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Período da colonização da Região Bragantina e da Estrada de Ferro de Bragança

Na maior parte da Amazônia, a economia da borracha signifi- cou, do ponto de vista da rede urbana, um reforço à estrutura de uma rede urbana dendrítica, com o surgimento de muitos pequenos núcleos, o revigoramento de alguns antigos, o aumento das intera- ções entre os núcleos, simbolizado na figura do regatão, e também a afirmação de Belém como cidade primaz dessa rede urbana forte- mente hierarquizada (CORRÊA, 2006c).

Todavia, o Nordeste Paraense passou por um processo distinto da maior parte da Amazônia nesse período, entre outras razões, por não ser uma área relevante na extração de borracha e por não estar organizado em torno dos grandes rios. Apesar disso, cumpriu um importante papel no âmbito da economia da borracha: o fornecimen- to de produtos alimentícios para a cidade de Belém, que passava por forte expansão urbana ao mesmo tempo em que a agricultura en- trava em crise na região por conta do deslocamento de mão-de-obra para as áreas de extração da borracha (PORTO-GONÇALVES, 2008).

No final do século XIX, o governo da Província do Pará deu iní- cio a uma política de colonização da chamada Região Bragantina, primeiramente, apoiado na inserção de europeus e depois utilizando

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migrantes nordestinos. O ponto forte e que consolidou essa política foi a construção da Estrada de Ferro de Bragança – EFB. Nas pala- vras de Leandro e Silva (2012, p.165):

O fundamento econômico da ferrovia eram as colô- nias que se pretendia criar com o fomento à imigra- ção europeia. Os dois elementos – a ferrovia e as co- lônias de imigrantes europeus – complementavam-se numa expressão da modernidade na zona de produ- ção agrícola do estado do Pará. Junto ao empreendi- mento colonizador, justificado pela criação de uma moderna zona produtora de alimentos, a ferrovia foi implantada para encurtar, no tempo, as distâncias que separavam as localidades no entorno de seu cur- so, fazendo circular, entre Bragança e Belém, a pro- dução dessas localidades.

Chegado o século XX, a avaliação do governo provincial sobre a política de colonização da bragantina não era das mais positivas, culminando com a emancipação das colônias em 1902, no governo de Augusto Montenegro, e com a estagnação do processo de cria- ção de novas colônias, com isso, o longo trecho da estrada de ferro construído neste governo, não as possui (ÉGLER, 1961). Segundo a mesma autora, “dos 12.029 colonos espanhóis introduzidos restavam radicados nas colônias, em 1902, apenas 1802” (p.81). A colonização prosseguia basicamente alicerçada na migração nordes- tina, com a proeminência daqueles oriundos do Estado do Ceará. Sobre as razões do não alcance dos objetivos traçados inicialmente pelo governo da Província com relação à política de colonização da bragantina, assim comenta Égler:

As causas deste malogro são sempre apontadas pe- los sucessivos administradores como sendo a falta de adequada administração das colônias, deficiência do apoio oficial e falta de propaganda no exterior para atrair maiores levas de imigrantes. Causas locais, como baixa fertilidade dos solos, dificuldades climáti- cas ou incidência de pragas na lavoura não são refe- ridas. Procurando justificar a existência das colônias e as vultosas despesas consumidas na instalação e manutenção das mesmas, os relatórios primavam em apresentar estatísticas de produção, sem esclarecer,

no entanto, a quanto correspondia aquela produção em área cultivada, capital aplicado e esforço despen- dido (1961, p.81).

Égler destaca o papel da fragilidade do solo, que estava submeti- do a um manejo tradicional, assinalado pela derrubada da floresta e posterior queima buscando o aproveitamento das cinzas geradas na fertilização do solo, o que até ocorre, mas em caráter decrescente. Isto é, na primeira colheita se tem uma boa fertilidade, que vai reduzindo a cada novo ciclo de produção, até se tornar inviável às culturas mais exigentes, como é o caso de cereais como milho e arroz. Isso expli- caria, inclusive, a presença em destaque da farinha de mandioca na região, que possui poucas exigências em termos de fertilidade do solo.

Essa discussão sobre a baixa fertilidade do solo do Nordeste Pa- raense é aprofundada por Penteado (1967a; 1967b), que, mesmo re- conhecendo a grande representatividade da região no Estado do Pará, em termos econômicos, adverte para os limites produtivos: “há limi- tações da produtividade da Bragantina, decorrentes de certas condi- ções do meio natural. O problema da pluviosidade e dos solos e suas relações com o uso da terra [...] não pode ser relegado a um plano secundário [...]” (PENTEADO, 1967b, p.462). Ainda cita a questão da devastação das florestas e a consequente expansão das capoei- ras para elaborar um quadro de limitações à produção de excedentes econômicos em escalas crescentes que garantisse a acumulação de capitais e a ampliação do processo de modernização da região.

Apesar disso, Penteado (1967a) destaca a inquestionável im- portância econômica, especialmente agrícola e populacional que a região bragantina7 possuía no Estado do Pará em meados do século

XX, enfatizando não ser exagero afirmar que grande parte da popu-

7 É conveniente destacar que a região bragantina abordada por Penteado (1967a, 1967b) não coincide

inteiramente com o recorte considerado neste trabalho sobre a denominação Região Nordeste do Pará (Figura 10). O autor considera a bragantina como a extensão de terras ao longo da Estrada de Ferro de Bragança, que vai do município de Belém ao município de Bragança, passando pelos muni- cípios de Ananindeua, Santa Isabel, Castanhal, Anhanga (atual São Francisco do Pará), Igarapé-Açu, Nova Timboteua e Capanema. Desse modo, diferenciando-se do aqui considerado Nordeste do Pará, que não inclui a Região Metropolitana de Belém e que abrange a zona costeira (Região do Salgado) e uma área mais avançada no sentido sul, sob forte influência de Castanhal, que vai até Aurora do Pará.

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lação do Pará vivia de produtos originários da região, “[...] pois que ela é, evidentemente, o grande mercado abastecedor da capital e de si mesma, o que equivale dizer que dela dependiam para viver 40% dos paraenses recenseados em 1960” (p.26).

Com base no censo agrícola de 1950, destaca que, com rela- ção às culturas permanentes, a bragantina possuía, considerando o total da produção do Estado do Pará, 35,6% da produção de coco, 30,4% da de abacates, 24,2% da de laranjas, 20% da de goiabas e 17,3% da de limões. Produtos alimentares e de grande importância para a subsistência, como a mandioca, o arroz e o milho, correspon- diam sempre a mais de 40% da produção total do Estado.

Quanto à ferrovia, levou 25 anos para ser concluída, tendo iní- cio sua construção em 1883, mais precisamente, de acordo com Cruz (1973, p.651), “no dia 24 de junho de 1883 foi assentado o primeiro trilho da Estrada de Ferro de Bragança”, e o término apenas em 1908. Porém, desde 1884, um ano após o início das obras, o primei- ro trecho da ferrovia, com uma extensão de 29 km ligando Belém a então colônia de Benevides, já estava em funcionamento. Em 1885, a ferrovia já possuía 60 km de extensão e já alcançava a Colônia de Apeú, hoje distrito de Castanhal. Mas, a partir desse período o ritmo da obra se tornou muito lento e irregular. Em 1886, a ferrovia, que era de controle privado, passou a ser da competência do governo da Província do Pará, que mais tarde acabou passando esse controle ao governo federal (LEANDRO e SILVA, 2012). Égler (1961, pp.77-78) resume bem o processo de construção e o funcionamento da EFB:

Após uma série de atrasos, a construção foi finalmen- te iniciada em junho de 1883. Além do compromisso da construção da via férrea, o contrato [entre o gover- no da Província do Pará e a empresa concessionária] estabelecia ainda a obrigação da concessionária de introduzir 10.000 colonos, na base de 2.500 por ano. A 9 de novembro de 1884 inaugurava-se o primeiro trecho de 29 quilômetros, até a colônia de Benevides. A mesma empresa concessionária construiu o trecho seguinte, até Apeú, atingido em 1885. Não tendo sido alcançados os resultados previstos em matéria de rendimento econômico, os serviços foram suspensos

e o governo da província viu-se na contingência de encampar a estrada de ferro, nesta altura com 62 quilômetros em tráfego.

Somente em 1887, a cargo de um empreiteiro, a construção da estrada sofreu novo impulso, chegan- do os trilhos a Jambu-Açu, distante 105 quilômetros de Belém.

Daí em diante a construção se tornou mais morosa ainda, tanto que até 1907 apenas tinha avançado 31 quilômetros. Através de novo empreiteiro, o trecho final, até Bragança, foi finalmente inaugurado, em maio de 1908.

Vinte e cinco anos tinham decorrido desde o assen- tamento dos primeiros trilhos e o percurso total não chegava a alcançar 300 quilômetros de extensão. Além da estrada-tronco, cujo ponto inicial tinha sido deslocado para o Passeio Público, no centro da cida- de [de Belém], foram construídos os ramais de Bene- vides, Pinheiro e Colônia do Prata. Do prolongamento da estrada em demanda de São Luís ninguém cogita- va mais. Um prolongamento em bitola mais estreita foi levada até a colônia Benjamin Constant, aí finali- zando a construção.

Desde a sua fundação a Estrada de Ferro de Bragan- ça funcionou sempre em regime deficitário, pesando sensivelmente nos cofres públicos. [...]

Em 1921, entretanto, LAURO SODRÉ8 não vê outra

solução senão apelar para a encampação da estra- da pelo governo federal, sendo efetuada a necessária avaliação e inventário. A transação é realizada em 1923 pela quantia de 17 mil contos de réis, ficando a exploração da estrada a cargo do governo estadual mediante arrendamento, até 1936. Neste ano, conti- nuando em regime deficitário, passou definitivamen- te para a administração federal.

O grande problema da Estrada de Ferro de Bragança, como fica claro no trecho extraído de Égler (1961), era seu funcionamento fre- quentemente deficitário, o que durante o período áureo da borracha

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não foi um grande problema, pois os cofres públicos arcavam com os prejuízos. Contudo, passada a economia gomífera e num contexto de constante crise econômica da região, somado ao advento da polí- tica nacional de expansão das rodovias, a EFB, com seus 220 km de extensão ligando Belém e Bragança, foi extinta pelo governo federal em 1965 (SIQUEIRA, 2008).

A política de colonização da região bragantina promovida pelo governo da Província do Pará, inicialmente por meio da vinda de eu- ropeus e, mais tarde, com muito mais densidade, mediante a forte migração nordestina, teve importância fundamental na ocupação da região e na estruturação da rede urbana. Leandro e Silva (2012) de- monstram que, no final do século XIX, com a política de colonização, houve uma intensificação da ocupação da região bragantina e assim descrevem a marcha de povoamento:

[...] teve início em 1875, com a instalação da colô- nia de Benevides. Em 1883, foi aberto o núcleo do Apehú, denominado Araripe, 1886. Por ato de 1889 foi criada a colônia do Castanhal, emancipada no ano de 1893, quando também foi instalado o núcleo co- lonial de Marapanim, em seguida denominado Burgo Marapanim. Em 1894, o núcleo de Benjamim Cons- tant, próximo de Bragança. Os núcleos de Jambuas- sú e Santa Rita do Caranã datam de 1895. Em 1897 foi a vez da Granja Américo. No ano posterior surgi- ram as colônias Ferreira Pena, Annita Garibaldi, José de Alencar e Santa Rosa. Ainda em 1898 foi criado o núcleo de Santo Antônio de Maracanã, oficialmente instalado em 1900 e recebendo o nome de Santo An- tônio do Prata no ano de 1902. Os núcleos de Cou- to de Magalhães, Ianetama e Antônio Baena foram criados em 1899, este último depois incorporado ao núcleo de Annita Garibaldi. Até o ano de 1916, fo- ram instalados núcleos coloniais situados na porção mais ao centro da Zona Bragantina. Os núcleos de Anhanga, onde antes fora o Burgo Marapanim, de São Luís e o de Augusto Montenegro, todos servidos diretamente pela ferrovia, foram criados entre 1901 e 1908, e até 1916 foram criados os núcleos da Es- trada do Tentugal ou Capanema, de Pedro Teixeira e Iracema (p.149).

A política de colonização, especialmente a partir da migração nordestina, e a construção da Estrada de Ferro de Bragança tiveram fundamental importância na estruturação da rede urbana do Nor- deste Paraense, refletindo no significativo aumento do número de núcleos urbanos, no fortalecimento de núcleos preexistentes, na ex- pansão populacional, na dinamização da economia, principalmente da agricultura, e no fortalecimento das interações espaciais entre os centros urbanos, uma vez que agora existia uma rede de transportes eficiente para isso (Figura 13).

A importância da Estrada de Ferro de Bragança fica explícita nas palavras de Cruz (1973, p.667), que a considera a primeira real integração terrestre entre Belém e Bragança:

Foi a locomotiva, atravessando a estrada de Bragan- ça, que levou a colonização e o progresso a essa zona agrícola e industrial do Estado. Graças ao caminho de ferro foi possível escoar para o mercado consu- midor a considerável produção que as colônias da- vam. Cada vez que os trilhos chegavam mais perto de Bragança e se organizavam novos núcleos, ia-se acentuando o espírito colonizador. Novos imigrantes chegavam para povoar e cultivar as áreas marginais da estrada, estabelecendo pontos de partida e pers- pectivas para a exploração da terra e o progresso agrícola e fabril.

Segundo Leandro e Silva (2012), incluídos os ramais, a EFB tota- lizava 46 pontos, entre estações, paradas e estribos9. No eixo principal,

da estação central (São Braz), em Belém, até a estação de Bragança, estavam 37 pontos, dos quais 19 eram estações, 4 eram paradas e 14 eram estribos. Esses pontos da ferrovia tiveram importância crucial no surgimento dos núcleos de povoamento, pois se tornaram à época as principais localidades da região e hoje coincidem, em grande me-

9 De acordo com IBGE (1956), Estação seria o local de parada de trens, com abrigo para passagei-

ros, guichê para venda de passagens, depósitos para mercadorias, desvios, oficinas e abrigos para carros; a Parada consistiria numa pequena plataforma coberta para embarque e desembarque de

passageiros e mercadorias, possuindo ou não guichê para venda de passagens; e o Estribo seria

uma construção, nem sempre coberta, ao lado da linha férrea, para embarque e desembarque, especialmente, de mercadorias.

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dida, com boa parte das cidades do Nordeste Paraense. Este é o caso das atuais cidades de Castanhal, São Francisco do Pará, Igarapé-Açu, Nova Timboteua, Peixe-Boi e Capanema (Figura 13).

Desse modo, as condições apontadas por Corrêa (2006c), como precondição ao reconhecimento da rede urbana, estavam atendidas. A rede urbana do Nordeste Paraense integrava um padrão de orga- nização do espaço em torno da ferrovia, com a maior parte das sedes municipais situadas ao longo do trajeto da estrada de ferro e tendo sua origem ou expansão a partir de estações ou de paradas da EFB. Os núcleos distanciados em relação à ferrovia, em geral, são povoa- mentos litorâneos mais antigos, mas que passam a se articular à nova forma de circulação.

FIGURA 13: Nordeste do Pará. Rede urbana. Primeira metade do século XX

Essa rede urbana constituída a partir da EFB marcou o segun- do período da estruturação da rede urbana do Nordeste Paraense, do final do século XIX à década de 1960, quando a ferrovia é de- sinstalada. No final do século XIX, como demonstra Égler (1961),

Castanhal e Igarapé-Açu se destacavam como dois centros regionais que polarizavam várias colônias. Igarapé-Açu, a partir de 1897, pas- sou à condição de ‘ponta de trilhos’, diante de nova interrupção da construção da EFB. Aliada a essa posição estratégica, também fun- cionava como entroncamento com o ramal do Prata, o que a tornava privilegiada em sua situação espacial.

“Castanhal, já antes da chegada da estrada de ferro, era um núcleo constituído, com o seu comércio tradicional estabeleci- do” (ÉGLER, 1961, p.80). Devido à morosidade e às paralizações na construção da estrada de ferro, permaneceu vários anos como ‘ponta de trilhos’, ratificando sua posição estratégica na região. “Daí partia a estrada para Curuçá e outros caminhos rurais em diferen- tes direções. [As] novas colônias, localizadas no trecho seguinte, até Jambu-Açu, evidentemente haveriam de girar na esfera econômica deste centro já estabelecido” (ÉGLER, 1961, p.80).

Siqueira (2008, p.99) também enfatiza a relevância obtida por Castanhal no âmbito da rede urbana organizada em torno da EFB: “a localização privilegiada do município transformou Castanhal num grande polo comercial entre os municípios de Curuçá, Marapanim, Anhanga e Santa Maria do Pará, que não precisavam vir a Belém repor seus estoques”.

Mas, como relata o próprio Siqueira, é com a construção da rodovia Belém-Brasília que Castanhal se transforma no centro co- mercial mais importante do Nordeste do Pará, ou da Zona Bragan- tina, como prefere o autor. Essa realidade já faz alusão ao próximo momento na estruturação da rede urbana do Nordeste Paraense, o terceiro período, dos anos 1960 à atualidade, com a utilização das rodovias para a interligação entre as cidades da região e entre essas e o restante do Estado do Pará e do Brasil.