais é que a imposição de um castigo a alguém que praticou um comportamento tipificado na norma seja contra o particular ou contra o setor público, ou ainda algo que prejudique a sociedade em seu todo. Conforme já dizia Beccaria (2012, p. 37):

O objetivo da pena, portanto, não é outro que evitar que o criminoso cause mais danos à sociedade e impedir a outros de cometer o mesmo delito. Assim, as penas e o modo de infligi-las devem ser escolhidas de maneira a causar a mais forte e duradoura impressão na mete de outros, com o mínimo tormento ao corpo do criminoso.

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A pena é muito antiga, advém de histórias bíblicas que remetem a criação do mundo, como o caso de Adão e Eva, os quais foram punidos em razão de comerem o fruto proibido. A pena possui um surgimento e uma história muito mais bárbara que a própria história do crime e da criminalidade (relatados no capítulo anterior), a história da pena é tão infame em razão dos castigos aplicados em nome da justiça, como a tortura. A pena que transcendia do réu e era aplicada a toda sua família, muitas vezes, sem ter a certeza de que aquele que estava ali pagando com sua própria vida, era realmente o culpado pelo fato (BOSCHI, 2000, p. 88).

Conceituando o estatuto da pena, Durkheim (apud HAUSER, 1997, p. 16) afirma que o crime é “todo ato que, em qualquer grau, determina contra seu autor esta reação característica chamada pena”, Hauser (1997, p. 16) ainda completa “Sustenta, assim, que se o crime, durante toda a história da humanidade, não teve unidade de causa, sempre teve unidade de efeito: a pena” (grifo nosso).

E também, Sebastian Soller (apud HAUSER, 1997, p. 17) fundamentando a sanção penal juntamente com a finalidade da pena: “sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”.

De maneira que, a pena como conhecemos hoje nada mais é do que uma evolução da pena de morte, da pena de tortura ou da escravidão, além de tantas outras penas cruéis existentes em tempos passados. A pena hoje é o resultado de uma evolução da cultura, da religião, uma evolução da sociedade que deixou de criminalizar estereótipos, tudo isso em razão da conquista do povo, que escolheu viver em uma democracia, onde a liberdade, o livre arbítrio e a liberdade de expressão prevalecem. Desta sociedade democrática de direitos surgem poderes sem ligação entre si, os quais acima de tudo devem fazer prevalecer a verdade e a justiça.

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2.1.1 Origem e evolução da pena

Desde que ouvimos falar no surgimento da vida, temos histórias, contos ou até mesmo lendas que se referem a castigos, a ira de Deus e a vontade dos Deuses. Essas manifestações de insatisfação com a atividade humana era demonstrada inicialmente através de eventos naturais, como trovão, as tempestades ou o fogo. Com a formação de tribos e o início da vida, ainda primitiva, mas em grupo, se iniciaram os conflitos e a vingança de sangue, quando o causador de um mal sofria do mesmo mal que causou, ou ainda era retirado do convívio do grupo. Com efeito, surgiu à primeira “lei” que se tem notícia, o qual regulamentava os crimes, o Código de Hamurabi, o qual semeou o ditado “olho por olho, dente por dente”, após veio a lei de Talião, também muito cruel, o qual punia somente o autor do delito individualmente, separando aqui, a pena que acompanhava toda a família (BOSCHI, 2000, p. 90).

A pena surgiu em sua natureza na vontade de se fazer justiça, e isso a qualquer preço, se pagando a dívida com sua própria vida, ou com sua força de trabalho. Com a evolução cultural, surgiram doutrinas reguladoras da pena, como, a Lei de Talião, que nada mais se tratava, do que o mal que o indivíduo resultasse para outro, seria a ele imposto na mesma ou maior intensidade. Esta regra também sucumbiu na ignorância do povo para época, surgindo após a composição, onde alguém bem quisto da comunidade intermediaria os conflitos do local, sua função era encontrar a melhor solução para ambas as partes, quando assim fosse possível, a pena de composição abrangia o pagamento em dinheiro ou em bens à vítima, conforme afirma Boschi (2000, p. 91): “Ao talião seguiu-se nova espécie de pena, limitadora da vindita: a composição, que ensejava à vitima e familiares indenização em dinheiro ou entrega de bens, na conformidade das regras legais ou consuetudinárias”. A composição era o início do sistema atual, onde um terceiro não interessado na causa analisa os fatos de maneira imparcial e aplica a pena àquele que julgar culpado. Seria esta a natureza lógica da pena se observado o viés da evolução.

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Após, com as cruzadas da Igreja Católica surgiu a Inquisição e seus Inquisitores, uma nova onda de justiça e de aplicação de pena, que era realizada sempre em nome da vontade de Deus. Sem sombra de dúvidas, a fase mais desumana e tirânica da evolução das penas, neste sentido também é o entendimento de Boschi (2000, p. 93):

Essa foi, portanto, uma época em que as penas estatais expressaram, unicamente, a ira do poder absoluto dos reis e da igreja contra os súditos que ousavam pensar diferentemente da cartilha religiosa. Época que haveria de perdurar longamente, em que o direito e suas penas de morte, cruéis e infamantes, estiveram a serviço da opressão e da intolerância em nome de interesses políticos e de cominação inconfessáveis.

Não concordando com esta maneira de pensar e de punir, surgiu a Reforma de Martinho Lutero, que coibiu de certa forma as atrocidades praticadas pela Igreja católica. Alguns pensadores da época concluíram que não havia qualquer ligação da Igreja e de Deus com o Estado, criando a partir daí, os novos ideais Iluministas, racionalistas e contratualistas, abrindo diversas dimensões de pensamentos dentre eles espaço para Beccaria, com a Escola Clássica, que alterou todo o entendimento da concepção e aplicação da pena que se tinha até aquele presente momento. Beccaria criticou a pena imposta ao corpo e a vida do condenado, defendendo o fato de que a privação da liberdade de locomoção era o único meio legal, do qual o estado poderia se valer como instrumento de justiça e de aplicação de pena.

Não é a intensidade da dor que causa o maior efeito na mente, mas sua duração, pois nossos sentidos são mais fácil e fortemente afetados pelas impressões fracas e duradouras do que por aqueles impulsos mais violentos e momentâneos. O poder do hábito é universal sobre todos os seres. É através dele que aprendemos a falar, andar e satisfazer nossas necessidades, da mesma forma, as ideias de moralidade são gravadas em nossa mente por repetidas impressões. A morte de um criminoso é um espetáculo terrível, mas momentâneo e, portanto, um método menos eficaz de impedir a outros do que o exemplo contínuo de um homem privado de sua liberdade, condenado a reparar com seu trabalho, como uma besta de carga, os males que causou à sociedade (BECCARIA, 2012, p. 81).

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Beccaria emerge em um novo discurso, que transcende o fato da abolição da pena de morte, mas ele entra no fato de que o criminoso deve pagar o mal que causou à sociedade, ele realiza uma reflexão que altera os questionamentos da época, os quais somente questionavam – Quem punir? Mas reflete: - Porque punir? Como punir? Nesta fase de aplicação da pena inicia-se o questionamento de sua finalidade.

2.2 A finalidade da pena

A finalidade da pena pode ser descrita de diversas maneiras, o clímax que existe em conceituar este instituto é a maneira como será abordado. Podemos descrever a finalidade da pena conforme o longo desenvolvimento da sociedade e de suas adaptações frente à evolução, ou, podemos descrever sua finalidade apenas sob o viés do utópico, principalmente no que diz respeito à sua finalidade na atualidade, a qual difere muito do que se busca.

As penas estão dispostas conforme a gravidade do delito praticado pelo acusado, quanto mais grave a ação, maior será a pena a ele aplicada, existem algumas maneiras de aplicação desta pena, ela pode ser tanto repressiva como restitutiva. A pena repressiva ataca o agente que praticou o delito de maneira a atingir sua liberdade, patrimônio e até mesmo de sua honra, esta espécie de aplicação da pena busca retirar do condenado algo que ele desfrute. Já a pena restitutiva busca em sua essência, reverter o mal causado perante a outra pessoa, restabelecendo as relações que restaram perturbadas em consequência de seus atos (HAUSER, 1997).

Esta finalidade mudou, hoje não podemos dizer que a pena possui seu fim no castigo, mas sim na ressocialização do infrator, a finalidade da pena é educar o delinquente para que este não volte mais a praticar os delitos que o levaram àquela situação, além de usá-lo como exemplo. Buscando esclarecer a natureza e finalidade da pena é necessário analisar as Teorias da Pena, conforme entendimento da Professora Ester Eliana Hauser (1997, p. 44) “Para uns trata-se de puro castigo, com vistas a retribuir o mal praticado (teorias absolutas), Para outros, a

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pena não busca retribuir o fato delitivo cometido, mas sim prevenir a sua comissão, através da prevenção geral (teorias relativas)”.

Para melhor entendermos a finalidade da pena, necessário se faz entendermos as teorias que a ela remetem.

2.2.1 As teorias da pena

Buscando justificar a finalidade da pena surgiram as teorias da pena, as quais tentaram encontrar, como já dito anteriormente, uma finalidade para a pena, conforme nos ensina Hauser (1997, p. 7) “Sabe-se que o discurso jurídico-penal prevalecente tem historicamente delimitado para a pena uma tríplice finalidade: retributiva, preventiva e ressocializadora”.

2.2.1.1 Teoria absoluta ou retribucionista

Cesar Roberto Bitencourt (1993) afirma que a teoria retribucionista que teve origem tradicionalmente com Immanuel Kant, fundamentando eticamente, e com George Friedrich Hegel, analisando segundo a ordem jurídica.

Já, José Antônio Paganella Boschi (2000, p. 103) afirma que a teoria surgiu com a Escola Clássica de Beccaria, Locke, Rousseau e Montesquieu:

A ideia de interesse público desconhecida no regime feudal e ignorada pelo direito canônico, voltado para a ideia de „confissão pela dor‟, forneceu inspiração para que a Escola Clássica, com Beccaria, Locke, Rousseau e Montesquieu, passando, depois, por John Howard, Jeremias Bentham e outros, pudesse desenvolver a primeira teoria justificadora da pena: a da retribuição.

Esta teoria foi a primeira a abordar a pena como o resultado de um ato, e assim justificando-a, seria a retribuição do mal com o mal, entendendo que a pena se justifica em si mesma, é a retribuição com castigo. Conforme entendimento de César Roberto Bitencourt em seu livro Falência da Pena de Prisão (1993), a aplicação da pena dentre a maioria dos operadores do direito se justifica em razão de sua necessidade, não sendo possível sem ela o convívio em sociedade.

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Contrariando o que muitos juristas defendem, Bitencourt não acredita que retribuindo a prática de um mal, com outro mal se chegará há algum lugar, por mais que seja reconhecido um pequeno caráter preventivo dentro desta teoria a mesma não justifica os meios através do fim que proporciona.

A principal resistência encontrada por Bitencourt (1993) e Boschi (2000) ao descreverem e tentarem justificar a teria retribucionista da pena, é que ela não possui nenhuma finalidade, não há que se questionarem os fins a serem alcançados através dos meios aplicados, em razão de que não existe qualquer propósito com a aplicação da pena, ela se justifica na retribuição tão somente pela retribuição, não há caráter ressocializador, pode-se dizer que a aplicação desta teoria justificaria o controle da sociedade para com o criminoso, tornando o Estado, portanto, o único legitimado para punir aquele infrator.

Já dizia Beccaria (2012), o que reprime o criminoso não é a intensidade, o tempo ou a gravidade da pena, mas sim a certeza de sua aplicação, porquanto, quanto mais certeza o provável criminoso tiver de uma futura sanção, mais o Estado o inibirá de praticar o crime. Sobre a teoria retribucionista podemos considerar que não há outra finalidade que não seja punir o condenado. Neste sentido Kant (apud BITENCOURT 1993, p. 106), “[...] o mal não merecido que fazes a teu semelhante, o fazes a ti mesmo; se o desonras, desonras-te a ti mesmo; se o maltratas ou o matas, maltratas-te ou te matas a ti mesmo”.

A conclusão que Bitencourt (1993, p. 106) acerca deste posicionamento de Kant, sobre a retribuição da pena, é a de que não há qualquer tentativa de prevenção de crimes na Teoria retribucionista:

Em síntese, Kant considera que o réu deve ser castigado pela única razão de haver delinquido, sem nenhuma consideração sobre a utilidade da pena para ele ou para os demais integrantes da sociedade. Com esse argumento, Kant nega toda e qualquer função preventiva – especial ou geral - da pena. A aplicação da pena decorre da simples infringência da lei penal, isto é da simples prática do delito.

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Destarte, a função tão somente retribucionista da pena tenta agir na sociedade de maneira a criar uma coação psicológica a pratica de crimes. Porém, diferentemente do posicionamento totalmente arbitrário de Kant, Hegel nos diz que a justificativa da aplicação da pena não é criar um mal em função de um mal já resultado, mas, sim, fazer valer a lei, ele resume toda sua tese somente em uma frase, Hegel (apud BITENCOURT 1993, p. 106) “a pena é a negação da negação do Direito”, interpretando a famosa frase de Hegel, Bitencourt (1993, p. 107) assim explica:

[...] Neste caso a tese está representada pela vontade geral, ou se preferir, pela ordem jurídica; a antítese resume-se no delito como negação do mencionado ordenamento jurídico e, por último, a síntese vem a ser a negação da negação, ou seja, a pena como castigo do delito.

Portanto Hegel traduz, que a partir do momento que uma regra jurídica é quebrada, quem a quebrou deve ser responsabilizado por isso, até para seu próprio bem, sendo desta maneira, tratado como um cidadão que possui direitos, e deveres, no tocante à sociedade em que vive. No momento em que a pena é aplicada, a lesão sofrida pela vítima é regenerada e o equilíbrio jurídico é retomado. Através desta análise Hegel justifica juridicamente a necessidade do caráter retributivo da pena. Conforme interpretação de Hauser (1997, p. 9) “A justiça penal preocupa-se mais com o que o acusado é do que com o que ele fez”.

Um dos maiores críticos desta teoria é Claus Roxin (apud BITENCOURT 1993, p. 113) o qual relata que é impossível eliminar um mal fazendo uso de outro mal, refere que o condenado é usado como “bode expiatório” da sociedade, a qual quando verifica que há alguém pagando por aquele fato deixa de se culpar pelo acontecido e também passa a condenar. A teoria retribucionista faz Roxin relacioná-la com a pena de vingança de tempos passados, causando uma utopia de justiça, com as palavras de Bitencourt (1993, p. 114), “A realização da Justiça é uma função praticamente incompatível com aquela atribuída ao Direito Penal, que consiste em castigar, parcialmente, os ataques que tenham por objeto os bens jurídicos protegidos pela ordem legal”. Porém, Roxin não é só críticas, ele oferece a solução

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para a teoria, a prevenção, referindo que o modelo mais apropriado para a aplicação da pena seria a prevenção.

2.2.1.2 Teoria relativa ou prevencionista

As teorias preventivas possuem algumas diferenças da teoria retribucionista. Elas também conservam seu caráter retributivo, pois assim como a teoria anterior, também usa a pena como principal ferramenta de repressão aos crimes, porém visa prevenir a prática delituosa. A teoria prevencionista não usa a pena como retribuição de um mal, mas aplica a pena ao indivíduo, para que ele entenda que não deve mais delinquir, e a sociedade perceba que não se pode delinquir.

Jeremy Bentham, Arthur Schopenhauer e Ludwig Feuerbach, segundo Boschi (2000, p. 113), foram os “partidários dessa corrente doutrinária”, defendiam que a punição serviria como um exemplo para que outros não praticassem os mesmos atos daquele que foi punido, mas principalmente, para que aquele se sofresse a sanção não reincidisse no crime. Esta teoria segundo os doutrinadores encontra-se subdividida, em Parte Geral, que visa prevenir a prática de delitos por outras pessoas através da pena, esta teoria da prevenção geral reflete o medo na sociedade. E divide-se também em sua parte chamada Preventiva Especial, ela busca que o próprio criminoso, que venha a sofrer a sanção, não cometa mais delitos, sendo que esta não se dirige à coletividade, mas somente ao autor do delito. Conforme entendimento de Bitencourt (1993, p. 122) a tese especial da teoria pode ser sintetizada em três palavras “intimidação correção e inocuização”, a pena possui aqui uma função social que é a defesa da sociedade, fazendo com que aquele indivíduo que ameaça a sociedade e o bem social, não retorne a delinquir e afetar a harmonia da comunidade. A norma busca assim, fazer com os delinquentes (forma especial) e os indivíduos da sociedade (forma geral), respeitem as leis.

Neste ínterim Boschi (2000, p. 113) assim declara “[...] propõe que já não mais se olhe para o passado, e sim para o futuro, ou seja, para além da linha do horizonte, com a justificativa de que a punição é necessária para que o infrator não volte a cometer crimes”. A prevenção dos crimes, cria facetas positivas, ela pune o culpado, reforça a sensação de segurança da população, fortalecendo a segurança

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jurídica. Negativamente a teoria retribucionista serve de exemplo para outros indivíduos.

Para a teoria preventiva, o condenado serve de retrato do que pode vir a acontecer com aqueles que também infringirem as leis. Cesare Beccaria (2012, p. 37) quando descreve sobre o objetivo das penas, assim se refere:

O objetivo da pena, portanto, não é outro que evitar que o criminoso cause mais dano à sociedade e impedir a outros de cometer o mesmo delito. Assim, as penas e o modo de inflingi-las devem ser escolhidas de maneira a causar a mais forte e duradoura impressão na mente de outros, com o mínimo tormento ao corpo do criminoso.

No Brasil, a Teoria retribucionista passou a integrar a legislação com o advento da Reforma de 1984, através do artigo 59 do Código Penal e do artigo 1º da Lei de Execuções Penais. O artigo 59 o Código Penal, instaurou a prevenção dos delitos através da pena em seu texto, quando estabeleceu que o juiz, ao fixar a pena base do condenado, deva analisar sua personalidade, circunstâncias, consequências, culpabilidade, antecedentes, conduta social, motivos e o comportamento da vítima, além de analisar todos estes aspectos, deve ainda estabelecer a pena base, de maneira que esta atenda os requisitos de reprovação e prevenção do crime. A lei de Execuções penais refere sobre o caráter ressocializador que a pena deve ter, quando descreve que ela deve proporcionar a harmonia e a integração social do apenado.

Estando, portanto, assegurado na legislação brasileira que a pena possui caráter prevencionista e ressocializador, porém, segundo Claus Roxin (apud BOSCHI, 2000 p. 120) “que o condenado tem direito à ressocialização, mas que, pode decidir por si mesmo até onde quer fazer uso deste direito”. Não cabe, portanto, ao legislador ou ao juiz decidir isto, este critério diz respeito à personalidade do agente e seus valores éticos, os quais não são comuns a todos, e a recusa do apenado em absorver o sistema, não pode ser considerada ilegítima, conforme reitera Boschi (2000, p. 125) “[...] embora, como já dissemos antes, a ressocialização seja um direito, e não um dever”.

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A principal circunstância contrária a ressocialização do condenado através da pena – consequentemente da prisão – é o fato de que a ideologia da ressocialização não existe no interior do cárcere, um ambiente totalmente hostil aos valores propagados na sociedade, e ao qual esta requer que o condenado aprenda e perpetue quando retornar ao convívio com os demais. Impossível! O ambiente carcerário é propenso a fazer com que o apenado deixe de lado seus valores e crenças, para sobreviver dentro da máquina, lá o condenado precisa se adequar as leis do confinamento e passar a administrar diariamente as ameaças, os assédios sexuais e dever favores e respeito ao líder da prisão. Segundo refere Boschi (2000, p. 124):

A penitenciária, como instituição total, é, pois, tão envolvente e massificante, que possui efeitos devastadores sobre as pessoas que interagem no contexto das redes informais que ali se estabelecem, gerando depressões, degradações, humilhações restrição ou aniquilamento da privacidade. Desses efeitos não escapam sequer os funcionários encarregados da execução

.

O que percebemos com esta análise é que a aplicação da pena somente em razão de seu caráter retribucionista seria um terrorismo jurídico “castigar por castigar”. Em desencontro com este entendimento surge o caráter prevencionista da pena, que insere o conceito de que a pena deve prevenir o aumento da delinquência e ressocializar o condenado para que esta retorne em condições de viver em sociedade.

O que impede que a pena prevencionista logre êxito, é a situação carcerária precária, tanto no Brasil como no resto do mundo, não há condições de estabelecer harmonia e integração social no interior do cárcere, os apenados após serem presos tentam manter sua dignidade e buscam a sobrevivência dia a dia.

Para que a pena ressocialize o condenado, conforme já dizia Luigi Ferrajoli – defensor da teoria retributiva - consoante Boschi (2000, p. 127) a prisão deve oferecer as condições humanas da melhor maneira possível, sendo este o menos aflitivo possível, devendo o mesmo ter chance de estudar e trabalhar.

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2.3 A pena de prisão

Conforme já dito anteriormente, a pena é o „castigo‟ aplicado ao delinquente, no Brasil e na maioria dos países, a prisão é o meio conveniente ao Estado, adotado para retirar do convívio da sociedade, aquele que praticou um crime. O fato de os criminosos serem retirados do convívio alheio cria um sentimento de proteção para com a comunidade, a qual não convive mais com o transgressor dos valores propagados pela coletividade. O infrator é privado de sua liberdade de locomoção, dentro de um estabelecimento público e ali permanece até ter cumprido com sua punição, a ideologia do sistema é que durante este tempo em isolamento da coletividade, longe de sua família, de sua casa, e de suas distrações, que o delinquente tenha recuperados os valores perdidos e esteja pronto para viver novamente na sociedade estando ele “ressocializado”.

Infelizmente, esta ideologia é um tanto quanto fantasiosa, sabe-se desde os primórdios que as penitenciárias não possuem condições quase que nenhuma de permitir que o apenado possa ter algum progresso de sua índole e valores inclusos no meio hostil enfrentado no interior do cárcere. A pena de prisão teve sua origem na Idade Média, quando os suspeitos por crimes aguardavam em masmorras seus julgamentos ou a própria execução. Após, a pena de prisão evoluiu e passou a ter o Estado como detentor de sua administração, o qual não era democrático, tendo as leis e suas aplicações decididas por seus líderes, as penas eram aplicadas principalmente aos inimigos, ou àqueles que ameaçam o poder dos líderes. Logo com o crescimento da Igreja Católica surgiu a prisão eclesiástica, a qual não aplicava os meios cruéis da Idade Média e era mais branda com os condenados, servindo como uma espécie de “autoajuda” a prisão era o ambiente para refletir os atos cometidos. Neste momento da história da pena de prisão privativa de liberdade insurge o pensamento ressocializador ao condenado, através da prisão canônica. A Igreja usava a prisão como penitência, tentando fazer com que o apenado refletisse sobre os atos praticados (BITENCOURT, 1993; HAUSER, 1997).

A crise da pena de morte na segunda metade do século XVIII, em razão de que os índices de crimes vinham crescendo descontroladamente – A Pena de Morte – não estava impedindo os delinquentes de cometerem crimes, em razão das

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tensões sociais da época. Aqui, a pena privativa de liberdade foi o grande avanço para conter a marginalidade sendo o meio eficaz para o controle social em razão de seu retorno econômico, conforme assegura Bitencourt (1993, p. 35):

Fora das épocas de crise o confinamento adquire outro sentido. À sua função de repressão adiciona-se uma nova utilidade. A gora já não se trata de encerrar os desempregados, mas de dar trabalho àqueles que estão encerrados e fazê-los uteis à prosperidade geral . A alternância é clara: mão de obra barata, quando há trabalho e salários altos; e, em períodos de desemprego, reabsorção dos ociosos e proteção geral contra a agitação e os motins.

Michel Foucault na obra Vigiar e Punir, a qual relata a cruel história das prisões, também refere em seu texto o grande avanço que a pena privativa de liberdade obteve atendendo as exigências sociais do momento em que se originou, como meio eficaz de combate à criminalidade. Ele já dizia que a prisão deveria ser usada para remodelar o criminoso para que este possa ser usado pelo sistema capitalista, in verbis:

À época clássica utiliza o confinamento de uma maneira equivocada, para fazê-lo desempenhar um duplo papel; reabsorver o desemprego, ou, pelo menos, apagar os seis efeitos sociais mais visíveis e controlar as tarifas quando houver risco de subirem muito, atuar alternativamente sobre o mercado de mão de obra e os preços de produção (FOUCAULT, 2010, p. 73).

Em um primeiro momento esta ideologia de tornar o preso uma mão de obra barata e fazer com que o mesmo promova um bem a sociedade e não seja somente um fardo a ser carregado por esta, serviu, e muito bem, para acalmar os ânimos mais exaltados da comunidade que vivia uma crise social e econômica crítica. Em pouco tempo, se observou que esta não era a melhor saída, conforme o próprio Foucault refere no trecho supramencionado, o confinamento foi uma maneira „equivocada‟ de tentar dar cabo ao problema da violência. Tendo o projeto que surgiu para remodelar o indivíduo, retornar índoles desviadas e propensas aos crimes em índoles honestas saído pela culatra, criando criminosos ainda mais violentos e novos criminosos no interior do cárcere.

A privação da liberdade nesta época serviu segundo Foucault (2010), somente para um fim: recrutar, fabricar e produzir delinquentes. Não podemos

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